"Desde pequena, sempre tive muitas inseguranças com o meu corpo. Lembro-me de ir para os campos de férias quando era mais nova e era sempre um stress para mim estar de biquíni, porque sabia que, assim que mostrasse a minha barriga, os olhos das pessoas iriam diretamente para aquela direção. Era apenas uma miúda de dez anos e já tinha um complexo tão grande com o corpo porque, além dos olhares dos miúdos, lembro-me também dos olhares das pessoas mais velhas. Hoje, com 26 anos, lembro-me de que sentia quase como se essas pessoas tivessem um balão de pensamento a pairar sobre elas a dizer ‘coitadinha, tão nova e já com uma cicatriz daquelas’.
Quando somos novos tudo parece o fim do mundo e, à medida que nos tornamos mais velhos, percebemos que há coisas que não têm assim tanta importância. Hoje, há vezes que nem me lembro que tenho uma cicatriz. Mas foi um processo pelo qual tive de passar para ganhar essa confiança. Acordar e pensar que a pessoa mais importante para mim sou eu, que tenho de cuidar de mim em primeiro lugar, que para estar bem com os outros tenho de estar bem comigo primeiro – este é o exercício mental que tento fazer todos os dias. A nossa imagem melhora muito (tanto para nós, como para os outros) a partir do momento em que somos melhores pessoas, mais compreensivas, simpáticas, educadas, justas e prontas para ajudar o próximo.
Já há algum tempo que andava a fazer um processo de aceitação da minha cicatriz, mas mostrá-la em televisão nacional [no concurso Cabelo Pantene - O sonho 3] foi muito importante. Foi aí que ganhei a total confiança, porque já ninguém podia olhar para mim com aquele ar de pena ou de curiosidade. Contei a minha história e expus a minha cicatriz e ainda bem que o fiz – e, quando digo a minha cicatriz, a mesma coisa acontece com o meu corpo e as minhas curvas. Não só me ajudou, como também deu força a muita gente que está a passar pelo mesmo. As mensagens que recebi deixaram-me realmente feliz, porque, nesse momento, a existência da minha cicatriz ganhou um propósito. Se na altura que a Asize tinha dez anos aparecesse uma rapariga com uma cicatriz daquelas em plena televisão nacional, acredito que aquela Asize iria ganhar muito mais confiança. Por isso, fiquei muito feliz por ter conseguido, pelo menos, dar um bocadinho de confiança a quem não tinha. Esse foi o meu momento de full circle.
Ser modelo sempre foi um sonho. Lembro-me de ser nova e o meu programa preferido era o America’s Next Top Model, que via depois da escola. Adorava ver com as minhas amigas e pensar ‘um dia vou fazer uma publicidade ou uma campanha fotográfica para uma grande marca’. Adoro o fator criatividade, a ligação que existe entre modelo e a câmara. Aquela sensação de olhar para uma publicidade ou fotografia e criar um sentimento em nós. À frente de uma câmara nunca fico inibida! Só se durante um trabalho ouvir um comentário menos positivo relativamente à minha aparência, mas, neste mundo da Moda, o melhor é mesmo ignorar e sermos os nossos próprios fãs. Porque ninguém nos vai dar valor como nós nos damos.
No que diz respeito a corpos diferentes, a indústria da Moda em Portugal ainda tem muito que evoluir. Sim, podemos ver corpos mais diversificados em certas campanhas, mas, se repararmos bem, nunca saem muito fora da caixa da perfeição. O que é que eu quero dizer com isto? Okay, é um corpo que tem as suas curvas, mas são aquelas curvas minimamente ‘aceitáveis’ pela indústria, curvas que continuam bonitas para toda a gente e não chocam ninguém. Diferente, mas não demasiado – senão não vende. Estamos na direção certa, mas ainda há um longo caminho até chegarmos a uma indústria que aceita qualquer tipo de corpo."
Texto originalmente publicado na revista anual da Máxima, de novembro de 2024.