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Viagens sem volta. As aventuras de duas famílias pelo mundo

É provável que as vidas de Sofia, 29, e Inês, 37 não se cruzem, mas há pelo menos um elemento que as une. O espírito nómada, livre, que privilegia o tempo passado em família e a descoberta do mundo. Contamos as suas histórias, de aventura e de emoção, em movimento constante.

28 de julho de 2020 às 07:00 Rita Silva Avelar

Uma descoberta e um novo olhar a cada curva. Ao volante da caravana de Sofia e Vasco

Absorvida pela estética da página de Instagram de Sofia, 29 anos, e depois pela sua escrita, descobri a aventura sobre rodas desta família. Os tons terrosos, as fotografias ternurentas, as paisagens áridas e apelativas, onde a natureza se vê através de uma janela de uma caravana e o sol está sempre à espreita, são atractivos infalíveis para quem adora o espírito nómada. As palavras são um dos maiores trunfos de Sofia, além da fotografia: a sua escrita é despretensiosa, descontraída, e chega a ser poética e emocionante. Em My Milk Tribe, vai contando a expedição de Vasco, 29 anos, a sua e a da filha Luz, de 2 anos, com episódios do quotidiano que mostram como é viverem juntos numa caravana (que é, na verdade, uma carrinha com upgrades), como é não ter trabalho fixo, como se sente ao ser uma mãe que educa fora dos ditos padrões da sociedade do século XXI.

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Essa linguagem é absolutamente obsoleta, para Sofia, que escolheu este estilo de vida com Vasco há cerca de cinco anos e meio. "Foi sem querer. O Vasco já tinha a carrinha e morava em Cascais, e eu morava em Lisboa. Quando começámos a namorar, para ser um meio caminho para os dois, passámos a ficar na caravana. Depois viajámos para França, para a apanha da fruta, e aí ficou oficial que morávamos na caravana" conta. Nas suas publicações, Sofia vai abordando (e desmistificando) temas que vão desde a amamentação, à educação, à gravidez e ao parto, passando pelo sustento financeiro de quem escolhe esta vida e pelas especificidades técnicas da caravana onde habitam.

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A primeira viagem que Sofia e Vasco fizeram foi para trabalhar, a segunda viagem já foi com intenção de ir de férias. "Claro que temos saudades da família e dos amigos, mas preferimos valorizar o tempo com eles, de verdade, quando estamos juntos. Estar, para estar mesmo, sem telemóveis e distrações" revela, sobre os momentos em que estão ausentes de Portugal durante meses. 

Sobre ser mãe e viver numa caravana, Sofia conta, como já o fez numa publicação, que não esperava engravidar. "Levei tudo muito devagar, um dia de cada vez, até a Luz nascer. Claro que a minha vida mudou, mas consigo fazer as mesmas coisas, adaptámo-nos. Estamos todos os dias juntas. Quando ela tinha três meses fomos ao festival Boom, depois fomos a outro festival na Croácia, e nesse percurso passámos por Espanha, França, Itália e Eslovénia até chegar à Croácia. Depois disso fomos para Marrocos" revela. Também fizeram viagens só as duas, e nesse caso vão de avião, como aconteceu com idas à Noruega e aos Açores.

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Filha de mãe doula, Sofia já sabia que queria ser mãe em casa, optando pelo parto natural dentro de uma piscina própria. "A Luz nasceu numa aldeia de xisto, que se chama Candal, e nessa aldeia só moram duas pessoas. Eu e o Vasco fomos para lá duas semanas antes de ela nascer. Fiquei calma e preparei-me." Esta é uma das experiências que conta em My Milk Tribe, de forma despreocupada. "As pessoas perguntam-nos muitas vezes como é que temos dinheiro, se vamos viver assim para sempre." Não sabem, claro, se soubessem não teria a mesma graça, leio-lhe nas entrelinhas da nossa conversa.

Uma ida sem volta, uma aventura a cada nó. A bordo do veleiro da família de Inês e João

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Cruzei-me com a Inês no chat do LinkedIn. Queria contar-me a sua história. Pareceu-me estar a ler mal quando me explicou que iria viajar pelo mundo de veleiro com o marido e os quatro filhos, até que lhes apetecesse, deixando tudo para trás. Quando lhe ligo, está a pintar o dito veleiro, e fala a um ritmo frenético, próprio de quem mal pode esperar para começar esta aventura náutica que está prevista para o fim de agosto e não tem data de fim. "Na verdade, isto começou há 17 anos, quando conheci o meu marido, com a seguinte conversa: "o meu sonho era dar a volta ao mundo num veleiro e ter muitos filhos" (ri-se) e fiquei a pensar que era precisamente aquilo que eu queria. Namorámos uns anos, casámos há 11 anos, e temos quatro filhos! Mas a conversa do barco vinha sempre ao de cima…" conta Inês Saldanha. Até que há seis anos, no verão, o casal começou a juntar dinheiro, e o assunto começou a ficar mais sério. "Estivemos estes anos a prepararmo-nos, desde a parte do ensino doméstico das crianças aos planos de saúde. Uma volta ao mundo exige uma preparação muito grande." Para trás, Inês deixou a profissão de organizadora de eventos, e João o ensino de fotografia.

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Além de Inês e João, a bordo subirão a Teresa, 2 anos, o Francisco, 5 anos, o Manuel, 8 anos, e a Alice, 10 anos. "É nesta infância que eu gostava de ter mais tempo com os meus filhos, e a realidade a trabalhar é que chegamos a casa sempre mais tarde e nunca temos tanto tempo disponível para eles. Eu gostava de lhes dar algo diferente. Não me identifico muito com a escola atual, mas sim com o ensino mais orgânico, de descoberta."

A aventura já está a ser partilhada na página de Instagram, a Wind Family e há momentos de empolgamento e outros de medo. "A preparação uniu-nos muito enquanto família. A própria viagem vai dizer como vai ser, vamos abertos a estar por fora quatro ou cinco anos, mas até podemos gostar e querer manter-nos assim."

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Uma das preocupações de Inês é a filha mais velha, que agora tem dez mas e em breve será adolescente. "Eu quero que a Alice, aos 14 anos, tenha uma adolescência normal, que diga que vai ter com as amigas mas vai ter com o namorado. Se eu vir que ela está a gostar da vida no barco, e que até arranjou um namorado na Polinésia Francesa e quer continuar, continuamos!" Ri-se. O estado de plena descontracção é evidente na voz de Inês. "Se passados três anos nos fartarmos, vendemos o barco, compramos mochilas e fazemos uma expedição às Filipinas, Laos… Bem, se eu não estivesse aberta à mudança, à vida, à adaptação, eu não me metia nisto."

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Inês é assumidamente uma mulher apaixonada pelos filhos, e a forma fervorosa com quem fala de cada um deles não a deixa mentir. Mas também o é pelo marido, por quem sente a mesma paixão do início de um namoro. "Eu não me posso esquecer que tenho um marido, que é a pessoa pela qual me apaixonei, e se eu não parar várias vezes para pensar nisso rapidamente me esqueço. No casamento, é fácil cairmos num adormecimento." Todas as sextas-feiras, desde que se conhecem, Inês e João vão jantar fora, sozinhos, e as crianças ficam em casa com uma ama. "Connosco isso resultou muito bem, e esse tempo é só nosso. O que me preocupa mais [a bordo do veleiro] é ficar sem esse tempo, e estar sempre com os miúdos" diz-me, ainda que sem alarmismo, mas sim com curiosidade para saber como é que tudo acontecerá. "Imagine que estamos na Papua-Nova Guiné, e arranjo lá uma miúda que seja maternal, que fique com eles na praia e eu estou no veleiro a jantar com o meu marido, e a vê-los lá no fundo. Quando se quer tudo faz." Não poderíamos concordar mais.

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