Por amor ao Ritz
Numa altura em que se reconstrói um ícone de beleza, o mítico palácio da Place Vendôme deixa cair o pano. Arielle Dombasle, a diva loira que cresceu à sombra desse lar, doce lar, revela-nos os segredos do Ritz...

O que têm em comum Coco Chanel, Humphrey Bogart, Sharon Stone, Anna Wintour e Arielle Dombasle? Resposta: o Ritz. Quatro letras que ressoam como as trombetas de Jericó. Quatro letras que designam o mais faustoso caravançarai do planeta. Não entramos no Ritz, somos chamados pela sua estrela. A de Arielle Dombasle chama-se Laura Howard Bacon, a sua madrinha, que veio para França durante a II Guerra Mundial como enfermeira, condecorada com uma cruz de guerra, casada com um rico homem de negócios do qual se separa rapidamente, ficando com a fortuna para instalar-se definitivamente no Ritz. “A sua suite dava para a Rua Cambon. Era ali que era preciso ir, na ala mais secreta e mais calma do palácio”, recorda Arielle.
'É um facto que eu sentia-me um pouco como se estivesse em minha cas“De manhã, tomávamos o pequeno-almoço na sua suite. Quando chegava a hora de o saborearmos, eu tinha direito a pequenos palmiers confecionados expressamente para mim pelo chef. Ela almoçava e jantava sempre no L’Espadon.” Laura em Balenciaga e com um conjunto Van Cleef & Arpels, Arielle com um vestido de veludo azul-marinho e sapatos de verniz preto. Um quadro ao estilo de Gainsborough. “É um facto que eu sentia-me um pouco como se estivesse em minha casa”, lembra. Era essa exatamente a ideia (uma ideia genial) que César Ritz pôs em prática quando adquiriu o antigo hotel do Duque de Lauzun para edificar o seu império atrás da fachada de Mansart: construir uma casa de família.
“Reparem no estilo”, explica Arielle, “uma mistura de falso Luís XVI e o estilo de Rothschild, um pouco barroco e carregado, mas com uma certa ideia de luxo, o estilo velha França Versalhes. Era um pouco como a vida sonhada para a pequena rapariga que eu era, estilo princesa...” Outro golpe de génio de César Ritz: convencer a clientela da época a vir instalar-se ali para fazer parte da Paris que contava. Até então, apenas iam ao hotel uns senhores e as suas meninas. Na altura, era de bom-tom passar as férias em casa e com a família. César Ritz pôs em causa e revolucionou todos os códigos.
PARA QUE NADA MUDE, É PRECISO QUE TUDO MUDEEsta é a frase que se atribui a Mohamed Al Fayed no momento de fechar o Ritz para dois anos de trabalhos de renovação. O arquiteto de interiores Thierry Despont, que decorou a casa de Bill Gates, assumirá a direção desta obra, tendo como única instrução “renovar sem tocar no ADN do Ritz”. As pinturas em cores quentes e os quartos em tons pastel não irão desaparecer. Os habitués deverão reencontrar o seu palácio intacto. Apenas uma modificação: um túnel será escavado sob o palácio para que seja possível ir diretamente da limusina até à suite e evitar assim os olhares indiscretos.
O Ritz foi inaugurado a 1 de junho de 1898 e, alguns meses mais tarde, toda a gente desejava lá ir, cativada pelo que mais tarde se chamaria a “ritzy attitude”, uma mistura de decadência, descaramento, excentricidade. Tudo é permitido no Ritz. Alimentávamos a boa da Marquesa Casati com coelhos pequenos vivos e servimos os quatro pés de um elefante fritos do Jardim das Plantas a um americano gourmet. Auguste Escoffier, o célebre cozinheiro, inventou para esta assembleia diversa a salada Réjane, as codornizes Rachel, os pêssegos Melba (batizados com o nome de uma soprano italiana).
Durante a I Guerra Mundial, o palácio foi transformado num hospital. Quando a paz regressa, o bar do Ritz recebe Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway. E, a 18 de novembro de 1922, Proust dá o seu último suspiro depois de ter bebido uma cerveja gelada. Durante os anos 30 do século XX, Barbara Hutton ia para o Ritz com as suas centenas de malas e Coco Chanel, desafiando a crise, deixa o seu hotel particular no Faubourg para instalar-se numa suite. Com a libertação de Paris, Hemingway instala-se novamente no bar e não o largará mais. Os anos passam, o Ritz continua a brilhar, mas as instalações começam a ficar fora de moda. Em 1978, o conhecido homem de negócios egípcio Mohamed Al Fayed compra esta joia desgastada para renová-la. Os trabalhos durariam dez anos. Atualmente, encerra o hotel novamente por mais dois anos. Arielle suspira. “É verdade, é como se eu perdesse uma casa.”
