A Dr.ª Internet: a informação tem os seus riscos
Sintomas de doenças, resultados de exames, autodiagnósticos, opções de tratamento, estratégias de prevenção, fóruns de doentes. A Internet revolucionou o mundo da informação em saúde e mudou a relação médico/doente. Mas também tem os seus riscos.

Disponível sete dias por semana, 24 horas por dia e à distância de um click. A Dr.ª Internet está sempre pronta a tirar dúvidas e a esclarecer os sinais e os sintomas das mais diversas doenças, a informar sobre os tratamentos disponíveis e os possíveis efeitos secundários. Das maleitas mais simples até às situações mais complexas e graves, aparentemente na web há respostas para todas as questões.
É crescente o número de pessoas que procura informação sobre saúde na Internet. Umas fazem-no simplesmente para se esclarecer e ter mais conhecimento, outras procuram informação que as ajude a decidir se devem ou não consultar um profissional de saúde e ainda há quem procure averiguar situações específicas, nomeadamente documentar-se sobre doenças graves ou crónicas e respetivos tratamentos.
- - 60% dos europeus utilizam a Internet para procurar informações sobre saúde.
- - 75% pensam que a Internet é uma boa fonte de informação em saúde.
- - 90% consideram que a Internet ajuda a melhorar os conhecimentos sobre temas relacionados com a saúde.
- - Entre os 10% de insatisfeitos, metade considerou a informação pouco fiável, comercial ou pouco esclarecedora.
- - Depois de pesquisarem online, metade dos europeus fala do assunto com amigos ou familiares e cerca de 40% procuram uma consulta médica.
- - Entre os que não utilizam a Internet para obter informações de saúde, a maioria diz que se informa com o seu médico, mas, entre eles, um terço não tem acesso à Internet.
- - A maioria dos europeus procura temas e tópicos relacionados com estilos de vida, sobretudo nutrição, atividade física e tabagismo.
Fonte: Eurobarómetro, novembro de 2014
Manuela Cruz, 45 anos, professora, é uma delas. Confrontada com um nódulo suspeito na mama, chegou a casa, dirigiu-se ao computador e escreveu "cancro da mama". Entrou no primeiro site que lhe surgiu: "Era de um laboratório farmacêutico. Vim a saber mais tarde que comercializava medicamentos específicos para um determinado tipo de cancro da mama. Mudei para o da Liga Portuguesa Contra o Cancro, entrei num separador que falava do rastreio, mas eu só me lembro de ler sobre a frequência e a mortalidade. De repente dei-me conta que havia centenas de sites e blogues com informação sobre o tema e não sabia qual devia consultar. Fiquei ainda mais angustiada."
Centenas não, milhares. Se entramos no Google e pesquisarmos "cancro da mama", passados 0,23 segundos temos disponíveis 511 mil resultados. Se fizermos a pesquisa em inglês – "breast cancer" – em 0,29 segundos o motor de busca apresenta-nos 104 milhões de referências, mas desta vez com a breastcancer.org (uma ONG de apoio à mulher com cancro da mama) e o National Cancer Institute (o organismo público norte-americano que se dedica à investigação e formação, mas também à divulgação de informação em saúde) em primeiro lugar.
Precisamente por causa da Internet, António Vaz Carneiro, professor na Faculdade de Medicina de Lisboa e médico especialista em medicina interna, é todos os dias confrontado com pacientes mais informados e esclarecidos e com outros muito confundidos: "Em relação à Internet, é bom que as pessoas tenham a noção de que a maioria da informação de saúde livremente disponível é de muito má qualidade. A maior parte ou não tem validade científica ou é comercial, por isso as pessoas, doentes ou não, devem ter muito cuidado a pesquisar. Nunca o devem fazer às cegas."
- - 59% dos portugueses pesquisam informações sobre saúde na Internet; 10% fazem-no uma vez por semana e 9% várias vezes ao mês.
- - 58% procuram informações gerais sobre alimentação, dietas, exercício físico e gravidez.
- - 52% buscam informações específicas sobre uma determinada doença ou condição física, por exemplo, dores de estômago, fraturas ou cancro.
- - 26% pesquisam informações específicas sobre tratamentos médicos ou cirúrgicos.
- - 22% procuram saber onde e como obter uma segunda opinião médica através da Internet.
- - 92% consideram útil a informação obtida, 85% dizem que é fácil de obter e 72% acharam relevante o que pesquisaram.
- - 34% avaliam a Internet como uma ferramenta muito útil para a obtenção de informação de saúde e 43% dizem que é apenas útil.
Por outro lado, adianta o professor de medicina, uma coisa é buscar informação generalista, outra é tentar fazer autodiagnósticos: "Nunca é boa ideia. A interpretação dos sinais e sintomas das doenças é algo extremamente complexo, exige um conjunto de informações que só o médico sabe obter através da história do próprio doente. Outro dos perigos é a automedicação e a aquisição de medicamentos de contrafação."
Para obter informações seguras, António Vaz Carneiro recomenda a busca de informação em sites de universidades (americanas, inglesas mas também francesas e alemãs), em sociedades médicas, junto de organismos oficiais e de associações de doentes. Estas, reconhece o especialista, têm tido um papel muito importante sobretudo na informação e no suporte que oferecem às pessoas que vivem com doenças graves e crónicas e aos seus cuidadores, como sucede com os grupos de apoio nas doenças neurodegenerativas, raras, autismo, entre outras.
O que também mudou com a Internet foi a relação médico/doente. Ou imagina que era possível, num passado recente, discutir diagnósticos, opções de tratamento e segundas opiniões com o seu médico assistente? "Os doentes são mais informados e participativos e é isso que se quer, pois devem ser sempre parte ativa no processo de decisão. E os médicos de hoje têm de ser capazes de, às 10h00, lidar com o doente que traz 15 páginas com artigos que pesquisou na Internet, com anotações e perguntas muito específicas, inclusive sobre medicamentos; às 10h15 com um que não faz a mais pequena ideia do que tem, que não quer saber e diz que o médico é que sabe o que fazer; e 15 minutos depois com um outro que começa por dizer: ‘Dr., penso que estou com uma doença grave. Li na Internet e os sintomas que tenho condizem em tudo.’ Na maior parte das vezes não correspondem nada, mas o médico também está ali para esclarecer", adianta António Vaz Carneiro. E deve fazê-lo, acrescentamos nós. Sob pena de o doente sair do gabinete médico para voltar a consultar a Dr.ª Internet.
