"Nunca achei que não quisesse ser mãe, mas não era algo que ansiava. À medida que a minha vida e a minha relação se foram estabilizando, fui sentindo que estava "orientada" e foi crescendo em mim a sensação de que havia qualquer coisa que me faltava. A minha relação com o meu corpo foi uma das coisas que me fizeram atrasar a decisão de ser mãe. Sempre foi uma relação tremida e questiono-me, muitas vezes, se não o será para sempre. Toda a vida achei que podia (devia) ser mais magra, mais bonita, mais cuidada. Não tinha propriamente medo de estar grávida, nem do parto, mas do que restaria do meu corpo depois disso. Tinha medo de ficar deformada e de nunca mais recuperar.
Quando descobri que estava grávida, senti uma alegria enorme, uma sensação de empoderamento e de gratidão gigante relativamente ao meu corpo. Foi muito rápido e senti-me muito agradecida por ter acontecido assim. Conheço-me e, quando decido algo, quero que aconteça logo. O facto de isso me ter sido proporcionado, fez-me sentir especial – não no sentido de ser melhor do que alguém, mas precisamente pelo privilégio implícito e inegável. Foi a este sentimento que, muitas vezes, me tentei agarrar ao longo da gravidez. Mas nem sempre consegui. Não tive uma gravidez difícil, não estive em nenhuma situação de risco, e tudo correu sem complicações. Mas aquilo que mais temia aconteceu: fraquejei, desisti de mim e engordei 25 kg. Senti-me uma fraude, numa grande parte da minha gravidez e, a partir dos seis meses, foi muito difícil calar as vozes da minha cabeça. Sentia-me constantemente ansiosa por que acabasse e não consegui dar-me o valor que hoje acho que merecia. Senti-me num corpo que não podia ser meu, que era urgente que terminasse para que eu pudesse recuperar tudo o que tinha antes. Senti-me a viver uma vida paralela, um período de total desconexão comigo, para dar apenas espaço à gestação. Senti-me ingrata muitas vezes, porque nos dizem que nada disto importa quando estamos a gerar uma vida. Mas a mim importava. Vestir-me voltou a ser um momento de crise e, por isso, na fase final, optava sempre por ficar em casa. Assim não tinha de encarar o espelho e podia ignorar a minha aparência.
Durante toda a gravidez senti que as pessoas tinham a necessidade de comentar a minha aparência. Passávamos do "olá" para um "estás X ou Y" em segundos, e era-me dito constantemente que estava muito bem, que não estava assim tão mal, para grávida. Sinto que oscilamos entre a necessidade constante de comentar a aparência da mulher grávida vs. uma certa pregnancy blindness que forçosamente passa a ideia de que a gravidez é o estado mais bonito de uma mulher. Esta romantização daquilo que, para mim, entre outras coisas, é um estado de muito desconforto físico e mental irritava-me e irrita-me. Durante a gravidez senti-me muitas vezes chateada e evitava ver outras grávidas, porque a tendência imediata é a comparação.
Agarrei precisamente no imenso amor que senti (e sinto) pelo meu bebé para não alimentar a tristeza que, tantas vezes, senti em relação ao meu corpo. Para mim, estar grávida foi um sacrifício – mas um sacrifício que fiz e que voltaria a fazer sem pestanejar, pela imensa alegria que é ter o meu filho. Passou um ano desde que ele nasceu. Hoje, sei que o tempo passa demasiado depressa e não quero desperdiçá-lo com pensamentos sobre o que podia ou devia ser. A minha cabeça ainda foge para lá, mas ganhei mecanismos para lidar com isso. Percebi que aquele peso todo já quase desapareceu, fruto do meu suor (literalmente) e força de vontade, mas também percebi que o facto de ele não ter desaparecido todo se deve a eu ter um filho que precisa de mim, mesmo que eu esteja a vestir um número a mais nas calças. Ele ama-me, esteja eu descabelada ou com a t-shirt do avesso. Ele ama-me, mesmo que eu não seja capaz de treinar hoje. Ele ama-me, mesmo que eu coma aquele pastel de nata. A minha relação com o meu corpo pode nem nunca vir a ser verdadeiramente saudável, mas escolho que essa não seja a relação que me rouba toda a minha energia. Eu preciso dessa energia para algo muito mais importante: viver totalmente o meu filho."
Texto originalmente publicado na revista anual da Máxima, de novembro de 2024.