Entrevista Kleber Mendonça Filho. "Não estou a falar apenas do Brasil, estou a falar do mundo"
O realizador brasileiro mergulha no passado político do Brasil com O Agente Secreto, um thriller salpicado de humor e com Wagner Moura a representar as vítimas da ditadura que tomou conta do país nos anos 1970.
O cinema brasileiro parece estar a viver um momento feliz e de reconhecimento além-fronteiras. Depois de Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, ter conseguido estar entre os melhores de 2024, num percurso que terminou já este ano com o Óscar de Melhor Filme Internacional, agora outra obra do Brasil merece atenções especiais. O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, foi apresentado em maio na competição oficial do Festival de Cannes, de onde saiu com quatro prémios, incluindo Melhor Realizador e Melhor Ator para Wagner Moura. Além das carreiras internacionais e dos prémios conseguidos, os dois filmes partilham também a visão de uma época do Brasil – os anos 1970, em plena ditadura – e o olhar sobre como esse passado ainda tem eco na sociedade brasileira.
Em O Agente Secreto, Kleber Mendonça Filho traz para o cinema a cidade de Recife, onde nasceu e à qual a personagem de Wagner Moura está de regresso. É a partir dali que se revela o Brasil dos pequenos poderes, da corrupção instalada, das forças que alimentavam a ditadura. No meio de tudo isto, vemos os esforços de um homem para evitar ser um alvo a abater. Neste passado contado no filme, as personagens parecem fazer parte de um mundo de espionagem, numa história em que todos tentam apagar vestígios e dissimular as suas atividades. Todos parecem, também, o Agente Secreto do título, numa narrativa que avança por camadas até aos nossos dias, quando fazemos o exercício de resgatar as memórias do que está para trás. É uma obra de muitos tons, que passam pelo policial, o thriller e até a comédia. É um dos grandes filmes do cinema brasileiro recente, por isso não admira que tenha sido a escolha para representar o Brasil nos Óscares, na categoria de Melhor Filme Internacional, e, quem sabe, tente chegar a mais uma ou outra nomeação, por exemplo, para Melhor Ator, com o talento inquestionável de Wagner Moura. Durante o verão, Kleber Mendonça Filho esteve em Lisboa e no Porto, para apresentar o filme (que chegou às salas nacionais a 6 de novembro) e foi nessa altura que conversámos com o cineasta, rendido à boa receção por parte do público português.
Foi possível perceber, na sessão no Cinema São Jorge, que há uma ótima combinação entre a intenção de um autor e a receção por parte do público. A sessão terminou com uma sala inteira a aplaudir de pé. É isso que tem acontecido? Acha que o filme está a ser bem recebido fora das fronteiras do Brasil porque o público consegue relacionar-se com a história?
Sim, o filme tem tido uma boa receção desde que estreou no Festival de Cannes, onde conseguimos quatro prémios. Dois prémios do júri oficial, para Wagner Moura, como Melhor Ator, e para mim, como Melhor Realizador. Tivemos ainda o Prémio da Crítica Internacional, o Fipresci, e o Prémio das Salas Independentes. A receção tem sido muito boa. Gosto muito de apresentar o filme numa sala de cinema, e em Lisboa, no São Jorge, a sessão foi espetacular! Eu amo de paixão esta sala há muitos e muitos anos desde que venho a Lisboa, e acho que uma sala como o São Jorge ajuda a construir o caráter do filme.
Na sessão em Lisboa, o Kleber dizia esperar que, apesar de a história se passar no Recife, esta se relacionasse com outros públicos. É este o lugar que quer que o seu cinema ocupe? Uma espécie de prolongamento da história e da cultura de um país?
Eu acho que o cinema naturalmente é um acervo que continua a crescer a cada filme, não interessa a nacionalidade. Cada película torna-se um documento que será guardado e se tudo der certo, será visto e revisto no futuro. Este filme conta uma história muito brasileira, mas é um filme universal, porque existem poucos temas tão universais como o uso do poder contra outras pessoas. E isso é algo que, infelizmente, não sai de moda. Com esse tema geral, o poder, fiz um filme de mistério, ação, enigma, que tem um lado emotivo muito forte. E também estou a descobrir que está a revelar ser um filme muito engraçado. O tema do poder é muito forte e o cinema é um instrumento também poderosíssimo para falar sobre a realidade, que pode ser histórica, mas pode ter um reflexo no presente. Acho que este filme tem uma grande ressonância com o presente, com o agora.
O filme tem humor, tem a dimensão de um filme policial, é político. Em vários momentos, pensei noutras películas, considerando a fotografia e outros pormenores. Qual foi o filme, ou filmes, que funcionou como ponto de partida para definir a linguagem que queria usar?
É muito interessante essa pergunta, porque eu me tornei realizador de cinema devido aos filmes que me deram vontade de ser cineasta. Os filmes que me levaram em direção ao cinema. Eu tenho uma bagagem de cinema muito pessoal, você também tem e o público também tem. Isso acontece também com a literatura e com a música. Eu cresci a ver o cinema brasileiro do Nelson Pereira dos Santos, do Hector Babenco. O cinema americano de Brian de Palma, de John Carpenter, de Alfred Hitchcock. Ou o cinema australiano, que também está muito presente na minha formação. É muito difícil dar uma lista dos filmes que me ajudaram a chegar a este O Agente Secreto, mas cada vez que vejo o filme penso em mais uma coisa que antes não tinha considerado. As pessoas que falam comigo, ou as críticas que saem, trazem ainda mais referências. Acho que os filmes, os livros e a música estão guardados em nós e, quando estamos a fazer um filme, muita coisa que está guardada vem à tona. E é muito interessante descobrir isso.
Pensando noutros filmes da sua carreira, como Aquarius e Bacurau, são filmes que abordam o poder, embora de formas distintas. São películas que espelham determinadas circunstâncias difíceis e têm uma consciência política. É este o lugar que quer trabalhar no cinema?
Acho que faz parte do vocabulário do thriller político, policial ou de investigação, um certo mistério em que alguém com muito poder está por trás de tudo. É quase como se eu estivesse a seguir uma série de procedimentos que fazem parte destas histórias. É claro que, quando faço um filme sobre o meu país, tenho conhecimento de causa para abordar aquilo que eu chamo a lógica do Brasil. Portugal também tem a sua própria lógica, cada cultura tem a sua própria lógica. Neste caso, o filme tem a lógica do Brasil. Eu queria fazer algo que tivesse uma certa densidade. Acho que a pesquisa tem duas camadas, uma parte de coisas que eu já tinha guardadas em mim, como lembranças e memórias. Mas depois há a pesquisa propriamente dita. Fazer um arquivo a partir de um levantamento de informação para escrever o filme. Eu achava que a pesquisa tinha de ser muito densa. E, no final, acho que ofereço uma crónica e um panorama sobre o poder no Brasil há 50 anos. Mas, francamente, acho que não há assim tanta diferença relativamente à ideia de poder e da sociedade atualmente. Não estou a falar apenas do Brasil, estou a falar do mundo.
Texto originalmente publicado na revista anual da Máxima, de novembro de 2025.
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