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"O ensino tradicional é simplista e está ultrapassado"

A psicóloga Ana Rita Dias considera que o ensino tradicional, marcado pela figura central, hierárquica e autoritária do professor, está ultrapassado e defende uma escola onde as crianças possam brincar e sujar-se.

11 de setembro de 2017 às 16:35 Paula Cristovão Santos
E a sua posição tem mais seguidores. Desde outubro de 2016, altura em que criou o grupo Escolas Alternativas, Comunidades de Aprendizagem e Educação em Portugal, já são mais de 30 mil membros. 
O grupo que administra no Facebook acredita que os métodos de ensino tradicionais não vão ao encontro das necessidades. A que situações se refere?
O nosso ensino está desenhado para que todas as crianças aprendam as mesmas coisas, ao mesmo tempo e com os mesmos objetivos. Se somos todos diferentes, se temos ritmos e aptidões diversas, não faz sentido continuarmos com um modelo que coloca todas as crianças na mesma caixa, sem atender às suas características individuais. Além disso, na grande maioria das escolas, o ensino é fundamentalmente expositivo, em que a criança é uma recetora passiva dos conteúdos transmitidos pelo professor. A evolução no acesso à informação faz com que este modelo simplista deixe de fazer sentido e torna-se prioritário ensinar as crianças a estimular a criatividade, o pensamento crítico e a flexibilidade de pensamento, algo que não pode acontecer enquanto a prioridade estiver na memorização absurda de conteúdos curriculares e consequente esquecimento logo após os testes. Acreditamos que este modelo tradicional está ultrapassado e que é preciso colocar a criança no centro das suas próprias aprendizagens. Aprender a fazer, a pensar e a articular informação, de forma a adquirir conhecimentos que lhe sejam significativos e que permaneçam ao longo de toda a vida. Neste formato, todos aprendem e todos ensinam. O professor surge como um importante mediador para que as crianças atinjam as suas competências, de acordo com os seus próprios interesses e motivações, mas tendo sempre em mente que são estas que vão construindo o caminho do seu próprio percurso académico.
Publicou um post em que dizia: "Descubra as diferenças" e em que mostrava duas fotos: uma sala de aula com mesas individuais e uma sala de aula em que os alunos estão dispersos, alguns sentados no chão. Qual a grande diferença?
Quando temos várias mesas alinhadas e viradas para o professor, significa que à partida temos um modelo de ensino em que o professor é um inquestionável transmissor de conhecimentos. Espera-se que as crianças fiquem atentas ao que este diz e que estas permaneçam numa posição de passividade e recetáculo da informação que é veiculada. Quando temos uma sala de aula em que os alunos estão virados uns para os outros, em que é possível levantarem-se para fazerem alguma pesquisa ou ir buscar algum material, em que é permitido trocarem ideias e em que o professor circula pela sala enquanto apoio, significa que o modelo de ensino adotado é centrado na autonomia e participação ativa da criança. Ao contrário do que possa parecer, uma sala de aula mais dinâmica e em que os alunos estão ao mesmo nível é também uma sala onde estes têm comportamentos mais adequados, com respeito pelos direitos e deveres de cada um. Já numa sala onde ninguém pode fazer ou dizer nada, exceto com devida autorização prévia, e em que o professor é a figura central a ser respeitada, é mais fácil surgir transgressão. O respeito não se obriga, ensina-se pelo exemplo e as crianças de hoje não são as mesmas das gerações passadas. São mais questionadoras, interventivas e inconformistas, o que é facilmente confundido com má educação e arrogância.
Quais os maiores mitos que ainda existem em torno do ensino e da aprendizagem da criança?

Um dos grandes mitos é que quanto mais atividades programadas as crianças têm desde muito pequenas, mais competentes serão ao longo do seu percurso escolar. Isto tem reduzido imenso o tempo em que as crianças brincam livremente, sem agendas, orientações ou diretrizes dos adultos e os estudos indicam que é precisamente no brincar que se fortalecem as estruturas mentais, físicas e emocionais para se adquirirem futuramente as aprendizagens mais formais.

Outro dos grandes mitos é a relação que se faz entre as notas que a criança obtém e o seu sucesso profissional no futuro. Isto faz com que estejamos a viver uma época em que os pais fazem tudo o que está ao seu alcance para que os filhos sejam bem-sucedidos no futuro, com horas de apoio ao estudo, trabalhos extra durante as férias ou mesmo pedindo aos professores que enviem mais TPC porque acham que quanto mais tempo os filhos estudam, melhores notas tiram. Esta sobrecarga, nomeadamente em crianças cada vez mais pequenas, tem precisamente o efeito contrário. A criança perde o gosto por aprender, passa a associar o estudo a uma obrigação e tenta fazer o que pode para se esquivar a essa tortura. Quando isso não acontece e a criança até tira boas notas, é recorrente que o faça para agradar aos pais e não porque isso lhe dê prazer.
Enquanto que, na Noruega, em 2014, uma escola chegou à conclusão de que ao retirar os brinquedos às crianças, estas tinham aumentado a criatividade, por outro lado, há escolas onde as crianças convivem desde cedo com os tablets. Por onde devem os pais começar (e o que procurar) para fazer uma boa escolha?
Quando é possível fazer-se uma escolha, a procura da escola depende sempre das crenças e dos valores dos pais. Não existe a melhor escolha, mas a escolha que se adequa ao que cada pai acha mais relevante e prioritário. Há pais que procuram coisas completamente diferentes uns dos outros e até opostas, pelo que o melhor conselho que posso dar é que reflitam sobre o que consideram mais importante para os seus filhos e que procurem perceber o funcionamento das instituições antes de tomarem uma decisão. Ainda assim, posso partilhar o que considero ser a melhor escolha, de acordo com as minhas crenças e valores. Acho útil que escola use as novas tecnologias, desde que seja apenas mais uma ferramenta de trabalho, mas também não é algo que considere prioritário. Acima de tudo, privilegio uma escola onde as crianças possam brincar e sujar-se muito no exterior, na terra, na areia, nas árvores, faça frio, chuva ou sol. Uma escola onde os profissionais estabeleçam uma comunicação positiva e ajudem as crianças na resolução de problemas, em vez de se recorrer a uma constante atitude punitiva. Uma escola onde os alunos aprendem uns com os outros e ensinam-se uns aos outros na sala de aula. Uma escola que aceita e abraça a diferença, não tentando moldar os alunos a um formato inflexível e homogéneo. Uma escola onde não existam quadros de honra nem o culto da competição. Uma escola onde a família seja bem-vinda e faça parte da mesma. Uma escola que se estende para a comunidade e que convive regularmente com as pessoas que a circundam. Uma escola que respeita ritmos e que não trabalha para os rankings e para o exterior mas sim para o sucesso interior de cada aluno.
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