Guia para um divórcio feliz

Na altura em que o ‘até que a morte nos separe’ dá lugar ao ‘enquanto o amor durar’, nasce uma nova forma de separação. Aqui, o ex passa de amante a amigo, aliado numa relação que se recicla e reinventa.

Brad Pitt e Jennifer Aniston
04 de agosto de 2020 às 07:00 Carla Mendes

Conheceram-se, trocaram juras de amor eterno, casaram. Mas não viveram felizes para sempre. Em Portugal, de acordo com os dados do Pordata, 70 em cada cem casamentos terminaram em divórcio em 2013. E exemplos não faltam de relações em que o sim no altar dá lugar a verdadeiras batalhas, troca de acusações, guerras feias que tornam aquele que se quis parceiro de uma vida em adversário. Mas quem é que disse que divórcio tem de ser sinónimo de separação? O dicionário até pode defini-lo assim, mas a atriz Gwyneth Paltrow, divorciada de Chris Martin, vocalista dos Coldplay, após dez anos de união, é o exemplo de que pode ser de outra maneira. E com um novo nome: ‘conscious uncoupling’, como lhe chamam os norte-americanos, que já o tornaram moda. Para a atriz, é apenas uma nova forma de manter a família. "O Chris é muito bem-vindo. E vice-versa: eu durmo muitas vezes na casa dele com os nossos filhos. Passamos fins de semana juntos, férias, ainda somos uma família, apesar de não termos uma relação romântica", explicou à revista Glamour.

Ainda que sem tradução à letra, o ‘conscious uncoupling’, ou ‘separação consciente’, também existe entre nós. Nuno Markl e Ana Galvão são um dos exemplos. Depois de oito anos de união, o casal anunciou mais do que a sua separação. "Sentimos que a nossa relação era preciosa demais para ser sepultada nas infelizmente habituais muralhas de não-comunicação em que tantos casamentos descambam", referem em comunicado, que dá conta do "final de uma história de duas pessoas que sempre se respeitaram, continuam a respeitar-se, a admirar-se mutuamente".

PUB

Mas muito antes deles já Marta Aragão Pinto, empresária e relações-públicas, fazia parte do grupo da ‘separação consciente’. Casou por amor e foi uma história de amor que viveu durante quase cinco anos. Até que terminou. "As nossas profissões acabaram por nos afastar enquanto casal", conta à Máxima. E foi de uma forma natural, "sem discussões ou gritos, ou faltas de respeito", que perceberam que o casamento tinha chegado ao fim. Mas não a relação que os unia e da qual nasceram duas filhas. "Conversámos e assim que tivemos a certeza que não nos perderíamos um ao outro, que não deixaríamos de fazer parte da vida um do outro, que o casamento acabava, mas a amizade ficaria para sempre, optámos pela separação."

As promessas não ficaram por cumprir. Não perdeu o contacto com o ex-marido, que prefere descrever como um amigo. "O Rodrigo está sempre presente nas festas de aniversário das miúdas, tanto ele como a família dele. Continuamos a falar muitas vezes e a contar o que se vai passando na nossa vida."

Uma proximidade que não é a norma. Rita Fonseca de Castro, psicóloga clínica e terapeuta familiar da Oficina de Psicologia, confirma que "esta forma de ‘separação amigável’ implica uma mudança de perspetiva ou, pelo menos, da forma ‘tradicional’ como o divórcio tendia a ser encarado, como se o corte de relações e o desenvolvimento de sentimentos como a zanga ou raiva estivessem implícitos". Aqui, refere, privilegia-se "o respeito pelo outro, valorizando o que de positivo foi partilhado e pode permanecer entre os dois".

PUB

Mais do que isso, tem presente "a consciência de que as duas pessoas que estiveram envolvidas numa relação merecem sair dela com o menor sofrimento possível e, sobretudo, merecem sair da relação ‘inteiras’, ‘intactas’, ‘emocionalmente livres’ e ser felizes. Cada elemento do casal vê o outro como um ‘professor’, que o ajudou a desenvolver recursos internos e proporcionou experiências de vida e momentos felizes, e como alguém que ocupará agora um novo papel na sua vida, o de amigo".

Mais divorciados

"O divórcio tem vindo a aumentar, embora neste momento esteja mais estável." A confirmação é dada por Bárbara Figueiredo, doutorada em Psicologia Clínica, investigadora e professora na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. "Todos os países do Sul da Europa – Portugal, Espanha, Itália – tiveram um aumento muito significativo, que corresponde, muito provavelmente, ao verificado há 20, 30 anos nos Estados Unidos ou no Norte da Europa." Um aumento que, acredita, se deve ao facto da separação se ter tornado "uma possibilidade".

PUB

É a investigação que garante que, de todas as situações de divórcio, "entre 20% a 30% dos casos, a situação das pessoas melhora". E embora, reforça Bárbara Figueiredo, "o divórcio não tenha necessariamente de corresponder a efeitos nefastos", o que é um facto é que estas situações acontecem. Não foi o que quis Marta Aragão Pinto. "Não me imagino a perder tempo com guerras. Não me imagino a odiar alguém que fez parte da minha vida e que eu amei", afirma. Recusa-se a fazer julgamentos, mas deixa um conselho, o mesmo que partilha com as amigas: "Não gastem energia a odiar ou a querer mal ao ex-marido. Não é isso que as vai fazer viver melhor a separação."

 

"Um novo paradigma"

A ideia de um divórcio feliz parece, concorda Rita Fonseca de Castro, "um conceito paradoxal". Tendo em conta que "um casamento começa com um conjunto de expectativas, sentimentos e esperanças que saem defraudados, quando o divórcio ocorre" é fácil perceber que nem todas as ruturas terminem com um vivemos felizes para sempre ainda que separados. A traição, mentira, negligência justificam o azedume e explicam o desejo de muitos de ver a ex-cara-metade pelas costas. A bem da verdade, como salienta Bárbara Figueiredo, "sem a existência de filhos, as pessoas não precisam de manter uma relação de proximidade. O divórcio é uma separação, como tantas outras, em que as pessoas desenham um percurso diferente para as suas vidas que não é comum e não tem necessariamente de ser".

PUB

Tudo muda quando os filhos fazem parte da equação. Aqui, "boa parte da sua relação tem de ser mantida, que é aquilo que chamamos de coparentalidade. O que se passa com a criança tem de ser equacionado por ambos os pais, o que obriga a que haja alguma proximidade, que haja comunicação, já que há uma responsabilidade que em comum têm com os seus filhos".

É inevitável, acrescenta, "que num primeiro momento a criança tenha de alguma forma mais presente as perdas do que os ganhos". Mas o que é aqui mais importante é que "perceba que antes tinha e continua a ter ambos os pais, que se respeitam e decidem em conjunto a seu respeito". Não há dúvidas, explica Bárbara Figueiredo, "que a qualidade da coparentalidade, a forma como os pais se relacionam contribui para o desenvolvimento saudável da criança".

É por isso que Rita Fonseca de Castro defende o "divórcio sem dor, ou o mais indolor possível para todos os envolvidos – adultos e filhos, caso os últimos existam". Até porque o divórcio pode ser "uma oportunidade de crescimento, desenvolvimento e que antecede um novo percurso com uma bagagem emocional e relacional mais rica. O conceito de ‘counscious uncoupling' remete precisamente para isto – o divórcio é encarado não como um final mas como o momento em que uma relação ficou completa e em que os elementos do ex-casal desenvolvem um sentido de consciência saudável e otimista em relação ao futuro".

Não acredita que isto seja um termo novo ou tão-pouco uma moda. Mas aceita que a mediatização desta forma de separação "pode funcionar como um ‘alerta’, uma ilustração dos benefícios que todos os envolvidos poderão retirar do processo de divórcio. Estamos a falar de um novo paradigma que tenderá a ser adotado por um número cada vez maior de casais". 

PUB

Cinco passos para um ‘bom divórcio’

Como mediadora familiar e terapeuta de casais, Katherine Woodward Thomas estava habituada a lidar com divórcios repletos de drama, raiva, ressentimento. Quando o seu casamento de uma década chegou ao fim, sabia que não queria passar por tudo aquilo que se habituou a testemunhar. Por isso, sentou-se com aquele que se iria tornar o seu ex-marido e conversaram sobre como se iriam separar. Com respeito. Foi a partir daqui que nasceu o livro best-seller do The New York Times, Conscious Uncoupling: 5 Steps to Living Happily Even After, ainda sem publicação entre nós, que descreve os cinco passos suficientes, garante, para ajudar a ultrapassar uma separação. 

1. Encontrar a liberdade emocional

Aproveitar a energia das emoções menos boas (raiva, ódio, medo, desespero) e transformá-las em motores construtivos de mudança.

PUB

2. Recuperar o poder e a vida

Aprender a deixar de ser uma vítima do amor para assumir a responsabilidade pessoal por parte do que aconteceu. Assim, apercebe-se de como tem sido uma fonte do seu próprio sofrimento, de uma forma que liberta de repetir a dinâmica.

3. Contrariar o padrão, sarar o coração

Aprender a reconhecer que os padrões dolorosos do amor simplesmente não foram acontecendo com ele, mas através dele.

4. Tornar-se um alquimista do amor

Começar a ver-se como capaz de criar um futuro positivo para si e para todos os que sofreram o impacto da rutura

5. Criar uma vida feliz mesmo depois da separação

PUB

Aprender a tomar decisões sábias e saudáveis, assumindo a tarefa essencial de reinventar a vida e criar novas estruturas capazes de fazer prosperar nos momentos de transição.

Artigo originalmente publicado na edição 331 da Máxima.

Foto: Getty Images 1 de 6 / Jennifer Aniston e Brad Pitt
PUB
Foto: Getty Images 2 de 6 Jennifer Garner & Ben Affleck
Foto: Getty Images 3 de 6 Kate Hudson e Chris Robinson
4 de 6 Gwyneth Paltrow e Chris Martin
PUB
5 de 6 / Miranda Kerr e Orlando Bloom
Foto: Getty Images 6 de 6 Angelina Jolie e Billy Bob Thornton
PUB
PUB