
Tenho um grupo de amigos com quem saio com frequência, para além de falarmos diariamente num grupo fechado do Facebook. Todos somos muito politizados… uns de esquerda, outros de direita... mas isso sempre foi bem gerido entre nós. À medida que as tensões políticas foram aumentando no parlamento, também as piadas foram sendo mais fortes, até ao ponto em que estamos todos clivados, com o jantar do último fim-de-semana a ficar muito desagradável e alguns dos amigos se terem ofendido mesmo… Fiquei a pensar como as questões políticas podem afetar as nossas relações. Será possível mantermos a amizade, respeito e admiração que tínhamos? Ou as divergências políticas são incontornáveis?
Cara Clara, antes de mais quero felicitar por manter o contacto com amigos online e offline, para além de manterem a capacidade de se relacionarem num grupo onde as diferentes perspetivas e visões podem ser partilhadas e questionadas.
A diversidade na forma de ver o mundo é de facto um dos pontos mais enriquecedores da sociedade, pois são as diferentes perspetivas que nos permitem crescer e alargar horizontes. Se é agradável quando há concordância e nas perspetivas comuns se poderem construir projetos e alianças, é nas divergências variadas que todos podem ficar mais enriquecidos, se mantiverem as discussões ou debates centrados nas ideias ou temas (sejam questões políticas ou o restaurante onde vão jantar) e não nas pessoas. É quando as discussões saem do seu centro (o tema em debate), e passam para acusações aos interlocutores, que os conflitos destrutivos podem emergir. A partir desse momento, não estarão a discutir ideias, mas sim pessoas. Não estarão a compreender a forma como o outro sente e pensa o que o rodeia, mas podem cair na tentativa de mudar o outro à sua imagem, ou mesmo desvalorizar o outro, por ter ideias diferentes das suas.
Quando o tema é política, as emoções falam geralmente mais alto, principalmente para pessoas para quem este é um tema tocante, como parece ser o caso, o que pode elevar as discussões para um maior nível de tensão, reforçando as diferenças face aos grupos políticos de pertença ou simpatia, como que fazendo emergir um lado tribal que muitos investigadores sociais afirmam existir entre humanos.
Alguns estudiosos, a título de curiosidade, referem que os posicionamentos políticos se relacionam com o desenvolvimento da moralidade, considerando a existência de matrizes morais que integram diferentes fundações (como Cuidado/Dano, Justiça/Desonestidade, Lealdade/Traição, Autoridade/Subversão, Santidade/Degradação e Liberdade/Opressão) organizadas de forma plural e diversa nas diferentes pessoas (a título de exemplo, os estudos sugerem que entre liberais (politicamente de esquerda) as fundações Cuidado, Justiça e Liberdade tendem a estar muito evidentes, já os conservadores (politicamente de direita) parecem ter as seis dimensões mais niveladas, havendo valorização também da Lealdade, Autoridade e Santidade). Há uma variabilidade grande, não estando aqui a considerar o melhor ou pior, mas a integrar aspetos da ciência que nos permitem ver dimensões que podem estar por detrás da diversidade das dimensões morais que parecem ser mais valorizadas nas diferentes áreas políticas (da esquerda à direita, do centro aos extremos). De acordo com a Teoria das Fundações, as matrizes morais variam entre pessoas, sendo que têm influências genéticas e socioculturais (há como que um rascunho pré-escrito à nascença – uma organização prévia das fundações – que se irá desenvolver ao longo da vida, considerando influências sociais e culturais, e formar as ditas matrizes). Estas, por sua vez, irão influenciar a forma de olhar, sentir e estar no mundo… em última análise os seus julgamentos morais. Grande parte dos julgamentos e opiniões, de acordo com esta teoria, surgirão de modo automático e inconsciente, sendo rapidamente racionalizados, com as justificações que permitem validar essa visão. Será algo que apesar de muito racionalizado, tem uma dimensão muito emocional e por isso ser muitas vezes difícil gerir nas discussões (para aprofundar este tema e no caso de terem facilidade no inglês, recomendo o livro de Jonathan Haidt, The Righteous Mind: Why Good People Are Divided By Politics And Religion). Todavia, há que sublinhar que um pensamento único não irá favorecer a sociedade, na medida em que a diversidade de perspetivas é um ponto essencial ao desenvolvimento social.
No tocante à amizade, e face a um momento de divergência, pode ser útil relembrar o que vos une, o que é essencial na vossa relação, o que gostam e valorizam uns nos outros e naquilo que o vosso grupo de amigos dá e potencia em cada um. Aceitar as diferenças é fundamental em qualquer relação, mesmo que haja discordância. Podem assim retirar desta fase aprendizagens sobre a melhor forma de gerirem divergências e de as tornar enriquecedoras para o grupo, sem entrar na desvalorização do outro, e procurar compreender uma visão diferente, de forma genuína. O sentido de humor pode ser uma grande ajuda se, naturalmente, evitarem o sarcasmo (que será outra forma de desvalorizar ou agredir o interlocutor). Manter atividades em que há objetivos comuns, em que celebram a vossa dinâmica, e em que todos participam, se divertem e apoiam é também um ótimo aliado de amizades duradouras.
