A sorte também se conquista
Esquecemo-nos, frequentemente, da importância que a sorte tem no sucesso. Boas notícias: é uma competência que se adquire e se desenvolve, como as línguas ou a gestão. Seguem-se as explicações para que se possa alcançá-la. Com sorte, claro…

A dupla origem etimológica da palavra faz-nos imediatamente sorrir. Com efeito, "sorte" vem do latim "cadere", cair (do céu?), e "competere", competir, ter aptidão para (rivalizar?). Passividade ou poder de agir? Esperar ou querer? É uma questão de como se interpretam os acontecimentos. Vejamos o caso de Joëlle, de 34 anos, comercial no sector das aplicações de nova geração. No seu currículo está escrito "criar a minha própria sorte" na primeira linha da secção de Competências, ao mesmo nível que New business sales ou Complex sales management. Quando Joëlle recorda os seus dez anos de carreira, passados entre Londres, Tóquio e Paris, em salas de negociação de empresas informáticas gigantes, sublinha que foram "encontros felizes", "bom timing" e "audácia". Se as portas mais improváveis se abriram, ao longo do seu percurso, foi a sorte que a fez vê-las na altura certa – e ela não hesitou em transpô-las. Em situações onde outros veriam apenas uma série de felizes coincidências, "caídas do céu", ela viu uma determinação resoluta, a capacidade de reparar nas oportunidades e de agarrá-las.
Fazer a sua própria sorte
Philippe Gabilliet, professor de Psicologia Social na ESCP Europe, o qual organiza uma centena de conferências por ano sobre o assunto, repete-o de todas as formas: "A sorte não é fruto do acaso ou do ‘anjo da guarda’. É um estado de espírito, uma forma de refletir e de criar. A sorte não se aguarda: faz-se. É por esta razão que é uma grande competência no mundo profissional." A sua experiência na formação de gestores convenceu-o: "Para se ser bem-sucedido é preciso talento e trabalho… mas também sorte. É uma competência social. Alguns têm mais do que outros, mas pode desenvolver-se." Segundo Gabilliet, este "mecanismo psicossocial" assenta sobre cinco pontos explicados nos seus livros (¹): "Antes de mais, abertura e curiosidade. As pessoas que têm ‘imensa sorte’ são mais abertas do que os outros ao inesperado e ao imprevisto. Isto é daquelas coisas que se pode trabalhar quando não existe naturalmente." Mas é também preciso ter uma intenção clara. "A sorte precisa de um ‘fixante’, acrescenta. Por conseguinte, o segundo segredo é ter um desejo, um projeto, um sonho. E não ter medo de afirmá-lo com convicção. A ‘oportunidade’ é o encontro, num determinado momento, entre esta intenção, mais ou menos consciente, e uma circunstância fortuita." Conseguimos antever o ponto número 3: comunicar e criar ligações. "O sortudo é ele próprio um transmissor de oportunidades", salienta. "A melhor forma de ter sorte é ser uma sorte para os outros, de os interligar, de ajudá-los, para que possam um dia alcançar os seus objetivos. A mecânica da reciprocidade funciona."
Reciclar a má sorte
"To do or not to be: regra número 4, pegar no telefone, enviar um e-mail, ir ao encontro de… Sem passar à ação, as oportunidades permanecem no plano teórico", insiste Philippe Gabilliet. E isso sem temer o fracasso porque o último ponto é a arte da reciclagem: "Os sortudos otimizam os fracassos: são recicladores de má sorte. De um ponto de vista humano é um processo semelhante à compostagem: sabem transformar o lixo em adubo", conclui. Existem ainda formações, organizadas pelos empregadores, para melhorar o "capital de sorte" dos seus empregados. Uma "sorte" para a empresa, seja como for… "A Hewlett-Packard (HP) pediu-me para desenvolver uma formação para os seus empregados", diz a coach Laurence Attias (²), ela própria empregada de longa data da empresa norte-americana, convencida de que a sua reconversão radiosa se deve a uma determinada forma de encarar a sorte. Há já algum tempo que Laurence sentia um vago desejo de deixar o mundo dos números e da informática e dedicar-se ao lado humano quando um programa social inesperado lhe deu a oportunidade de mudar a sua vida. Algumas formações mais tarde (HEC Executive Coaching, programação neurolinguística, processo de comunicação…), foi uma "oportunidade" apanhada do ar que lançou a sua nova carreira. "Através de uma rede de dirigentes de Bolonha, entre os quais conseguira inscrever-me, fui parar a uma conferência sobre o lugar da mulher na empresa, onde participava o CEO da HP. Eu ainda não era muito conhecida como coach e, por isso, aquela era a minha grande oportunidade. No fim da conferência fui à procura dele, pedi-lhe o cartão e, após a troca de alguns e-mails, propus-lhe uma formação específica para mulheres. Nasceu assim um ciclo de formação que atualmente percorre várias empresas!"
Prender a atenção
Na origem foi uma formação "no feminino", com seis meses de duração, e um último módulo, "Criar a sua própria sorte", à laia de final grandioso. O sucesso foi tal dentro da HP que os homens se queixaram da falta de igualdade. Um novo ciclo curto, "E se a sorte se tornasse uma das vossas competências?", foi assim aberto a todos. O objetivo? Acabar com o cliché do "anjo da guarda" para pôr toda a gente a trabalhar, a acordar, pronta a interligar-se. Parte do programa: como sair dos seus próprios caminhos (re)batidos para se abrir à mudança; como criar uma rede; ligar as antenas para captar informações interessantes; aprender a ver o lado bom das coisas; e transformar os seus fracassos numa matéria-prima. Sucedeu-se uma partilha de experiências, de conselhos e de exercícios. Entre os jogos propostos, o "elevator pitch" é um grande catalisador de stress e de reflexão. Trata-se de, em um minuto e meio – o tempo que demora um trajeto de elevador –, apresentar-se a um N + 2 ou um N + 1, pondo-nos em ação. "Bom dia, como está?", prender a atenção do interlocutor, entrar em jogo eventualmente para uma posição vaga, uma promoção, uma reunião… Florence, "sortuda certificada" da formação, responsável pelo departamento de recursos humanos de uma empresa de serviços, explica: "Podermos dizer ‘Isto poderia ser eu’ quando vemos um belíssimo cargo e acreditarmos nisso o suficiente para chegarmos calmos à entrevista, seguros das qualidades que temos – isso funciona. É como aprender a dizer que não quando já basta. Algo que acabo de fazer, porque já não estava a ser coerente comigo própria, porque os meus valores não correspondiam aos da evolução do cargo. Encontrei-os noutra empresa que me vai nutrir intelectualmente de forma diferente. Aquele trabalho era para mim e eu não ia deixá-lo passar. Criarmos a nossa sorte. É mesmo isto."
Uma mais-valia no CV
Compreendemos que isto possa ser uma mais-valia num curriculum vitae. "Não é tanto a sorte que é uma competência para um candidato, mas saber transmiti-la e descodificá-la", sublinha Hubert L’Hoste, diretor-geral da empresa de recrutamento Mercuri Urval. Pelo menos 60% dos quadros não exercem um cargo relacionado com a sua área de estudos. Como descrevem eles a sua epopeia profissional? Interessante. E a que atribuem as mudanças de carreira? Há quem diga que já tinha aprendido tudo… Aqueles que, pelo contrário, afirmam "ter tido sorte" e ter sabido "agarrar as oportunidades" revelam que essa sua faculdade está sempre presente no plano de fundo da sua própria história, bem como a abertura de espírito e um nível saudável de modéstia. Devemos ter um mínimo de clareza quando pretendemos dirigir os outros. Um chefe também deve poder dizer de que forma ele é "uma sorte" para a sua equipa, "alguém que lhes permite progredir". Hubert L’Hoste chama-lhe "ser uma janela na vida dos outros". Um verdadeiro programa.
(¹)Autor de Éloge de la chance e de L’Art de changer de vie en 5 leçons (Éditions Saint-Simon).
(²) Fundadora da agência de coaching All Positive.
Florence Lautrédou, psicanalista e coach*
"Aquilo que trabalhamos é a flexibilidade do espírito"
Como pode a sorte ser uma qualidade profissional?
Porque é um fenómeno virtuoso e contagioso. Para nós próprios, para começar: quanto mais a temos, mais a temos, porque quando a sentimos melhoramos as nossas condições para favorecê-la. E para as outras pessoas: a sorte tem tendência para ler o lado feliz dos acontecimentos, tornando o mundo à sua volta mais otimista e dinâmico.
A sorte cai do céu?
Não, a sorte trabalha-se. Mas o mais importante é não dizer "Não tenho sorte alguma" nos momentos difíceis. O inconsciente é inteligente: instala-nos o programa no qual nos fixámos.
Qual a nossa margem de manobra?
Para começar, podemos desenvolver a nossa atenção, abrir os olhos para ver as peças invisíveis, os microssinais que mostram que o vento está prestes a virar ou quando é altura de partir. Isto também se trabalha: é a flexibilidade da mente. O sortudo é adaptável e "oportunista", uma bonita, mas mal interpretada palavra, que na verdade significa capacidade de agarrar as oportunidades, a vivacidade, a reatividade. Por vezes, procuramos um emprego, um negócio, um tipo de clientes e a resposta da vida vem de outra direção: temos de ser capazes de descobri-la. A vida prevê-nos um futuro mais grandioso do que nós próprios previmos.
*Fundadora da empresa FHL Consultants, criadora de The Eye Opening Projecte autora de Cet élan qui change nos vies, l’inspiration (Odile Jacob, 2014).
Exclusivo Madame Figaro. Tradução: Erica Cunha e Alves
