"O que é amar?", questionou William Shakespeare no século XVI. A poetisa portuguesa Florbela Espanca (Vila Viçosa, 1894 ? Matosinhos, 1930) acreditou que amar, assim, perdidamente seria possível quando alguém tivesse sido "alma, e sangue e vida" de si própria. Mas o poeta britânico, por sua vez, tentou encontrar várias respostas à questão por si proposta e acima citada. Considerou que era "muito melhor viver sem felicidade do que sem amor", que o amor confortava "como o sol depois da chuva" e ainda que o verdadeiro nome do amor seria "cativeiro". De um ponto de vista menos romântico, como é, por norma, o olho de um poeta, deparamo-nos com a opinião do francês Jacques Lacan. Grande amante e pessimista ainda maior, aquele psicanalista acreditava que "o amor era, também, uma forma de suicídio". Mais recentemente, uma frase de autoria anónima e que percorreu a Internet explanava que o ato de alguém se apaixonar seria "como dar a outro uma arma carregada apontada para o seu coração e confiar nele o suficiente para que não puxasse o gatilho".
Poderíamos encher as páginas deste número com dizeres, citações, frases e dissertações acerca do que é o amor e, mesmo assim, não iríamos conseguir chegar a alguma conclusão. O que podemos entender, isso sim, é o que significa ser-se viciado no amor. O que é amar o amor e fazer dessa obsessão um modo de vida e, também, uma forma de autodestruição, que é aquilo que por norma faz a adição. Identificar o amor como uma adição nunca se avizinhou fácil: não sendo palpável, torna-se difícil identificá-la. O amor não se bebe, o amor não se injeta, o amor não se snifa, o amor não se fuma. O amor nem sequer é físico, como é o caso do sexo, que, por sinal, representa uma forma de adição paralela ao amor (mas lá chegaremos). Porém, o amor pode ser aditivo. Pior ainda. O amor romântico revelou ser, tal como dissertou a antropóloga Helen Fisher, "uma das substâncias mais aditivas do mundo, uma adição maravilhosa quando tudo corre bem. Uma adição pavorosa quando tudo corre mal".
O filósofo e economista britânico Adam Smith (1723-1790) dizia que, por natureza, somos todos "adictos ao amor". Que todos precisamos de "apego para sobreviver" e que, instintivamente, "todos procuramos uma conexão especialmente romântica". E conclui que, apesar de tudo, "não há nada de disfuncional em se querer amor". Não há, até passar a haver. Confirma-se cientificamente que os vícios de processo, como é o caso do amor, afetam o mesmo sistema de recompensa cerebral que os vícios químicos e que, com efeito, podem ser igualmente debilitantes. Adam Smith estava certo quando dizia que, por natureza, todos somos viciados no amor, que o queremos, que o procuramos e que temos dificuldade em não pensar nisso. Num artigo publicado no site Pro-Talk, em 2015, Robert Weiss explicou o quão importante seria entender-se que os viciados no amor não eram viciados em amor, mas sim em limerência. Este termo refere-se a todos os sintomas associados à obsessão pelo amor. A palavra limerência foi introduzida pela psicóloga norte-americana, Dorothy Tennov, no seu livro Amor e Limerência: A Experiência de Estar Apaixonado (1979). As teses defendidas pela autora basearam-se em centenas de entrevistas efetuadas ao longo dos anos. Entre as principais características que definem a limerência, destacam-se as seguintes: este não é um estado mental voluntário, já que a atração pelo outro não é uma ação deliberada; na linguagem popular esta denominação não é utilizada, mas sim substituída por outras expressões equivalentes, tais como estar "loucamente apaixonado" ou estar "cego de amor"; no estado de limerência, a pessoa amada torna-se o eixo central do apaixonado e qualquer outro sentimento ou preocupação passa para segundo plano; na ordem psicológica, há uma série de sintomas que se revelam, entre eles a falta de apetite, as ideias obsessivas acerca do ser amado e um desejo incontrolável de satisfazer as suas necessidades, e ainda o medo de uma possível rejeição; a pessoa que se encontra loucamente apaixonada vive num mundo próprio de fantasia, as famosas "borboletas no estômago", entre outros tipos de metáforas que surgem para descrever este estado de confusão. À medida do que se passa com a adição a uma substância química, também do ponto de vista cerebral a limerência apresenta alterações significativas: a dopamina, a feniletilamina, a serotonina e a norepinefrina são os neurotransmissores que se alteram durante a fase da paixão. A ativação destas substâncias permite explicar os tremores, os suores e o nervosismo da pessoa apaixonada. O que se passa com os viciados no amor é que, em vez de quererem ficar com alguém, permitindo que se desenvolvam laços emocionais de longo prazo, estes tentam perpetuar a excitação neuroquímica do romance inicial. Em suma, a sua "droga" é a pressa que sentem sempre que encontram alguém novo que possa ser "o tal" ou "a tal". Então, usam essa "droga" da mesma maneira e pelas mesmas razões por que bebem os alcoólicos ou pelas quais os adictos usam substâncias químicas. O objetivo final? Preencher vazios, escapar a outras formas de desconforto emocional ou físico, e ainda (que é, também, a razão mais usual) encontrar, nessas estranhas formas de amar, o amor e o afeto que não receberam ao longo da infância.
Confundir sexo com amor
Might as Well Face It ? You’re Addicted to Love. Em 1985, Robert Palmer cantava este refrão da canção Addicted to Love que, de acordo com alguns sintomas, também eles cantados, o mais provável era que o sujeito da sua canção fosse viciado no amor. Mais tarde, Tina Turner fez o mesmo, e depois Florence + The Machine, entre tantos outros. Há muito que o tema do amor louco dá asas à imaginação dos demais artistas. Porém, quando se trata da vida real, pouco ou nada se compreende acerca das consequências catastróficas da adição ao amor.
"Eu usei muitas drogas, mas o amor foi a única droga que, realmente, deu cabo de mim e da minha vida." Quem o afirma é o João que aparenta ter uma idade compreendida entre os 40 e os 45 anos e que é um Sex & Love Addict. É assim que ele se apresenta na reunião da irmandade que, a par do que acontece com os Narcóticos Anónimos ou com os Alcoólicos Anónimos, se rege pelos princípios dos 12 passos. Além do João, estavam presentes mais seis homens e nenhuma mulher. As suas vozes não tremem quando proferem as palavras "Eu sou o João", "Eu sou o Pedro", "Eu sou o Tiago" e concluem: "E sou um sex addict." Os nomes são aleatórios, já que o anonimato é a regra base destas irmandades. A segunda regra para se participar neste programa é aceitar que se tem um problema. Depois, assumir que se é impotente perante o tal problema. Eu cheguei mais cedo à reunião, onde aproveito para colocar algumas questões ao responsável por conduzir o encontro naquele dia específico. Enquanto faz o chá - há sempre chá e bolachas nas reuniões dos 12 passos - explica-me que, por ali, a maioria dos participantes é viciada em sexo. Confirmei isso meia hora depois e que talvez por essa razão a presença fosse 100 por cento masculina. Amor ou sexo, a dor é a mesma: culpabilidade, frustração, raiva e todo o peso que um vício carrega. Cada um faz a sua partilha que serve para isso mesmo: ser ouvido e nunca ser julgado ou criticado. Naquele dia, o João sente-se frustrado. Diz que "recaiu". Tem uma namorada que adora, há cinco anos, e apesar de ter melhorado bastante, confessa que ainda lhe é difícil resistir ao jogo da sedução. À necessidade de ser validado por outras mulheres. À vontade de ser amado por outras mulheres. Ao reconhecimento constante. Ao flirt. Tal como acontece com as drogas químicas, continua a ser-lhe difícil resistir ao escape que faz o vício. O Pedro, por sua vez, apresenta-se como um "recovering sex and love addict": "[Na época] eu sentia-me uma merda, constantemente. E já não conseguia mais viver assim." Na sua partilha, conta como era completamente viciado em sentir "coisas" com mulheres: "Eu amava as mulheres. Todas. Vivi com 10 [mulheres]… [Faz uma pausa e tenta fazer as contas à sua vida]. Já não sei com quantas mulheres vivi, mas a questão é que, mesmo vivendo com uma, e amando essa mulher, eu não conseguia parar de querer amar outras. Então, era apanhado e largado, e o jogo recomeçava." Há uma frase de um autor desconhecido - várias vezes atribuída a Shakespeare, mas não fundamentada - que ilustra o seguinte: "Se amar e se se magoar, ame mais; se amar mais e se se magoar mais, ame ainda mais; se amar ainda mais e se se magoar ainda mais, ame um pouco mais e até que não doa mais." Naquela reunião, o amor não era o tema mais falado, sendo a adição ao sexo o tópico predominante ? bem como a tal mágoa associada. Embora os viciados no amor e no sexo possam agir da mesma maneira, fazendo muito sexo com pessoas diferentes, as suas intenções diferem. Os viciados no amor irão usar o sexo para atrair ou manter uma pessoa por quem estão apaixonados. O interesse deles é, principalmente, escapar da realidade através de atividades e de fantasias românticas. Os viciados em sexo, por sua vez, usam o romance para levar um parceiro a fazer sexo. O seu foco é escapar da realidade, porém, envolvendo-se em fantasias e atividades sexuais. De acordo com Robert Weiss, fundador do Instituto de Recuperação Sexual, em Los Angeles, os principais sintomas de um adicto ao sexo são: uma preocupação contínua (seis meses ou mais) por fantasias românticas e por novos relacionamentos; a incapacidade de exercer controlo sobre fantasias românticas e novos relacionamentos; as consequências negativas, direta ou indiretamente relacionadas com as fantasias românticas fora de controlo; e relacionamentos sexuais em série. No que respeita ao vício do amor, as coisas vão um pouco mais longe. Um adicto ao amor confunde intensidade sexual ou romântica por amor e por intimidade genuína e duradoura; sente-se desesperado e sozinho quando não está num relacionamento; procura um novo relacionamento enquanto ainda está num; luta, constantemente, para manter a intensidade sexual e romântica de um relacionamento existente; confia na intensidade romântica como uma forma de escapar ao stress ou a outro tipo de desconforto emocional.
Quem ama o amor?
Os viciados no amor podem ser homens ou mulheres. No entanto, as mulheres tendem a ser mais propensas a "amar o amor". Tal deve-se, em parte, ao facto de as mulheres estarem mais orientadas para a questão do relacionamento. Muitas mulheres colocam os seus relacionamentos acima de tudo nas suas vidas e, em alguns casos, chegam a basear neles o seu sentido de identidade. É comum que os viciados no amor sofram de uma noção subdesenvolvida do "eu". Sentem-se incompletos e necessitam de um parceiro significativo que os faça sentir-se bem consigo mesmos, atribuindo um valor invulgarmente elevado ao romance. O mais provável é que alguém viciado no amor tenha um histórico de trauma, de negligência ou de abandono ocorrido durante a infância. Na maior parte das vezes, essas pessoas não receberam muita atenção, carinho ou amor enquanto cresceram. Como resultado, sentem um medo profundo da rejeição.
Tiago (nome fictício) é um estreante nas reuniões dos Sex & Love Addicts. É o membro mais novo, também no que respeita à idade. Já frequenta outra irmandade - a dos Narcóticos Anónimos - e acredita que também pode ser viciado no amor e em sexo. É filho de pai e de mãe com nacionalidades diferentes, mas foi criado por um avô, em Portugal: "A minha codependência tem muito a ver com o facto de eu ter crescido sem uma mãe por perto. Então, passei a minha vida toda à procura de amor noutras mulheres, em relações, em sexo e até em prostitutas", partilha, sem constrangimentos. O que se passa, adiantam os psicólogos, é que sem um modelo apropriado do que é o amor saudável ao longo dos anos de formação de uma criança, estes passam a não ter uma ideia de como desenvolver relacionamentos amorosos na idade adulta. Importa ressaltar que o vício em amor não se refere apenas a relacionamentos românticos ou sexuais. É possível que uma pessoa se relacione enquanto viciada no amor com os amigos, os filhos, um guru, uma figura religiosa ou mesmo uma estrela de cinema. Estes viciados são motivados pela baixa autoestima, pelo medo do abandono e por necessidades emocionais profundas e não atendidas. Acreditam que o novo objeto de amor lhes pode tirar toda a sua dor e que pode fazê-los sentir-se inteiros, felizes e amados incondicionalmente. Mas ninguém pode fornecer tudo isso ou atender a demandas tão excessivas. As suas expectativas tornam-se irrealistas e, como é de se esperar, os seus relacionamentos terminam sempre em deceção. O mais difícil, como em qualquer tipo de adição, é conseguir controlar esses ímpetos. Algo que pode ser maneável aderindo à máxima pela qual se rege a vida de um adicto em recuperação: levar um dia de cada vez. No final da reunião de Sex & Love Addicts, o mais recente membro seguiu-me até à saída, onde me parou e me pediu para trocarmos números de telefone. Eu limitei-me a sorrir enquanto lhe desejei toda a força do mundo naquele início de caminhada para a sua recuperação. É que, às vezes, não basta um dia e tem mesmo de ser um segundo de cada vez. Vou acabar este texto como terminou Helen Fisher, a especialista em amor romântico, a sua Ted Talk acerca deste vício: "O amor está em nós. Está profundamente implantado no cérebro. O nosso desafio é entendermo-nos uns aos outros.
Para familiares
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