Atual
Das palavras aos atos
Ainda faz sentido falar de feminismo hoje? E se pudesse mudar alguma coisa amanhã – no que à desigualdade entre géneros diz respeito – o que seria? Foram as duas perguntas que colocámos a personalidades de diferentes áreas.

Alberto Gonçalves, Sociólogo

"É possível que na cultura ocidental, passe a ridícula generalização, haja ainda exemplos da discriminação dita de género. Talvez no trabalho, por exemplo, sobretudo no que toca às diferenças salariais que, ao que ouço dizer, subsistem inexplicavelmente nalguns casos. Mas parece-me que mesmo esses resíduos podem ser ultrapassados de modo ‘orgânico’, que é sempre preferível à regulação por via legal. Achar que essas pequenas correções carecem de um conceito tão solene quanto o feminismo é capaz de ser excessivo ? e uma desvalorização dos antigos e consequentes esforços das mulheres em prol da igualdade. Outra coisa é levar em conta o aumento da presença muçulmana na Europa. Aqui sim, aconselhava-se o regresso em força do feminismo ? ou do elementar bom senso ? contra a radical subjugação da mulher nessas comunidades. Infelizmente, parece que muitas das nossas alegadas feministas estão mais preocupadas com as quotas na política e o piropo do que com os crimes ‘de honra’ e a mutilação genital.
Não simpatizo com a ideia de que o mundo deva mudar de acordo com a vontade de uma pessoa, ainda que essa pessoa seja eu. De qualquer maneira, admito fazer de Miss Universo (que as feministas detestam) por um minuto e desejar o fim da violência conjugal. E que, a propósito das mulheres e não só das mulheres, o Islão deixasse de ser o Islão."

Ana Guiomar, Atriz
"Pelo menos enquanto houver diferenças significativas nos salários entre homens e mulheres ou enquanto houver poucas mulheres em cargos de chefias, seja a nível político como corporativo, acho que sim [que se deveria falar de feminismo hoje]. Portanto, da mesma forma que em pleno século XXI se continua a falar em direitos humanos, acho que se deve continuar a falar de feminismo, na ótica da luta pela igualdade dos direitos das mulheres.
[Mudava] Os salários. Seja em que profissão for, devia ser ilegal pagarem menos a uma mulher para desempenhar as mesmas funções que os homens."
Catarina Marcelino, Secretária de Estado da Cidadania e da Igualdade
"Basta olhar para o mundo à nossa volta. Se, por um lado, há direitos que hoje estão adquiridos, como o igual acesso à educação, ao emprego ou à justiça, por outro, ainda há muito a fazer. Por exemplo, no que se refere à igualdade na esfera privada, ainda se espera que sejam as mulheres a ter a maior fatia da responsabilidade sobre os cuidados das crianças e das tarefas domésticas. Também no que se refere à igualdade na tomada de decisão, em Portugal apenas 9,5% de mulheres ocupa cargos nos Conselhos de Administração das Empresas. E, mesmo na política, só foi possível chegar a uma participação de 33% através da Lei da Paridade aprovada pela Assembleia da República, em 2006.
[Dever-se-ia] Garantir que nunca mais nenhuma mulher morria às mãos do seu (ex-)marido ou (ex-)companheiro. Infelizmente, sabemos que tal não é possível… No entanto, faremos todos os esforços ao nosso alcance, tendo já sido criado um grupo de trabalho de peritas e peritos nacionais na área do combate à violência doméstica, o qual teve a sua primeira reunião no passado dia 21 de janeiro. Começámos a desenhar uma estratégia de intervenção de base territorial, no sentido de garantir serviços de apoio às vítimas, em particular em áreas do país onde as respostas não são suficientes."
Francisco José Viegas, Escritor
"Faz todo o sentido [falar de feminismo hoje]. Não como uma questão que tenha a ver com o ‘género’ – mas como resposta ao desequilíbrio na forma como fomos construindo a humanidade até hoje. O machismo e a misoginia incomodam-me e são uma arbitrariedade, uma forma de violência e de exercer a estupidez (que não é um direito); mas esse desequilíbrio cria formas muito reais de injustiça no mundo da família, da relação amorosa e do universo laboral e que é necessário fazer desaparecer, geração a geração – e parte desse trabalho depende das próprias mulheres, lutando pela sua independência e liberdade.
[Mudaria algo]Imediatamente: a inacreditável discriminação salarial. Não se compreende como é possível manter esse tipo de desigualdade às claras e, ao mesmo tempo, ter a lata de falar de ‘género’ ou de ‘justiça social’. Aliás, acho que falar de ‘género’ em vez de ‘sexo’ é uma forma de desvalorizar o feminismo."
Joana Vasconcelos, Artista plástica
"Interessa-me mais discutir a desigualdade de um modo alargado em vez de reduzi-lo somente à esfera do feminino. Continua a ser necessário travar uma luta contra a desigualdade não só entre géneros mas, na verdade, ao nível da humanidade como um todo ? especialmente a desigualdade económica. Creio que se pudesse mudar algo no amanhã, começaria por acabar com a violência, pois é um dos maiores obstáculos à evolução plena dos direitos humanos."
Margarida Marinho, Atriz
"É possível apagar a história? É possível apagar o patriarcado que inúmeras vezes construiu desigualdades entre os homens e as mulheres, quer na sociedade civil quer no próprio lar? Já não deveria fazer sentido falar-se em feminismo ou qualquer outro movimento social, filosófico e político que velasse pelos direitos igualitários entre machos e fêmeas. Afinal de contas, vivemos em pleno século XXI. Mas podemos ignorar que a igualdade de direitos não tem de ser assegurada ainda nos dias de hoje? Está tudo bem no quintal da minha vizinha? Mas também quantas vezes as próprias mulheres desmantelaram o que outras mulheres defenderam para todas as mulheres? E quantos homens estiveram mais próximos da ideia de paridade do que muitas mulheres? Sim, também não simpatizo com o termo cuja imagem projetada através dos tempos esteve sempre mais próximo da caricatura do que da essência, mas de todas as vezes que discutirmos a paridade entre homens e mulheres e encontrarmos uma única assimetria, teremos de parar, pensar e lembrar-nos que existe um movimento observador (muitas vezes, e bem) e reparador dessas desigualdades: o feminismo.
Diria a todas as mulheres que se vestem como os homens, por causa dos homens, e só para projetarem uma imagem de respeito ao lado desses mesmos homens, que pusessem um vestidito. Não basta sê-lo. Há que parecê-lo (nem que seja por um dia)."
Maria Antónia Palla, Jornalista
"Acho que não só faz sentido [falar de feminismo hoje], como é urgente que se fale. Porque significa falar sobre todos os problemas que as mulheres têm (e que são diferentes dos problemas dos homens) e aos quais os homens, de um modo geral, quer tenham poder político quer os simples cidadãos, não se dão conta de que as mulheres são as mais sacrificadas por todo o género de discriminação, mesmo que elas não se deem conta de que são discriminadas. Existe nas relações familiares, nas relações de trabalho e nas relações com o poder político. Poucas são as mulheres que conseguem ascender a lugares políticos, o que lhes permitiria, em princípio, alterar a situação das mulheres, no que respeita à liberdade e à igualdade. Infelizmente, entre essas poucas, são ainda mais poucas as que se dispõem a fazê-lo, porque são condicionadas a agir segundo um modelo masculino dominante. Os próprios meios de comunicação social são cúmplices da ideia que socialmente se generalizou de que o feminismo é uma questão ultrapassada, não se dando sequer ao trabalho de se informarem sobre as correntes feministas. E aí surge o preconceito. É frequente muitas mulheres, ao falarem dos seus direitos, começarem por dizer: ‘Eu não sou feminista!’
Como princípio básico eu procuraria consciencializar as pessoas de que homens e mulheres, rapazes e raparigas, devem ser considerados iguais em matéria de direitos. Penso que isto é fundamental quando lemos todos os dias casos, por exemplo de violência, que não existiriam se o princípio da igualdade fosse cumprido. Esta violência só é sentida quando se torna pública, mas há muita violência que permanece escondida, não só sobre as mulheres mas sobre as crianças. E isto para não falar da violência institucionalizada em muitos países com os quais os países democráticos convivem, na defesa dos seus próprios interesses."
Rita Ferro Rodrigues, Jornalista
"Faz todo o sentido falar sobre feminismo nos dias de hoje. Até para que as pessoas entendam que as feministas defendem apenas (como se fosse pouco) a igualdade de direitos cívicos e de oportunidades entre homens e mulheres. Se olharmos para o mundo como um todo, é fácil perceber com tristeza que essa igualdade está longe de ser conseguida: o tráfico de mulheres é uma realidade em muitos países; a excisão de meninas um horror absoluto; os casamentos forçados entre meninas e homens adultos; a negação de acesso de meninas à educação; há países onde as mulheres ainda não podem votar, conduzir ou andar na rua sem autorização dos homens; há países onde as mulheres não têm acesso aos mais elementares cuidados de saúde. Ingloriamente, a lista de desigualdades e violência exercida sobre as mulheres é diversa e extensa. Em Portugal (para falarmos na nossa realidade, apesar de a lei ser mais igualitária), de duas em duas semanas morre uma mulher vítima de violência doméstica, as mulheres não chegam aos cargos de chefia (só uma minoria) apesar de saírem em maior número das universidades, as mulheres ganham menos que os homens para cumprir as mesmíssimas tarefas e também em Portugal a lista de desigualdades é extensa e diversa. Há muito trabalho para fazer e a mudança requer o empenho de mulheres... E de homens feministas!
Se eu tivesse uma varinha de condão para resolver um problema de desigualdade entre géneros, seria claramente o problema da violência doméstica no nosso país. A violência machista exercida sobre as mulheres atinge em Portugal números assustadores. Famílias destroçadas, órfãos de mãe, vidas estilhaçadas. É preciso mudar leis e comportamentos."
Susana Felicidade, Chef
"Enquanto corrente que proclama a igualdade de géneros, a resposta deveria ser não [falar-se de feminismo hoje]. Vivemos num país europeu, com uma Constituição muito clara no que que se refere à igualdade de género, havendo, inclusivamente, proibições no código de trabalho no que respeita a essa desigualdade. Mas a verdade é que estamos a falar sobre feminismo. A pergunta já é um forte indício sobre a necessidade que temos de falar sobre este assunto, quer seja no âmbito familiar quer laboral, em todas as camadas do tecido social, no interior do país e mesmo nas grandes cidades. Portanto, além do ordenamento jurídico, temos de mudar mentalidades e essas, infelizmente, demoram mais tempo e não se mudam por decreto.
Mudaria a mentalidade. Os princípios e os valores que sabemos em teoria existirem e que até proclamamos na lei, mas que ainda não conseguimos interiorizar em pleno e em liberdade. E aqui falo de homens e mulheres. É preciso lembrarmo-nos que nascemos iguais e que essa dignidade faz parte da condição humana. Depois de séculos de aprendizagem e de luta ainda não interiorizámos, na nossa mentalidade, a igualdade e a convivência com dignidade entre os seres humanos."
Valter Hugo Mãe, Escritor
"Enquanto soubermos que as mulheres ganham em média menos do que os homens no desempenho das mesmas funções, e sobretudo enquanto identificarmos a reincidência das novas gerações em comportamentos de objetificação da mulher e progressiva promoção da agressividade do homem (confundindo agressividade com virilidade), o feminismo é urgente. Não quero que as mulheres se imponham aos homens, quero apenas que ninguém se imponha por motivos de género. Quero que o género exista sobretudo na íntima construção de cada um. Não quero que me apontem padrões como balizas únicas e obrigatórias de identidade e desenvolvimento.
Acabaria com a especificação de género nos documentos oficiais. As pessoas deviam nascer numa igualdade bastante que lhes permitisse serem consideradas pelo nome e não pelo género. Isso seria simbólico, mas importantíssimo. O Estado não tem de anunciar o nosso sexo, o empregador não tem de perguntar pelo nosso sexo. O sexo e a sua definição precisam de dizer respeito a um território mais livre que se deixe à genuinidade de cada um."
Vhils (Alexandre Farto), Artista plástico
"Muito já foi conquistado mas sem dúvida que o mundo precisa de feminismo. Séculos de opressão e ignorância não desaparecem numa só geração, precisamos de pedir sempre mais e em várias regiões do planeta é mais urgente que nunca. Mas mais do que feminismo, é preciso lutar pela aceitação e igualdade de género seja ele qual for, esteja ou não definido. Temos de conseguir uma sociedade em que a nossa identidade pessoal, assim como a nossa orientação e afirmação sexual, não sejam motivo de discriminação, seja em que contexto for. Temos ainda muito a aprender e aceitar, e o contributo dos movimentos feministas é essencial e valioso nestas matérias.
[Dever-se-ia] Promover a discriminação positiva em situações em que um dos géneros é penalizado pelas regras sociais, de modo a favorecer a integração e gerar equilíbrio e aceitação."
Testemunhos recolhidos por: Carolina Carvalho e Mafalda Sequeira Braga

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