Como tornar-se famoso (segundo uma celebridade)

Após 25 anos a conviver com celebridades – foi a um clube de sexo com Lady Gaga, tomou chá com Paul McCartney e recusou jantar com David Bowie –, Caitlin Moran desvenda, finalmente, no seu mais recente livro como é ser famoso (e ela sabe do que está a falar).

Foto: Gareth Cattermole/Getty Images
25 de setembro de 2020 às 11:36 Caitlin Moran

A primeira vez que eu vi alguém famoso tinha dez anos de idade. Foi na quermesse de verão no Wolverhampton Girl’s High School, onde íamos, de banca em banca, à procura de sapatos em segunda mão e quinquilharias – a expressão usada no bairro para os objects d’art. A quermesse de verão tinha uma atração famosa: a sessão de autógrafos com Helen Cresswell, autora da coleção infantil The Bagthorpe Saga. Eu tinha lido os livros e visto a adaptação da BBC (a minha crítica no meu diário foi: "DIVERTIIIIDO!") –, de modo que entrei na fila com os meus livros para que ela os assinasse. A fila era grande. Juntavam-se mais e mais pessoas a cada momento. Eu ouvia as conversas. "Quem é ela?!" "Não sei. Mas é… famosa." Ao longo da tarde, grande parte daquela sala coalesceu numa longa e peculiarmente adrenalizada fila, para conhecer uma autora de meia-idade que, cheia de paciência, assinava pedaços de papel que lhe estendiam, autografava livros e fazia conversa. Tanto a autora como as pessoas que ia conhecendo estavam um pouco confusas com todo o processo – obviamente, ela não sabia quem eles eram, mas eles também não sabiam quem ela era – e, contudo, a situação prolongou-se ao longo de duas horas. Praticamente toda a gente saiu daquela sala com um autógrafo de Helen Cresswell e praticamente toda a gente não sabia porquê. O que todas aquelas pessoas sabiam era que todas as outras sabiam quem ela era e que ter uma pessoa famosa em Wolverhampton era uma coisa rara. Uma coisa invulgar. Uma coisa que não podia ser desperdiçadaa oportunidade de passar alguns minutos com a mais misteriosa das coisas: alguém com fama. Conhecer uma pessoa famosa é uma sorte. É como bater na madeira para evitar o azar. Mais vale fazê-lo. Não vá o diabo tecê-las.

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Das centenas de autógrafos que Helen Cresswell assinou naquele dia, a maioria deles, tenho a certeza, não foram guardados mais de uma ou de duas semanas antes de serem atirados para o lixo – a magia da fama a desvanecer-se no papel à medida que o tempo passava. Um mês depois, os "caçadores de autógrafos" devem ter ficado estupeficados por os terem. O que fazer com um papel assinado por alguém cujo nome mal recordavam? Na altura, parecera tão importante obtê-lo! Suficientemente importante para se manterem afastados das filas para a tômbola, para o jogo de adivinhar o peso do frasco com rebuçados e outros doces ou para as bancas de bricabraque. E agora? Seria algo para guardar numa caixinha, que nunca mais seria aberta, ou para pôr no lixo. Vinte anos depois, encontro-me no Festival de Glastonbury com o ator John Simm. Os nossos filhos frequentam a mesma escola e gostamos da mesma música. Passámos o fim de semana a beber tranquilamente umas canecas de cerveja, a conversar e a sentir um indomável entusiasmo com os New Order. A fama de Simm, naquele momento, estava no auge e até era ridícula – integrava o elenco da [série] Life on Mars e desempenhava o papel de Master na [série de ficção científica] Doctor Who. Ele não gostava muito de sair da zona de conforto dos bastidores. "Não vale a pena o transtorno" –, mas eu, na minha santa ignorância, dizia-lhe que deixasse de ser uma afetada flor de estufa e que fosse comigo dar uma volta pelos maravilhosos campos longínquos das proximidades.

Das centenas de autógrafos que Helen Cresswell assinou naquele dia, a maioria deles, tenho a certeza, não foram guardados mais de uma ou de duas semanas antes de serem atirados para o lixo – a magia da fama a desvanecer-se no papel à medida que o tempo passava. Um mês depois, os "caçadores de autógrafos" devem ter ficado estupeficados por os terem. O que fazer com um papel assinado por alguém cujo nome mal recordavam? Na altura, parecera tão importante obtê-lo! Suficientemente importante para se manterem afastados das filas para a tômbola, para o jogo de adivinhar o peso do frasco com rebuçados e outros doces ou para as bancas de bricabraque. E agora? Seria algo para guardar numa caixinha, que nunca mais seria aberta, ou para pôr no lixo. Vinte anos depois, encontro-me no Festival de Glastonbury com o ator John Simm. Os nossos filhos frequentam a mesma escola e gostamos da mesma música. Passámos o fim de semana a beber tranquilamente umas canecas de cerveja, a conversar e a sentir um indomável entusiasmo com os New Order. A fama de Simm, naquele momento, estava no auge e até era ridícula – integrava o elenco da [série] Life on Mars e desempenhava o papel de Master na [série de ficção científica] Doctor Who. Ele não gostava muito de sair da zona de conforto dos bastidores. "Não vale a pena o transtorno" –, mas eu, na minha santa ignorância, dizia-lhe que deixasse de ser uma afetada flor de estufa e que fosse comigo dar uma volta pelos maravilhosos campos longínquos das proximidades.

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Por fim, relutantemente, saímos do bar dos bastidores. Depois de sairmos, não tínhamos dado mais de três passos quando um homem que, pelo visto, estava a ter um fim de semana algo excessivo, correu em direção a John e, apontando para ele – com o dedo a tremer –, foi tomado de uma tal agitação que o seu rosto refletia uma série de expressões emotivas. Depois, inspirou profundamente e gritou: "FAMOSO! FAMOSO! FAMOSO! FAMOSO!" John parou, educadamente à espera, para ouvir o que o homem lhe queria dizer. "FAMOSO!", gritou de novo o tal homem. Era isto o que ele queria dizer. "Desculpa", disse, de regresso ao bar dos bastidores com John que puxara o chapéu de modo a ocultar o rosto. Três anos depois, vou entrevistar Sir Paul McCartney. Eram três da tarde – horas antes do espetáculo –, mas fora do estádio, em Itália, encontram-se mais de mil pessoas com bandeiras, faixas e cartazes. Elas lançam gritos lancinantes, elas cantamcanções dos The Beatles e canções dos Wings que se tornaram hinos modernos. Hoje, sou jornalista há mais de duas décadas. Uma parte integrante do meu trabalho é andar à volta de pessoas famosas. Entrevisto-as, observo-as a trabalhar e socializo com elas. E sou amiga de algumas. Já dei por mim na casa de banho de um clube de sexo, em Berlim, com Lady Gaga, a vê-la fazer chichi. Puxei o cabelo a Keith Richards quando me quis provar que, apesar do que Noddy Holder, o vocalista dos Slade, o acusava, ele não usava peruca. Entro no camarim de Paul McCartney. É um homem da idade do meu pai. Está à procura de uns papéis e sorri. Parece uma pessoa normal. E eu estou ali para trabalhar. "Uma chávena de chá?, pergunta, tal como o meu pai faria. Para meu horror, eu apercebo-me de que estou a chorar. É o Paul McCartney. Limpo rapidamente as lágrimas com a palma da mão, enquanto remexo no meu iPhone e começo a entrevista. Paul McCartney entrega-me a chávena de chá. É o chá de Paul McCartney. Começo a chorar novamente. Ele olha para mim como se já tivesse visto aquilo muitas, muitas vezes.

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Por fim, relutantemente, saímos do bar dos bastidores. Depois de sairmos, não tínhamos dado mais de três passos quando um homem que, pelo visto, estava a ter um fim de semana algo excessivo, correu em direção a John e, apontando para ele – com o dedo a tremer –, foi tomado de uma tal agitação que o seu rosto refletia uma série de expressões emotivas. Depois, inspirou profundamente e gritou: "FAMOSO! FAMOSO! FAMOSO! FAMOSO!" John parou, educadamente à espera, para ouvir o que o homem lhe queria dizer. "FAMOSO!", gritou de novo o tal homem. Era isto o que ele queria dizer. "Desculpa", disse, de regresso ao bar dos bastidores com John que puxara o chapéu de modo a ocultar o rosto. Três anos depois, vou entrevistar Sir Paul McCartney. Eram três da tarde – horas antes do espetáculo –, mas fora do estádio, em Itália, encontram-se mais de mil pessoas com bandeiras, faixas e cartazes. Elas lançam gritos lancinantes, elas cantamcanções dos The Beatles e canções dos Wings que se tornaram hinos modernos. Hoje, sou jornalista há mais de duas décadas. Uma parte integrante do meu trabalho é andar à volta de pessoas famosas. Entrevisto-as, observo-as a trabalhar e socializo com elas. E sou amiga de algumas. Já dei por mim na casa de banho de um clube de sexo, em Berlim, com Lady Gaga, a vê-la fazer chichi. Puxei o cabelo a Keith Richards quando me quis provar que, apesar do que Noddy Holder, o vocalista dos Slade, o acusava, ele não usava peruca. Entro no camarim de Paul McCartney. É um homem da idade do meu pai. Está à procura de uns papéis e sorri. Parece uma pessoa normal. E eu estou ali para trabalhar. "Uma chávena de chá?, pergunta, tal como o meu pai faria. Para meu horror, eu apercebo-me de que estou a chorar. É o Paul McCartney. Limpo rapidamente as lágrimas com a palma da mão, enquanto remexo no meu iPhone e começo a entrevista. Paul McCartney entrega-me a chávena de chá. É o chá de Paul McCartney. Começo a chorar novamente. Ele olha para mim como se já tivesse visto aquilo muitas, muitas vezes.

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A fama é uma coisa curiosa para a qual, penso eu, ainda não encontrámos o léxico apropriado. Falamos do facto de se "ser famoso", mas a fama não está dentro de uma pessoa famosa. A fama não é um ato. Nem Helen Cresswell, nem John Simm, nem Paul McCartney estavam a ser famosos nas situações acima descritas. Não manifestavam qualquer poder através do seu comportamento que era absolutamente normal. Não lançavam relâmpagos, não voavam e nem levantavam objetos pesados com a força da mente. Eram apenas pessoas a conversar, a beber cerveja e a fazer chá de uma maneira normal. A fama não estava neles. Se se encontrassem sozinhos numa sala, eles não estariam, de modo algum, a "ser famosos". Até a pessoa mais famosa do mundo não é "famosa" mais do que uma hora por dia – quando são reconhecidos por um taxista, por exemplo, ou quando uma pessoa na rua os aborda e diz: "Adoro o que faz! Podemos tirar uma fotografia?" O resto do dia é para fazer o pequeno-almoço, ver televisão, desentupir a sanita, conversar com os amigos e trabalhar – não há nisto qualquer fama. Não se pode ser famoso quando se está sozinho. Pelo contrário, "fama" é algo que sentem as pessoas que os observam. O atributo principal da fama é que afeta outras pessoas – a Matemática da Fama diz-nos que quanto mais famoso se é, mais pessoas se influencia. Neste sentido, fama não é uma qualidade ou capacidade da pessoa famosa, mas um meme ou um esporo que infeta o cérebro de outros. Estranhamente, é parecido com as partículas e as ondas da mecânica quântica – só manifesta os seus atributos quando medida ou observada.

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A fama é uma coisa curiosa para a qual, penso eu, ainda não encontrámos o léxico apropriado. Falamos do facto de se "ser famoso", mas a fama não está dentro de uma pessoa famosa. A fama não é um ato. Nem Helen Cresswell, nem John Simm, nem Paul McCartney estavam a ser famosos nas situações acima descritas. Não manifestavam qualquer poder através do seu comportamento que era absolutamente normal. Não lançavam relâmpagos, não voavam e nem levantavam objetos pesados com a força da mente. Eram apenas pessoas a conversar, a beber cerveja e a fazer chá de uma maneira normal. A fama não estava neles. Se se encontrassem sozinhos numa sala, eles não estariam, de modo algum, a "ser famosos". Até a pessoa mais famosa do mundo não é "famosa" mais do que uma hora por dia – quando são reconhecidos por um taxista, por exemplo, ou quando uma pessoa na rua os aborda e diz: "Adoro o que faz! Podemos tirar uma fotografia?" O resto do dia é para fazer o pequeno-almoço, ver televisão, desentupir a sanita, conversar com os amigos e trabalhar – não há nisto qualquer fama. Não se pode ser famoso quando se está sozinho. Pelo contrário, "fama" é algo que sentem as pessoas que os observam. O atributo principal da fama é que afeta outras pessoas – a Matemática da Fama diz-nos que quanto mais famoso se é, mais pessoas se influencia. Neste sentido, fama não é uma qualidade ou capacidade da pessoa famosa, mas um meme ou um esporo que infeta o cérebro de outros. Estranhamente, é parecido com as partículas e as ondas da mecânica quântica – só manifesta os seus atributos quando medida ou observada.

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A magia da fama, então, não está na pessoa famosa, mas na audiência que altera. As fotografias que acompanham esta reportagem [na versão original] são um caso típico. "Como é que retratamos a fama?" O meu editor [do The Times Magazine] ficou aflito quando abordámos esta questão. Por fim, pesquisámos "mulheres famosas" no Google e depois recriámos as suas fotografias mais conhecidas. Pus muita maquilhagem e com seis secadores de cabelo apontados ao meu vestido eu tornei-me na Marilyn [Monroe, na pose em que o famoso vestido plissado branco esvoaça numa saída de ar do metropolitano] e também me sentei à chuva para imitar Faye Dunaway na noite a seguir aos Óscares [foi distinguida, em 1977, como Melhor Atriz Principal pelo desempenho em Escândalo na Televisão]. Desde já, posso dizer pela experiência que tive que Faye não pareceria tão descontraída e suprema como na fotografia de Terry O’Neill [fotógrafo famoso que se tornaria marido da atriz, em 1982] se a mesma não tivesse sido tirada em Los Angeles, mas numa piscina no telhado de um hotel, em Londres, às sete da manhã, com chuva lateral gelada a estragar o seu penteado [como aconteceu à autora deste artigo na fotografia que publicamos]. Porém, a fama não é uma expressão facial, ou uma ação, ou uma indumentária. Em todas as fotografias [que Caitlin tirou] são os paparazzi, ou o Óscar, ou os jornais no chão que dizem que sou famosa. Sem eles, não passaria de uma pessoa vulgar que estava a passar por uma má experiência, nomeadamente a exibir as cuequinhas. Ou alguém de ressaca. Ou alguém com um bonito vestido ou alguém com um bom carro [como se mostra na fotografia de abertura]. Tudo coisas que tenho no dia a dia – o meu Ford Galaxy é um utilitário brilhante para a vida familiar! –, mas que só por si não significam "fama". Não se consegue mostrar a fama numa pessoa porque não é onde está a fama. Está no mundo exterior. Não dentro dela. Quando eu era criança não queria ser famosa. Ambicionava coisas maiores. "Quando eu estava grávida de ti, tinha alucinações muito fortes de que serias Ganesha, a deusa elefante", contou-me a minha mãe quando eu tinha 12 anos. 

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A magia da fama, então, não está na pessoa famosa, mas na audiência que altera. As fotografias que acompanham esta reportagem [na versão original] são um caso típico. "Como é que retratamos a fama?" O meu editor [do The Times Magazine] ficou aflito quando abordámos esta questão. Por fim, pesquisámos "mulheres famosas" no Google e depois recriámos as suas fotografias mais conhecidas. Pus muita maquilhagem e com seis secadores de cabelo apontados ao meu vestido eu tornei-me na Marilyn [Monroe, na pose em que o famoso vestido plissado branco esvoaça numa saída de ar do metropolitano] e também me sentei à chuva para imitar Faye Dunaway na noite a seguir aos Óscares [foi distinguida, em 1977, como Melhor Atriz Principal pelo desempenho em Escândalo na Televisão]. Desde já, posso dizer pela experiência que tive que Faye não pareceria tão descontraída e suprema como na fotografia de Terry O’Neill [fotógrafo famoso que se tornaria marido da atriz, em 1982] se a mesma não tivesse sido tirada em Los Angeles, mas numa piscina no telhado de um hotel, em Londres, às sete da manhã, com chuva lateral gelada a estragar o seu penteado [como aconteceu à autora deste artigo na fotografia que publicamos]. Porém, a fama não é uma expressão facial, ou uma ação, ou uma indumentária. Em todas as fotografias [que Caitlin tirou] são os paparazzi, ou o Óscar, ou os jornais no chão que dizem que sou famosa. Sem eles, não passaria de uma pessoa vulgar que estava a passar por uma má experiência, nomeadamente a exibir as cuequinhas. Ou alguém de ressaca. Ou alguém com um bonito vestido ou alguém com um bom carro [como se mostra na fotografia de abertura]. Tudo coisas que tenho no dia a dia – o meu Ford Galaxy é um utilitário brilhante para a vida familiar! –, mas que só por si não significam "fama". Não se consegue mostrar a fama numa pessoa porque não é onde está a fama. Está no mundo exterior. Não dentro dela. Quando eu era criança não queria ser famosa. Ambicionava coisas maiores. "Quando eu estava grávida de ti, tinha alucinações muito fortes de que serias Ganesha, a deusa elefante", contou-me a minha mãe quando eu tinha 12 anos. 

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Como eu era uma criança muito gorda, recebi esta informação com um certo fatalismo. Ah, por isso era tão rechonchuda e tinha um nariz grande. Era Ganesha, a deusa elefante. "Estás aqui para trazer sorte ao mundo", continuou a minha mãe, enquanto dobrava os lençóis e os guardava no armário. "É esse o papel de Ganesha na Terra. Também é, provavelmente, a tua última reencarnação. Por isso, usa-a bem." Como os meus pais possuíam algo de hippies, esta conversa não me parecia estranha. Arquivei a informação – que eu estava aqui para trazer sorte ao mundo na forma de uma deusa elefante hindu e que esta seria a minha última reencarnação – como fiz com outras informações que me foram dadas, tal como tirar um carro preso na areia (colocar um tapete por debaixo das rodas traseiras e, depois, não acelerar demasiado) e a melhor maneira de acabar com uma conversa (Falar de jazz. De [Charles] Mingus. De [John] Coltrane. Isso confunde as pessoas.) Quando escrevi um romance, tinha 15 anos, continuei a não querer ser famosa. Fiz todos os possíveis para não o ser. Depois de o livro ser publicado, o meu RP (eu tinha um RP!) disse-me que me haviam conseguido um espaço no Wogan [um famoso talk show da BBC, na época], para ser entrevistada. Enviei-lhes uma carta muito educada a explicar porque não queria aparecer na Televisão: "Não quero que as pessoas saibam quem eu sou. Só quero que conheçam a minha escrita", escrevi numa infantil folha de papel cor-de-rosa, tirada de um bloco. Responderam de forma austera, explicando-me que a única maneira de as pessoas tomarem conhecimento da escrita de um autor é este aceitar a espetacular oportunidade de publicidade que lhe é oferecida e ir ao raio (aqui, recorri a uma paráfrase) do Wogan. Ainda assim, recusei. O livro vendeu 1.800 exemplares. Não me arrependo de não ter ido ao Wogan. Eu estava aqui para trazer sorte ao mundo, não para ser famosa. Agora, que tenho 43 anos, sou, de certo modo e em certos sítios, famosa. Escrevo para o The Times todas as semanas – embora, quase invariavelmente, também lá apareça uma receita de entremeada de porco, é bom manter estas coisas em perspetiva – e o livro que publiquei em 2011, How to Be a Woman, vendeu um milhão de exemplares. O meu último romance, How to Build a Girl, está a ser adaptado ao cinema e, ocasionalmente, apareço na televisão a falar de um livro novo meu, ou numa peça do noticiário a apelar à assinatura de uma petição ou à colaboração numa obra de caridade.

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Como eu era uma criança muito gorda, recebi esta informação com um certo fatalismo. Ah, por isso era tão rechonchuda e tinha um nariz grande. Era Ganesha, a deusa elefante. "Estás aqui para trazer sorte ao mundo", continuou a minha mãe, enquanto dobrava os lençóis e os guardava no armário. "É esse o papel de Ganesha na Terra. Também é, provavelmente, a tua última reencarnação. Por isso, usa-a bem." Como os meus pais possuíam algo de hippies, esta conversa não me parecia estranha. Arquivei a informação – que eu estava aqui para trazer sorte ao mundo na forma de uma deusa elefante hindu e que esta seria a minha última reencarnação – como fiz com outras informações que me foram dadas, tal como tirar um carro preso na areia (colocar um tapete por debaixo das rodas traseiras e, depois, não acelerar demasiado) e a melhor maneira de acabar com uma conversa (Falar de jazz. De [Charles] Mingus. De [John] Coltrane. Isso confunde as pessoas.) Quando escrevi um romance, tinha 15 anos, continuei a não querer ser famosa. Fiz todos os possíveis para não o ser. Depois de o livro ser publicado, o meu RP (eu tinha um RP!) disse-me que me haviam conseguido um espaço no Wogan [um famoso talk show da BBC, na época], para ser entrevistada. Enviei-lhes uma carta muito educada a explicar porque não queria aparecer na Televisão: "Não quero que as pessoas saibam quem eu sou. Só quero que conheçam a minha escrita", escrevi numa infantil folha de papel cor-de-rosa, tirada de um bloco. Responderam de forma austera, explicando-me que a única maneira de as pessoas tomarem conhecimento da escrita de um autor é este aceitar a espetacular oportunidade de publicidade que lhe é oferecida e ir ao raio (aqui, recorri a uma paráfrase) do Wogan. Ainda assim, recusei. O livro vendeu 1.800 exemplares. Não me arrependo de não ter ido ao Wogan. Eu estava aqui para trazer sorte ao mundo, não para ser famosa. Agora, que tenho 43 anos, sou, de certo modo e em certos sítios, famosa. Escrevo para o The Times todas as semanas – embora, quase invariavelmente, também lá apareça uma receita de entremeada de porco, é bom manter estas coisas em perspetiva – e o livro que publiquei em 2011, How to Be a Woman, vendeu um milhão de exemplares. O meu último romance, How to Build a Girl, está a ser adaptado ao cinema e, ocasionalmente, apareço na televisão a falar de um livro novo meu, ou numa peça do noticiário a apelar à assinatura de uma petição ou à colaboração numa obra de caridade.

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Eis alguns dos sítios mais engraçados onde já fui reconhecida. Numa farmácia, a comprar Canesten. No caminho de acesso à garagem de um desconhecido, com um saco na mão, a apanhar um cocó atípico de cão. No Metro, a chorar enquanto ouvia Prince. Em minha casa, por um polícia que tocou à campainha para me dizer que os meus filhos, excitados com o primeiro dia de férias de verão, estavam a exibir o rabiosque à janela do andar de cima e a gritar "LIBERDADE!". Nos vestiários da Topshop, enquanto esperava a minha vez para experimentar roupa e me encontrava ao telefone com uma amiga, a dizer: "Estas culottes ficam-me tão apertadas nas virilhas que se nota a forma da minha vagina." Na piscina de umas termas no Japão, completamente nua. Mas a minha fama é muito específica. Para começar, muito poucos homens me reconhecem. Se escrevemos um livro chamado How to Become a Woman, os homens tendem a não o lerpode causar demasiados problemas no comboio. Assim sendo, para 48% da população, eu não sou nada famosa. Similarmente, como colunista do The Times, eu não sou reconhecida pelas pessoas que leem, sobretudo, o The Sun. Ao caminhar, digamos, pela cidade de Cheltenham, ouço duas ou três vezes a pergunta: "É aquela que…?" Já em Chigwell, a povoaçãozinha rural na periferia da área metropolitana de Londres, nada. Mesmo nos sítios mais cosmopolitas, é um certo tipo de mulher que me reconhece: as raparigas com cabelo pintado com cores do arco-íris; as raparigas que carregam no eyeliner; as raparigas que usam botas Doc Martens; as raparigas que se vestem com roupas em segunda mão compradas em lojas cujos lucros se destinam a fins de caridade; as raparigas que vão em marchas; e as raparigas que adoram livrarias. Sou então, aproximadamente, tudo somado, 17% famosa. Posso usufruir de um tratamento privilegiado quando compro um muffin vegano num café independente, mas não acontece o mesmo se tentar obter um desconto na loja da luxuosa marca LK Bennett. E isto é, tenho de o dizer, exatamente aquilo de que eu gosto. Já vi como as pessoas são quando se encontram perto de gente famosa – também fui assim – e não quero fazê-las tremer, chorar, perder a capacidade de falar, balbuciar, serem deferentes, ou, então, de modo inverso, sentir que têm de me dizer que tudo o que faço não presta. As pessoas famosas alteram o ambiente da sala em que estiverem – meu Deus, a súbita mudança de energia que ocorre quando Bono ou Lady Gaga entram por uma porta! – e isso é inútil para um escritor. Escrever exige observar as coisas, não ser observado.

Eis alguns dos sítios mais engraçados onde já fui reconhecida. Numa farmácia, a comprar Canesten. No caminho de acesso à garagem de um desconhecido, com um saco na mão, a apanhar um cocó atípico de cão. No Metro, a chorar enquanto ouvia Prince. Em minha casa, por um polícia que tocou à campainha para me dizer que os meus filhos, excitados com o primeiro dia de férias de verão, estavam a exibir o rabiosque à janela do andar de cima e a gritar "LIBERDADE!". Nos vestiários da Topshop, enquanto esperava a minha vez para experimentar roupa e me encontrava ao telefone com uma amiga, a dizer: "Estas culottes ficam-me tão apertadas nas virilhas que se nota a forma da minha vagina." Na piscina de umas termas no Japão, completamente nua. Mas a minha fama é muito específica. Para começar, muito poucos homens me reconhecem. Se escrevemos um livro chamado How to Become a Woman, os homens tendem a não o lerpode causar demasiados problemas no comboio. Assim sendo, para 48% da população, eu não sou nada famosa. Similarmente, como colunista do The Times, eu não sou reconhecida pelas pessoas que leem, sobretudo, o The Sun. Ao caminhar, digamos, pela cidade de Cheltenham, ouço duas ou três vezes a pergunta: "É aquela que…?" Já em Chigwell, a povoaçãozinha rural na periferia da área metropolitana de Londres, nada. Mesmo nos sítios mais cosmopolitas, é um certo tipo de mulher que me reconhece: as raparigas com cabelo pintado com cores do arco-íris; as raparigas que carregam no eyeliner; as raparigas que usam botas Doc Martens; as raparigas que se vestem com roupas em segunda mão compradas em lojas cujos lucros se destinam a fins de caridade; as raparigas que vão em marchas; e as raparigas que adoram livrarias. Sou então, aproximadamente, tudo somado, 17% famosa. Posso usufruir de um tratamento privilegiado quando compro um muffin vegano num café independente, mas não acontece o mesmo se tentar obter um desconto na loja da luxuosa marca LK Bennett. E isto é, tenho de o dizer, exatamente aquilo de que eu gosto. Já vi como as pessoas são quando se encontram perto de gente famosa – também fui assim – e não quero fazê-las tremer, chorar, perder a capacidade de falar, balbuciar, serem deferentes, ou, então, de modo inverso, sentir que têm de me dizer que tudo o que faço não presta. As pessoas famosas alteram o ambiente da sala em que estiverem – meu Deus, a súbita mudança de energia que ocorre quando Bono ou Lady Gaga entram por uma porta! – e isso é inútil para um escritor. Escrever exige observar as coisas, não ser observado.

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Não quero ser famosa porque sei como ficava doidinha quando me encontrava perto deles e não quero provocar esse tipo de doença mental nos outros. Após trinta anos à volta de famosos, ainda não sei como lidar com a situação. No início – quando eu era uma jornalista ainda adolescente –, pensei que o melhor era falar incessantemente acerca de mim própria: contar à minha vítima uma série de historietas divertidas e factos engraçados que haviam ocorrido em certas festas ou, muitas vezes, durante entrevistas, de maneira a que pudessem aperceber-se de quão fantástica eu era, tornarem-se meus amigos, o que levaria a darem-me um milhão de libras e a levarem-me no seu jato privado aonde eu quisesse. Estas são as coisas que tendemos a pensar quando conhecemos pessoas muito famosas e muito ricas. Que podem dar-nos um milhão de libras. Como têm tanto dinheiro, se nos acharem espetaculares se continuarmos a falar de nós, isso poderia acontecer. Um amigo meu tornou-se, recentemente, muito próximo de uma das mais famosas estrelas pop do mundo e a segunda pergunta que um outro amigo lhe fez – depois de "Ele é simpático?" – foi: "Já lhe pediste um milhão de libras?" Estes pensamentos, pelo visto, não ocorrem apenas aos adolescentes. Persistem quando estamos na casa dos quarenta.

Não quero ser famosa porque sei como ficava doidinha quando me encontrava perto deles e não quero provocar esse tipo de doença mental nos outros. Após trinta anos à volta de famosos, ainda não sei como lidar com a situação. No início – quando eu era uma jornalista ainda adolescente –, pensei que o melhor era falar incessantemente acerca de mim própria: contar à minha vítima uma série de historietas divertidas e factos engraçados que haviam ocorrido em certas festas ou, muitas vezes, durante entrevistas, de maneira a que pudessem aperceber-se de quão fantástica eu era, tornarem-se meus amigos, o que levaria a darem-me um milhão de libras e a levarem-me no seu jato privado aonde eu quisesse. Estas são as coisas que tendemos a pensar quando conhecemos pessoas muito famosas e muito ricas. Que podem dar-nos um milhão de libras. Como têm tanto dinheiro, se nos acharem espetaculares se continuarmos a falar de nós, isso poderia acontecer. Um amigo meu tornou-se, recentemente, muito próximo de uma das mais famosas estrelas pop do mundo e a segunda pergunta que um outro amigo lhe fez – depois de "Ele é simpático?" – foi: "Já lhe pediste um milhão de libras?" Estes pensamentos, pelo visto, não ocorrem apenas aos adolescentes. Persistem quando estamos na casa dos quarenta.

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Creio que eu não preciso de dizer que esta tática não deu resultadoninguém deseja que um desconhecido lhe conte histórias da sua vida ("E então eu pensei que o meu umbigo estava a verter líquidos, mas era só suor"), seja o homem que vai fazer a contagem do gás ou o Iggy Pop. E nunca ninguém nos vai dar um milhão de libras. Nunca. Nunca acontecerá. Contudo, eu não sabia que era o simples impulso humano que nos leva a protegermo-nos das informações aleatórias que os outros nos querem dar que conduzia ao fracasso da missão de me tornar amiga de celebridades. De modo que subi a parada: comecei a ter relações sexuais com celebridades. Não eram muito famosos – apenas "comediantes e músicos de bandas dos anos 90" –, mas todos os cavalheiros foram selecionados porque eu adorava o seu trabalho, acreditava que eram geniais e pensei que, de certa maneira, podia partilhar a sua arte a um nível superior se fôssemos para a cama. Que teria o seu génio dentro de mim. Que seria transformada. Bastaram-me algumas experiências dececionantes para me aperceber de outra verdade vital acerca da fama e da arte: nenhuma delas se encontra no pénis de um homem. Não é onde estão. Pénio [pénis + génio] é coisa que não existe. Quando conheci o meu marido abandonei o sexo com pessoas famosas – pareceu-me ser a atitude mais cortês – e iniciei a terceira tática em redor de pessoas famosas: "Dar-lhes espaço." "Toda a gente que conhece uma pessoa famosa quer um pouco do seu tempo e atenção", pensei, sabiamente. "A melhor maneira de mostrar o meu respeito por elas, então, é dar-lhes espaço. Não exigir nada. Deixá-las estar. É assim que se demonstra amor por alguém famoso." Fiel a esta lógica, quando fiz um programa de rádio com John Peel [foi um radialista, DJ, crítico musical e jornalista inglês] – um grande herói, para mim, um homem cujo programa mudou a minha vida – fiz tudo o que estava ao meu alcance para o ignorar. "Vais a algum sítio especial, estas férias?", perguntou-me, durante uma pausa nas gravações. "Tens alguns planos para este verão?" "Não", respondi, bruscamente, virando-lhe as costas. "O que tens ouvido ultimamente?", continuou. Ele era realmente muito amistoso. "Isto e aquilo", respondi, casualmente, acendendo um cigarro e fingindo estar a ler um jornal. "Ele ficará grato por não me comportar como uma lapa e, da próxima vez que nos encontrarmos, ver-me-á como alguém do mesmo nível, o que levará a uma amizade verdadeira", pensei, ainda de costas para Peel. "Estou a jogar pensando a longo prazo. Quão inteligente me tornei!" Peel morreu de um súbito e inesperado ataque cardíaco dois meses depois. Nunca tive a oportunidade de concluir o meu jogo. Fui igualmente estúpida com David Bowie. "Um dia levo-te a jantar com o Bowie", prometeu-me um amigo dele. Bowie, aparentemente, tinha lido as minhas coisas e gostado. "Oh, eu não teria nada para lhe dizer! Iria aborrecê-lo! Nunca faças isso! NUNCA! PROÍBO-TE!", disse-lhe eu. Depois, Bowie também morreu. Se fosse possível morrer de arrependimento por não aceitar um convite para jantar, eu também teria morrido no dia em que a sua morte foi anunciada. Conheci Bono recentemente. Durante a mais recente tournée dos U2, enquanto tocavam Ultraviolet – uma das minhas canções preferidas –, foram mostradas imagens de heroínas feministas nos ecrãs gigantes colocados no palco, atrás deles. Uma das caras era a minha. Foi, obviamente, espetacular. Antes do concerto, Bono pediu uma reunião comigo. Fui escoltada a uma sala onde estavam Elvis Costello, Bob Geldof e algumas supermodelos. Bono veio ter comigo – muito charmoso. Conversámos uns minutos. Foi maravilhoso. "Olha, devíamos ir almoçar um dia destes!", disse quando nos despedimos. "Bom, ando a ver a nova série de Love Island, de modo que tenho a agenda preenchida", respondi – ainda a tentar parecer superinformal, descontraída e ocupada perto dos heróis. Compreensivelmente, nunca mais soube nada do Bono.

Todas estas coisas foram o impulso para eu escrever How to Be Famous. Não se trata de um guia para ensinar a ser-se famoso–sou, ainda, só 17% famosa e quero que continue assim –, mas abarca a questão de como reagimos à fama, de como aqueles com real, verdadeira, fama lidam com a situação de que quase todas as pessoas que conhecem são afetadas por uma espécie de envenenamento mental, comportando-se como tolos, ineptos, idiotas, fornicadores loucos, gente que implora, chateia ou, simplesmente, é doida. Como lidam com os gritos, as más críticas, o saldo bancário que ostenta um crédito de 1.364.847,44 libras. Como algumas pessoas se tornam melhores por causa disso e outras ficam muito, muito piores. Espero que a boa sorte que trago ao mundo seja retirar a discussão da fama das revistas Heat, Hello!, Ok! e do site TMZ, e levá-la para a praça pública para que quando gerações futuras conhecerem Bono não fiquem atrapalhadas e recusem um almoço, mas digam, com sensibilidade: "Tenho as minhas séries gravadas e, por isso, estou inteiramente disponível para aceitar a sua oferta. Obrigado." Para que possamos, por fim, ser vacinados contra a bizarra e assombrosa magia da fama.

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*Caitlin Moran (Brighton, Reino Unido, 1975] é uma premiada jornalista, escritora, radialista e colunista do The Times, assinando, aos domingos, uma crónica no The Times Magazine. É autora do best-seller How to Build a Woman, entre outros livros que escreveu.

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