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Pais, acabou-se o livre-trânsito
Até há bem pouco tempo, a gestação saudável estava por conta da mãe. Mas os estudos mais recentes vêm redistribuir responsabilidades e dizer que controlar o peso, deixar de fumar ou cortar no café também são obrigações da paternidade.

Os mais distraídos terão ficado surpreendidos quando o especialista brasileiro Gabriel de Carvalho abriu o Congresso Europeu de Nutrição Funcional, em Lisboa, no passado dia 8 de outubro, com uma palestra dedicada à "programação da gestação" onde destacou o papel do pai. Acompanhar a mãe nas ecografias trimestrais, frequentar um curso pré-parto e, quiçá, vestir a bata para entrar na sala de partos são ações imbuídas de boa vontade. Mas a julgar pelos estudos recentes, não chegam para gerar um bebé saudável. Hoje, sabe-se que "a genética do pai vai ser herdada em 50% da mesma forma que 50% da genética é herdada da mãe", explica o fundador da nutrição funcional no Brasil. Os cientistas, antes concentrados exclusivamente no impacto dos hábitos da mãe sobre a saúde dos seus descendentes, começaram a voltar-se para o homem e a encontrar pistas seguras. "É aquilo a que se chama epigenética", esclarece Gabriel de Carvalho. "Os hábitos do pai vão 'ligar' e 'desligar' genes. E nós sabemos que pais com maus hábitos transmitem hipegenomas mais ligados à doença, aumentando por exemplo nos seus filhos a possibilidade de autismo, diabetes, doenças cardiovasculares ou asma". Este risco pode mesmo, segundo os investigadores do Centro Médico da Universidade de Georgetown, EUA, afetar múltiplas gerações. No American Journal of Stem Cells, estes cientistas esclarecem como a epigenética se aplica aos pais: "Os seus estilos de vida e a idade que têm podem refletir-se nas moléculas que controlam a função dos genes." Por outras palavras: "Um recém-nascido pode ser diagnosticado com Desordens do Espectro Alcoólico Fetal mesmo que a mãe nunca tenha consumido álcool", refere a professora de biologia molecular Joanna Kitlinska no site da Universidade a propósito deste estudo com data de maio de 2016. "Mais de 75% das crianças com este problema têm pais biológicos alcoólicos, o que sugere um impacto na pré-conceção dos consumos de álcool do pai sobre os seus filhos." Mas este é apenas um exemplo. Os estudos revistos pela equipa de investigadores encontraram mais relações importantes: "A idade avançada do pai está associada a elevadas taxas de autismo nos seus filhos; a obesidade paternal está ligada ao aumento das células gordas, alterações na regulação metabólica, diabetes, obesidade e desenvolvimento de cancro do cérebro."

Obesidade e asma: a culpa dos pais
Em 2013, uma investigação da Duke University, nos EUA, também já se tinha debruçado sobre o problema: "Este é o primeiro estudo realizado em humanos a mostrar que a obesidade do pai pode alterar um mecanismo genético, sugerindo que os fatores de estilos de vida são transmitidos aos seus filhos." Neste caso, o biólogo molecular responsável pelo trabalho, Adelheid Soubry, descobriu que o excesso de peso do pai é um dos fatores a influenciar a saúde dos filhos e potencialmente a aumentar a probabilidade de virem a sofrer de doenças como cancro. Um ano depois, a Fundação Europeia do Pulmão teve a iniciativa de estudar pela primeira vez uma hipótese semelhante, desta vez aplicada ao tabaco: será que o facto de os pais fumarem afeta o bebé que está na barriga da mãe? O estudo foi apresentado em Munique, no Congresso Internacional da Sociedade Europeia Respiratória, e envolveu um inquérito a 13 mil homens e mulheres. Os resultados mostraram que a asma (não alérgica) era significativamente mais comum em crianças cujos pais fumaram antes da conceção, não tendo sido observada a mesma relação no caso das mães. "Este é o primeiro estudo a abordar como os hábitos tabágicos do pai na fase de pré-conceção podem afetar a saúde respiratória dos seus filhos. Tendo em conta estes resultados, podemos presumir que a exposição a qualquer tipo de poluição pode também produzir o mesmo efeito", referiu na altura uma das investigadoras, Cecile Svanes, da Universidade de Bergen, na Noruega. O assunto remete-nos ainda para um outro capítulo, já alvo de alerta por parte dos Centros para o Controlo e Prevenção de Doenças (CCPD): o efeito dos perigos tóxicos no ambiente de trabalho para a saúde reprodutiva masculina.
Os perigos que andam à solta
Deixar de fumar é uma decisão sobre a qual o pai tem um relativo controlo. Porém, nem todos os tóxicos são tão evidentes quanto os da nicotina exalada. Existe uma classe de substâncias chamada "perigos reprodutivos" que começa por fazer estragos no momento da fertilização. Além dos cigarros, o calor em excesso, o chumbo e as radiações são fatores que, em contacto com o homem, afetam o sistema reprodutivo da mulher e a saúde do recém-nascido. Um dos exemplos fornecido pelos CCPD é o chumbo: o chumbo pode viajar do trabalho para casa de várias formas – na pele, na roupa ou até nos sapatos, contribuindo assim para efeitos no crescimento do feto. Os chamados "perigos reprodutivos" podem não só matar o esperma como alterar a forma como os espermatozoides nadam (até ao óvulo) ou se 'colam' ao esperma, chegando assim até ao ovo do recém-nascido. No caso da radiação, esta provoca alterações no DNA e quando o DNA do esperma é danificado, pode não conseguir fertilizar um ovo ou então, quando o fertiliza, poderá afetar o desenvovimento do feto, resultando em aborto ou doenças. O que fazer? É verdade que eliminar a poluição no dia a dia de uma sociedade desenvolvida e ocidental não é possível, mas há medidas 'caseiras' que os especialistas aconselham aos pais: lavar as mãos antes de comer, beber ou fumar; limpar a casa com produtos não tóxicos; descalçar os sapatos ao entrar em casa (os sapatos trazem químicos tóxicos para dentro do lar); não comprar produtos com PVC (presente em, por exemplo, cortinas do duche da casa de banho); e usar sempre vidro em vez de plástico no microondas.
Vou ser pai. E agora?
Na verdade, segundo o especialista brasileiro em nutrição funcional, as preocupações relacionadas com a gestação saudável devem começar muito antes de o teste de maternidade dar positivo. "Seis meses é o que preconizo", refere. Gabriel aconselha o futuro pai a fazer uma avaliação individual, o que passa por repensar estilos de vida. O especialista recomenda a prática de atividade física e algumas regras básicas que, embora personalizadas, poderão adaptar-se a uma maioria: uma maior ingestão de frutos, verduras, eliminação de alimentos queimados e consumo de nutrientes específicos, como zinco e ómega 3, em grandes quantidades, por forma a obter um DNA e epigenoma ótimos.
Atenção à cafeína, meus senhores
Aos pais já nem tudo é permitido. Nem a cafeína. Um estudo publicado este ano veio revelar que quer sejam as mulheres quer sejam os homens a consumir três ou mais bebidas com cafeína por dia, antes da gravidez, aumentam as probabilidades de aborto. "Sempre dissemos às mulheres que, se desejavam engravidar, teriam de parar de beber e deixar de fumar. E ao longo de todos estes anos, foi dado aos pais um livre-trânsito", referiu a propósito deste estudo Jesse Mills, diretor da Clínica do Homem, da Universidade de Los Angeles, Califórnia, EUA.
Por Paula Cristóvão Santos
*Originalmente publicado na edição nº 342 da Máxima (março 2017)


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