Vesti umas calças de ganga básicas e uma camisa azul oversized, não quis parecer demasiado arranjada, nem valia a pena para um jantar em sua casa. Queria mostrar-me descontraída, como se não esperasse nada de especial daquele serão. Por graça, optei por uma boina preta que encontrei no armário na cabeça, resultado de alguma festa de Carnaval ou jantar temático, pois saberia que o faria rir. Pintei um pouco os lábios de vermelho, mas sem exagerar. Queria deixá-los apetecíveis, sem afastar o Lucien com excesso de batom. Depois de vários cafés nas redondezas do nosso quarteirão, uma ida a Alfama para jantar e ouvir alguns fados, e ainda uma sessão de cinema para assistir a uma película antiga de Jean-Luc Godard, estava pronta para o clássico jantar em casa dele - que, não sendo um terceiro encontro, deveria assumir os mesmos pressupostos: jantar à luz das velas, vinho e sexo.
Combinámos que o Lucien faria uma receita francesa e eu levaria uma sobremesa portuguesa. Por isso, ele fez ratatouille com vinho tinto e eu levei uma mousse de chocolate caseira, feita por mim. Achei que ganharia mais pontos ao levar algo que fiz com as minhas próprias mãos, revelando os meus dotes de culinária e de futura boa esposa. Além disso, é mais pessoal e íntimo do que levar algo que comprado no supermercado ou numa pastelaria. Sabia que ele iria valorizar. Quando cheguei a sua casa, depois de, literalmente, virar a esquina do meu prédio e andar uns 20 ou 30 passos, ele já tinha começado a cozinhar. E, da cozinha, um cheiro a refogado misturado com legumes fez-me antever um bom jantar. Como eu esperava, o Lucien achou a minha boina engraçada. Deu-me um beijo ao de leve sobre os lábios e disse que eu estava "superbe". Corei um pouco, uma vez que um toque ingénuo cai sempre bem na mente masculina e porque, de facto, não sei receber elogios, sendo incapaz de esconder o meu constrangimento até quando me dizem algo tão simples como que estou bonita.
Ele serviu o vinho. Algo de um bordeaux intenso vindo de Bordéus. Soube-me lindamente, como se toda a minha vida tivesse andado a beber mau vinho, o que provavelmente é verdade. Não que beba vinho rasca, mas o meu orçamento também não me dá margem para grandes deambulações vínicas. Suspirei depois de beber o primeiro gole e olhei-o diretamente nos olhos. Perguntou-me se tinha gostado e eu acenei que sim, acrescentando que era realmente bom. Enquanto o Lucien misturava francês com inglês e tentava por graça dizer uma ou outra palavra em português, eu falava sobretudo em inglês, tentava ser engraçada em francês e ensinava-lhe português. Até então, o esquema tinha funcionado. E, mesmo quando não nos entendíamos muito bem, os tradutores online davam uma ajudinha.
O único momento em que me tinha sentido mais constrangida, e perdida, foi quando jantámos em Alfama, e alguns amigos franceses do Lucien que também residem em Lisboa se juntaram a nós. Durante largos períodos optaram por falar somente em francês, agindo quase como se eu não existisse, e fumando aqueles cigarros eletrónicos horríveis como se não deixassem de ser apenas tabaco aquecido. O Lucien tentou integrar-me sempre que possível, e eu ia percebendo partes das conversas, mas, com o barulho, a confusão e a forma rápida e despachada com que pronunciavam as palavras, não cheguei a entender metade dos temas. Nesse dia, recordo-me de chegar a casa e de pensar que não saberia como a minha relação com o Lucien poderia, de facto, consolidar-se. Ter uma relação com um francês é quase como um afrodisíaco natural, mas será real? Ter relacionamentos com estrangeiros não é algo que acontece quando as pessoas vão de Erasmus ou se mudam de país?
Eu não tinha mudado de país, mas nessa noite senti-me num outro mundo. A conta de jantar foi exorbitante e, felizmente, o Lucien teve a sensatez de pagar a minha parte, percebendo que eu não deveria ter os mesmos rendimentos que os seus amigos estrangeiros, e que não me podia dar ao luxo de beber garrafas de vinho a 40 euros cada, umas atrás das outras, como se de copos de água se tratassem. Depois de anos a residir no centro de Lisboa e inúmeras passagens por Alfama para jantar ou assistir a noites de fado, nunca me senti tão deslocada na minha própria cidade como nessa noite. Embora as letras e refrões de todos aqueles fados me fossem familiares, o ambiente era-me estranho. Não existiam portugueses. Ninguém parecia entender o que aquelas palavras diziam realmente, embora reagissem ao ritmo da guitarra e à voz da intérprete, mas não o entendiam verdadeiramente. Faltava alma.
Do que entendi, as conversas também eram diferentes. Não se falava sobre especulação imobiliária, nem sob pressão no arrendamento ou na impossível compra de uma casa. Ninguém se queixava do aumento dos bens-alimentares no supermercado ou da conta da luz. Ninguém anunciava o fecho de mais uma tasca, da mercearia da sua rua ou de outra qualquer loja tradicional. Não havia saudosismo, só entusiasmo por se viver numa nova cidade que, para eles, parecia uma mina de oportunidades, novidades e qualidade de vida. Fiz vários sorrisos amarelos nessa noite, tentando controlar a vontade de partilhar o meu ponto de vista em relação a tudo aquilo, mas com o Lucien sempre de olho em mim, a pousar a mão sobre a minha perna debaixo da mesa e a acariciar-me a coxa, fui permanecendo calada. Não teria de adorar os seus amigos, apenas conviver com eles. No entanto, questionei-me: poderiam duas pessoas amar-se verdadeiramente, apesar de viverem realidades distintas? Poderia eu amar a Lisboa do Lucien e ele a minha? Como chegaríamos a um meio-termo?
Depois de jantar, sentámo-nos no sofá. Como imaginei, a comida estava ótima e o Lucien tinha-se desenrascado bastante bem. A minha mousse de chocolate também não me tinha deixado ficar mal. E ali sozinhos, os dois, prestes a cair nos braços um do outro e a unir os nossos corpos, parecia que existia um bom entendimento entre nós. Beijamo-nos. Ele afagou-me o cabelo. Eu fiz o mesmo e afastei-lhe alguns dos caracóis da testa. Ele deitou-se sobre mim, senti o seu pénis ereto ser pressionado contra a minha barriga. Enrolei as pernas à volta da sua cintura e ele levou-me até ao quarto. Talvez o sexo não precisasse de tradução. Talvez os nossos corpos conhecessem todas as palavras, pois estas se traduziriam em movimentos certeiros. Ele puxou-me as calças e eu tirei-lhe a camisola. Ele beijou-me o pescoço e eu mordi-lhe o lábio. Ele tocou-me e eu toquei-lhe. Ele afastou a minha mão, beijou-me a barriga e virou-me de costas. Depois, sussurrou-me ao ouvido. "Je veux lécher ton cul". Eu não sabia o que "lécher" queria dizer, mas "cul" pareceu-me óbvio. "WHAT?", gritei, surpreendida pelo tema surgir assim, de imediato, no primeiro ato sexual. "Lick, lick", disse ele, colocando a língua de fora e simulando que lambia qualquer coisa. Não pude senão rir. Ele riu-se também, pois compreendeu a minha estupefação. O amor pode até ser um sentimento universal, mas para que resulte continua a ser imprescindível que falemos a mesma língua – em particular, na cama.