Sarah Mullally é a 106.ª Arcebispa de Cantuária. Ditam as regras do português que “arcebispo” não tem feminino, mas contornemo-las. Afinal, seria estranho dizer que Sarah é o novo arcebispo. De qualquer forma, a gramática portuguesa não tem pressa em acompanhar este admirável mundo novo, uma vez que na Igreja Católica não há bispas, nem arcebispas, nem sequer sacerdotisas ou diaconisas (resista à vontade de dizer “diáconas”, não só porque está errado, mas também porque soa vagamente impróprio). Felizmente, não é esse o caso na Igreja Anglicana. Em 1986, o Sínodo Geral decretou que as mulheres podiam ser ordenadas diaconisas; em 1992, votou a favor da ordenação de mulheres como sacerdotisas; e, em 2014, decidiu que as mulheres podiam passar a ser nomeadas bispas. Falamos da Igreja Anglicana do Reino Unido, uma vez que nos Estados Unidos o movimento começou mais cedo.
Mullally tem 63 anos, é casada com Eamonn Mullally e têm dois filhos. O celibato obrigatório, que é regra na Igreja Católica, não foi herdado pela tradição anglicana. Sarah foi enfermeira no NHS (o Serviço Nacional de Saúde britânico), carreira que durou quase 20 anos e onde, curiosamente, também ascendeu ao lugar de topo, tendo sido nomeada Chief Nursing Officer for England, em 1999 – a mais alta posição de enfermagem no NHS.
A sua experiência em saúde e obstetrícia é, muito possivelmente, a razão pela qual Sarah Mullally se identifica como pró-escolha no que toca ao aborto. Uma opinião que tende a ser rara dentro da igreja (seja ela qual for). Sobre esta matéria, e de acordo com o jornal britânico The Guardian, a agora Arcebispa de Cantuária disse o seguinte: “Suspeito que descreveria a minha abordagem a esta questão como pró-escolha em vez de pró-vida, embora, se fosse um contínuo, eu estaria algures nesse espectro, movendo-me para o lado pró-vida quando se trata das minhas próprias escolhas, mas defendendo a possibilidade de escolha quando se trata dos outros.”
Recebeu o título de Dame Commander of the British Empire, em 2005, em reconhecimento pelo seu contributo para a enfermagem e a obstetrícia, isto, numa altura em que já havia sido ordenada sacerdotisa. Natural de Woking, em Surrey, Inglaterra, formou-se para o ministério ordenado entre 1998 e 2001 – foi neste ano que se tornou sacerdotisa –, estudou teologia na Universidade de Kent e deixou o cargo de enfermeira em 2004 para servir como coadjutora (assistant curate) em Battersea, no sul de Londres.
Foi pároca responsável (team rector) na igreja de Saint Nicholas em Sutton, Londres, depois tesoureira do cabido da Catedral de Salisbury, antes de ser nomeada bispa de Londres, em 2018 – o terceiro cargo episcopal mais importante da Igreja de Inglaterra, depois de Cantuária e York. Tem assento na Câmara dos Lordes.
Acaba de lhe ser atribuído o papel mais elevado da Igreja de Inglaterra (sem contar o Chefe da Igreja, o rei Carlos III), assumindo a posição de líder espiritual da Igreja Anglicana mundial, que reúne cerca de 85 milhões de crentes espalhados por mais de 165 países.