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Martta Reis Simões é uma mulher num mundo (ainda) de homens. Como enóloga da Quinta da Alorna, presta uma homenagem à história desta quinta de forma muito particular: a fundadora, a Marquesa de Alorna, foi a mulher mais culta da sua época e deve-se à sua persistência junto da rainha as primeiras escolas femininas em Portugal. Com 39 anos, Martta é uma das mais reputadas enólogas portuguesas e em 2012 recebeu a distinção de Enóloga do Ano pela Comissão Vitivinícola Regional do Tejo. É responsável por todos os vinhos produzidos com as vinhas dos 220 hectares de vinha da propriedade Quinta da Alorna. Ao longo dos anos tem levado esta casa vínicola a receber diversos prémios – em 2014, por exemplo, o vinho branco Quinta da Alorna recebeu a medalha de ouro no concurso mundial de Bruxelas. Em entrevista à Máxima, a enóloga revela como se começou a interessar pela área, quais os maiores desafios da profissão e quais são os mitos ainda associados aos vinhos, ao mesmo tempo que conta um pouco da história da herdade.

Como começa a sua história com o mundo vinícola? Em que momento esse universo a começou a fascinar e porquê?

Sempre tive contacto com a vinha, sendo neta de agricultores, todos os anos participava na vindima de casa. Mais tarde, o meu pai começou a interessar-se especialmente por vinho e abriu uma garrafeira ao público, frequentou formações e foi um dos membros fundadores da Confraria dos Enófilos da Estremadura, onde eu o acompanhava em todos os encontros. O vinho foi sempre uma presença constante e aos fins de semana bebiam-se boas garrafas de vinho. Começo nesta fase, aos 16 anos, a achar fascinante toda a envolvência do vinho.

Quais foram as suas primeiras referências na enologia?

O meu primeiro contacto a sério com a enologia foi na Quinta da Noval sob orientação da Ausenda Matos, portanto esta é certamente uma grande referência. Esta ligação foi muito importante, não só a nível profissional, mas como grande de exemplo do que são a dedicação e o empenho, dos aspetos positivos e negativos de se ser mulher nesta profissão.

Mais tarde, outra grande referência foi Nuno Cancela de Abreu, com quem trabalhei alguns anos.

É curioso que a história da Quinta da Alorna tenha tudo a ver com poder feminino. Quer contar um pouco dessa história, sobre a Marquesa de Alorna?

Leonor de Almeida Lorena e Lencastre foi uma mulher apaixonada, determinada, rebelde, inteligente e muito à frente no seu tempo. Esteve em cativeiro durante 18 anos, por ordem do Marquês de Pombal, pelo suposto envolvimento da sua família no caso Távora. Durante este período aprendeu a falar fluentemente cinco línguas, algo impensável na sua época e ainda mais para uma mulher, leu todos os livros que conseguia fazer chegar ao cativeiro, quer fossem proibidos ou não. Foi a primeira escritora pré-romântica em Portugal. Saiu em liberdade com 26 anos, casou, e viajou pelas cortes europeias onde deslumbrava pelo seu talento poético.

Mulher de letras, muito ligada à política, influenciou as cortes portuguesas e europeias. Ligada tambem à cultura e educação, as primeiras escolas em Portugal surgiram graças à sua persistência junto da Rainha D. Mari. Morreu em 1839, com 88 anos, deixando oito filhos e uma vastíssima obra literária.

Em sua homenagem, a Quinta da Alorna decidiu dar o nome Marquesa de Alorna a dois vinhos, onde se podem ler estrofes diferentes da poetisa a cada edição.

O que é essencial para se ser enólogo? E o que é mais gosta na sua profissão?

Como em qualquer profissão, gostar muito do que se faz é essencial, mas nesta só isso não chega, o "espirito de sacrifício" é fundamental. É preciso ter noção que durante dois meses (vindima) deixamos de ter vida própria, confundimos o dia com a noite, fins de semana não existem, mas o que mais custa é a partir do momento que temos filhos e entre tantos outros constrangimentos, nos começam a cobrar a ausência, passadas duas semanas perguntam todos os dias: "Quando é que acaba a vindima?". Tudo se complica e duplica quando o pai tambem é enólogo!

Tem à sua responsabilidade todos os vinhos produzidos com as vinhas dos 220 hectares de vinha da propriedade… Como é gerir tudo isso, todos os dias?

Agradeço muitas vezes as pessoas que tenho diretamente a trabalhar comigo, tudo se torna mais fácil, menos pesado.

Há cada vez mais mulheres na enologia. Quando começou a trabalhar na área, sentiu ainda alguma distinção por ser mulher ou isso, felizmente, nunca sucedeu?

Confesso que nunca senti grandes dificuldades nesta área pelo fato de ser mulher, por todos os locais onde passei sempre senti respeito.

Em 2012 foi distinguida como a melhor enóloga mais jovem em Portugal pelos W Awards Portugal. Quão importantes são os prémios neste sector, em Portugal? Existe, de facto, reconhecimento?

De uma forma tímida, mas sim, considero que existe reconhecimento que se manifesta de diversas formas.

Quais são os maiores mitos no que aos vinhos diz respeito? Ou seja, as coisas que as pessoas dizem, no senso comum…

Quando começamos numa prova a descrever um vinho em que dizemos que tem aroma a morango, citrinos, etc., muita gente pensa que pomos fruta dentro do vinho, mas não é verdade: as uvas têm percursores aromáticos que dependendo de cada casta após fermentação dos açúcares da uva dão origem a aromas primários variados como frutas, flores, especiarias, erva, etc.

A ideia de que o vinho rosé resulta de uma mistura de vinho tinto e branco é falsa. Trata-se de vinho produzido exclusivamente a partir de uvas tintas que na sua produção permanecem em contato pelicular para extrair cor das peliculas para o mosto (sumo da uva). Da mesma forma, também é um mito que o vinho tinto é para a carne e vinho branco para o peixe, quem ainda não teve a felicidade de combinar um vinho banco com um cabrito ou uma feijoada, ainda não descobriu o outro lado do prazer à mesa.

Além disso, há ainda o mito de que o clássico vinho tinto deve beber-se a temperatura ambiente, mas num dia de 37ºC seria como beber um chá.

Por exemplo…é errado escolher um vinho pelo peso da garrafa/rótulo/rolha – etc?

De todo… percebo que a aparência faz-nos posicionar mentalmente o vinho em patamares diferentes, quer de preço quer de qualidade, mas só depois de bebermos um vinho pela primeira vez podemos julgar o que esta dentro da garrafa. Gostamos ou não e a partir daí esquecemo-nos da imagem.

Estamos, portugueses, ainda muito longe de ser bons apreciadores de vinho? Nos restaurantes é comum ouvirmos a pergunta: seco ou frutado? Não deveríamos estar mais à frente a esta altura? Seja do lado da restauração como do cliente.

Na verdade, faz-me alguma confusão como é que nós, produtores de vinho do velho mundo, com anos de história e tradição, não tratamos o vinho como países que nem sequer têm vinha e que só há meia dúzia de anos começaram a consumir vinho; não é apenas nos restaurantes, mesmo nas nossas casas, recentemente é que se começa a beber vinho em copos de pé alto para melhor apreciação. Mas isto está a mudar, o vinho está na moda, são dezenas de eventos de vinho que são lançados em Portugal por ano, as formações, ações sobre vinho estão cada vez mais acessíveis para aqueles que querem aprender um pouco mais… tudo isto faz com que o consumidor seja cada vez mais conhecer e esclarecido, naturalmente a restauração também.

Quais são as características para um vinho perfeito? 

Penso que nunca provei um vinho que considerasse perfeito! Valorizo muito um aroma franco, não tem de ser uma explosão de aromas, tem de ser genuíno, a boca tem de ser harmoniosa, as sensações têm de estar equilibradas.

Por fim, como define os vinhos da Quinta da Alorna? E qual o seu preferido neste momento?

Elegantes e frescos. Claro que não há só um, mas se tenho de nomear um e como os dias quentes já chegaram, Quinta da Alorna Sauvignon Blanc.

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