Amor sem chave na mão
Diz-se que o criminoso volta sempre ao local do crime. Mas aconselha-se quem foi feliz a não regressar ao sítio onde experimentou a felicidade. O que dizer então a quem fracassou no primeiro casamento? Deve repetir a experiência ou mudar de formato?

Porque é que as mulheres divorciadas preferem viver debaixo do seu teto? Diversos estudos e artigos internacionais mostram que homens e mulheres se dividem nesta questão. A maioria dos divorciados tende a arranjar, rapidamente, uma relação e uma grande percentagem deseja voltar a casar-se – no caso dos norte-americanos, por exemplo, esse desejo concretiza-se em quase 80% dos casos –, enquanto as divorciadas preferem alterar a estratégia: aqui o ‘namoro firme mas cada qual no seu canto’ aparece como grande opção. Trata-se de uma solução de compromisso com espaço para amor, sexo e cumplicidade, mas também liberdade e alguma aventura. Sim, viver no mesmo espaço, acordar e adormecer todos os dias com a mesma pessoa e educar filhos que não são seus pode ser muita coisa neste mundo, mas nunca é um mar de rosas. Para quê complicar, então?
Alguns terapeutas veem na resistência feminina a uma nova vida em comum um indício de que a frustração do divórcio tem um peso superior no caso delas. Embora tenham conquistado uma carreira e um papel social independente do masculino (‘mulher de’, ‘filha de’, ‘irmã de’), a verdade é que parece continuar a recair sobre as mulheres a responsabilidade de manter um casamento feliz: sendo a amante fogosa, a mãe perfeita, a amiga impecável, etc., etc., etc.
Não quer dizer que, à segunda volta, elas não estejam disponíveis para cuidar, fazer planos e experimentar novos prazeres – precisam é de mais tempo para arriscar de novo.
O psicólogo Nuno Amado, que tem livros e artigos publicados sobre a complexidade do amor, diz que a vivência de segundos amores dependerá mais dos indivíduos do que de circunstâncias. “Não acho que a necessidade de afeto diminua, na maior parte dos casos. Muitas pessoas, mesmo depois de uma primeira experiência falhada, voltam a ter expectativas em relação à vida de casal e ao casamento. O problema reside precisamente nas expectativas. Apesar de repetentes, muitos casais mantêm-nas demasiado elevadas, esquecendo-se de que agora há um novo elemento, suscetível de grande atrito: ‘os meus, os teus e os nossos… filhos’ que tornam bem mais complexa a relação.
Nuno Amado acredita que “não é bem a necessidade de partilha que muda, mas mais a sua natureza”: “Num primeiro casamento, os laços são mais claros, o espaço comum e individual também. Nos casais reconstruídos, as linhas são difusas. Um padrasto (oficial ou não) não é um pai. Idem com a madrasta. E depois existem as relações, muitas vezes complicadas, com os ex e com a família e amigos dos ex. Em cima disto tudo há um padrão de comparação. Os casais reconstruídos já pertenceram a outros casais, com dinâmicas próprias, aspetos negativos mas também positivos, que inevitavelmente vão ser usados em termos comparativos. Quem se quis divorciar pode não ter a certeza do que quer da vida em casal, mas não terá dúvidas sobre o que não quer.”
Confira as razões que levam tantas mulheres a quererem manter o seu espaço na hora de voltar ao ‘local do crime’.
1. Sexo
O sexo é mais excitante quando não há rotina. Você não chega a casa todos os dias, ao final da tarde, e encontra o seu amado à frente do computador, mas sim no carro, à sua espera, numa esplanada, ou mesmo em casa, sim, mas com outra disponibilidade. Afinal, ambos planearam este encontro, não é mero fruto do hábito. O fim da noite também é diferente para quem vive junto ou apenas namora. Quem acredita que a disponibilidade para fazer sexo é a mesma depois de separar filhos e enteados numa discussão horrorosa ou após um jantar romântico? Pois…
2. Power
Há estudos rigorosos sobre o assunto, mas aqui basta puxar um pouco pela memória para perceber o argumento: como estão a maioria das suas amigas e conhecidas recém-divorciadas? Mais magras, mais bem vestidas, com um aspeto luminoso e uma vontade redobrada de se divertir? Tudo confere. Acha que elas vão querer perder esse novo brilho à primeira oportunidade? Não me parece. Mesmo que se envolvam com um novo parceiro, desta vez vão impor condições e limites. Patrícia, de 38 anos, separada há um ano, diz que vai ser muito difícil deixar-se “agarrar” de novo. “Nunca me senti tão atraente, tão bem-disposta, tão viva. Não digo que não a uma relação, mas Deus me livre de casar e ter outra vez uma sogra terrível como a minha. Quem passou pelo que eu passei (um divórcio litigioso, guerra em tribunal por causa da guarda da filha) quer pensar em tudo menos num compromisso.”
3. Amizade
Qualquer homem que costume sair para jantar repara na sua multiplicação: grupos ou duos de mulheres a jantarem sozinhas, divertidas e atraentes, alheias a jogos de sedução. Sim, elas fazem programas sem outro objetivo que não seja o de se divertirem. E por terem hoje mais companhia – de outras mulheres solteiras ou divorciadas, mas também de amigos (que não querem forçosamente saltar-lhes para cima) –, tendem a ser mais criteriosas na escolha das relações. Podem não se contentar com um chato, egoísta e ciumento só porque precisam de companhia para ir ver o último Woody Allen. Até porque há sempre boas séries na TV…
4. Namoro
Para quem casou cedo ou passou os últimos 15 anos empenhada em educar filhos e construir uma carreira minimamente decente, sobrou pouco tempo para namorar. Um casal com filhos não tem a disponibilidade emocional de dois namorados que dividem as atenções entre si. Se está tão bom assim – jantares românticos, idas ao cinema, fins de semana a dois – para quê dar já esse passo que vai levar a um desgaste maior da relação? Xana, 40 anos, que namora com Diogo há dois e é mãe de três filhos, diz que já discutiram muito por causa disto. Até que…
Ela queria uma relação mais sólida, ele alegava que era cedo demais. Inesperadamente, há três meses, Xana interessou-se por um colega de trabalho e deixou de pressionar tanto Diogo para fazerem tudo juntos. Ele, pressentindo as alterações, aproximou-se mais e chegou a dormir uma semana inteira em casa dela, com os miúdos. Nessa altura, a advogada sentiu-se “sufocada”. E percebeu que não estava mesmo preparada para partilhar tudo, todos os dias. “Já me passou o entusiasmo pelo meu colega. Vendo à distância, acho que isso foi uma fantasia que criei para me sentir mais segura e foi também por falta de segurança que quis ‘prender’ o Diogo. Como se precisasse que alguém ocupasse o lugar do meu ex. Só que a minha vida mudou e isso já não faz sentido…”
5. Mercado
É só fazer as contas: com tantos casais divorciados, existem mais homens e mulheres solteiros. Também existirão mais formatos de relação: namoro, amizade colorida, vida em conjunto só ao fim de semana, férias separadas, etc., etc. Aqui a grande questão é ser sincero com o parceiro e deixar bem claro até onde pode ou quer ir. Esta advertência tem particular relevância em se tratando de pessoas com heranças difíceis da anterior relação. Os sociólogos norte-americanos Frank Furstenberg e Andrew Cherlin, autores do livro Divided Families (Famílias Divididas), explicam que quando o passado está mal resolvido e interfere com o presente, as segundas uniões acabam por ser ainda mais falíveis: 60% terminam em separação, contra pouco mais de 50% dos primeiros casamentos nos EUA.
MAIS >
6. Maturidade
É possível acreditar no Pai Natal até aos 30 anos? É, mas pode ser pouco saudável. Principalmente se for a única crédula. Em princípio, quem passou por um casamento sabe que nem tudo é cor-de-rosa e está mais bem preparado para os atritos. Por outro lado, a escolha de um novo amor aos 30 ou 40 anos tende a ser mais consciente do que aos 20. E o sexo? Bom, aqui a vantagem é ainda maior. A biologia atesta que o pico sexual das mulheres dá-se a partir dos 35 anos. A exuberância física pode ser menor mas a noção do corpo e do prazer aumentam claramente. Aproveite, faça tudo o que nunca pôde fazer, abuse dos encontros escaldantes e das fantasias.
7. Corte
Já não tem de arranjar desculpas se não lhe apetecer ter sexo todos os dias. Pode ver o Game of Trones ou ler o último livro de Philip Roth sem se martirizar com o pobre do homem que não sabe o que é sexo há cinco dias. Também evita mentir, que é sempre feio: “Ai amor, que dor de cabeça, ou de barriga, ou de rins”, whatever… Muitas mulheres queixam-se de que ainda sentem obrigação de corresponder às ‘investidas’ dos seus maridos, encarando a sua falta de vontade como um fator de desestabilização. Com um namorado, tudo se torna menos institucionalizado. Filipa, de 36 anos, vê nesta situação uma vantagem: “Gosto de sexo, mas não preciso dele todos os dias. O meu ex-marido quase o impunha como um dever. Se não acontecia nada durante três dias seguidos, começava a pressionar-me e a amuar. Agora que não sou ‘obrigada’, sinto muito mais desejo sexual. Muitas vezes sou eu que provoco a situação com o meu namorado. E até já nos aconteceu termos conversas picantes ao telefone.”
8. Silêncio
Também já não é obrigada a discutir a relação todos os dias, a toda a hora. O facto de dois adultos estarem juntos e gostarem disso, sem o vínculo de um casamento, implica que se comprometem silenciosamente a fazer tudo para que a relação dê certo, mas sem metade da pressão. Viver na mesma casa implica interagir a toda a hora. Se cada um tiver o seu espaço, há mais momentos de reflexão, as zangas podem ser atenuadas e os encontros de reconciliação são muito mais emocionantes.
9. Fuga
Quando as coisas correm mal, pode sempre ir para casa dormir e resolver o problema no dia seguinte. A solidão e uma noite bem dormida são remédios prodigiosos. Margarida, de 48 anos, garante que aprendeu muito com os seus dois últimos namorados. Impetuosa e ‘desbocada’, a gerente comercial diz que sempre foi do género de querer resolver tudo na mesma hora. “Acho que isso também contribuiu para grande parte dos conflitos que tive com o meu ex-marido. Ele calava-se, eu protestava, depois irritava-me com o facto de ficar a falar sozinha e, quando dei por isso, ele já tinha desligado completamente, fiquei sozinha.” Com Jorge, primeiro, com Duarte a seguir – este ainda seu namorado –, foi obrigada a refrear os ânimos. “O Jorge deixava-me literalmente a falar sozinha. Não era mal-educado, mas punha-me no lugar.” Não funcionou, mas ela aprendeu alguma coisa. “Hoje, com o Duarte, pondero o momento de abordar os problemas, respeito o timing dele. E se for mesmo incapaz de não detonar a bomba, invento um jantar com uma amiga e afasto-me para evitar brigas feias.”
10. Realidade
O seu novo amor não é o príncipe encantado, a família dele tem defeitos e os filhos portam-se mal – como os seus. Ok, os seus foram educados por si e os dele não, mas quanto a isso não há nada a fazer. Por isso, caia na real. Pense que as crianças crescem. E enquanto tem de as aturar, estabeleça regras. Não têm de passar os fins de semana todos juntos, podem fazer férias separados e um dia também eles vão querer estar longe de si.
No fundo, todos são cobaias desta aventura das famílias reconstruídas. “Apesar desta dificuldade acrescida, apesar das confusões, apesar das agendas complicadas destes casais (quem fica com que filhos em que alturas), muitos funcionam e trazem mais satisfação do que relações anteriores”, diz o psicólogo Nuno Amado. E acrescenta que as pessoas têm de lidar “não só com as dificuldades que existem na vida de qualquer casal como com um conjunto específico e complexo de situações cada vez mais frequentes e que, por serem tão recentes, constituem um caminho novo, para o qual ninguém foi preparado”. “É uma geração de pessoas que foram educadas para serem mães e pais, mas a quem ninguém explicou que tipo de relação se tem com os filhos do companheiro ou com o ex-marido da namorada.”
11. Liberdade
Há uma coisa inegavelmente boa em ser divorciado (de uma forma ‘civilizada’): ter um fim de semana inteirinho só para si a cada 15 dias. Nada mau, hem? É nestes dois dias que vai poder namorar à vontade, fazer surpresas ao seu mais que tudo, desligar-se dos compromissos de mãe e voltar a um certo espírito que ficou lá atrás, nos primeiros anos da vida adulta. Para que este tempo a dois seja bem aproveitado, tente não encher a agenda com programas com amigos. Mas também não se isole do mundo. A ideia é aproveitar estes momentos para reforçar a cumplicidade que não se estabelece tão facilmente quando cada um vive na sua casa.
12. Surpresa
Sem filhos em casa, sem horários nem tarefas domésticas, os momentos a dois podem ser aproveitados da melhor maneira. Lúcia, de 35 anos, encara os fins de semana com o namorado, Paulo, 27, como umas férias constantes. E surpreendentes. Como ele vive em Coimbra e ela em Lisboa, um deles desloca-se ao encontro do outro a cada 15 dias. “Acabamos por passar as semanas a fazer planos secretos. E quando nos juntamos é para os concretizar. Podem ser coisas simples ou mais elaboradas: “Tanto podemos levar uma série que o outro não conhece, mas sabemos que vai gostar, e passar um dia a vê-la, de empreitada, como fazer uma caminhada ou ir jantar a um sítio giro e ficar a dormir nas redondezas. Também já me aconteceu receber o Paulo, em casa, às 22 horas e às 24 estar no aeroporto de Lisboa a embarcar para Paris.”
