Está escrito nas estrelas?

Falar da Astrologia como tendência poderá provocar alguns revirares de olhos ou até sonoras gargalhadas. Sim, não há muito de novo no tema, exceto talvez o interesse crescente e porventura mais desassombrado. Rita Lúcio Martins foi averiguar (e, pelo caminho, fez o mapa astral).

Foto: Unsplash
08 de maio de 2020 às 07:00 Rita Lúcio Martins
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Confrontado com a pergunta sobre quem são os seus clientes, Armando Gouveia adianta que há de tudo um pouco. Homens e mulheres, de diferentes faixas etárias, pessoas que o consultam com regularidade, uma vez por ano ou apenas ocasionalmente. Já a psicóloga Filipa Jardim da Silva adianta uma possível explicação para o aparente (ou declarado) maior interesse feminino sobre estes temas: "Tendencialmente as mulheres desenvolvem-se com maior tolerância no que diz respeito à sua emocionalidade e com maior abertura em temas que remetem para a saúde psicológica e bem-estar, em relação aos homens, também eles mais racionais. Nesse sentido, acabam por cultivar maior interesse por temas menos lineares, interesse, esse, partilhado muitas vezes em grupo, o que poderá justificar a sua maior adesão a estes temas."

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Não. Não há incenso a queimar nas prateleiras, música esotérica a soar das colunas, nem cortinas de fitinhas coloridas e serpenteantes a separar as salas. Podia bem estar no consultório do meu otorrino que, na verdade, nem fica assim tão distante daquela rua da capital. Um apartamento normal, com uma sala de espera vulgar, a anteceder uma consulta que, para mim, era novidade. Minutos depois ali estava ela, no centro da mesa: a minha carta astral. "O que faço é utilizar a informação astrológica que me permite fazer apenas - e só – uma caricatura da realidade", explicava-me mais tarde Armando Gouveia, um profissional que me foi muito bem recomendado (dedica-se à Astrologia há mais de trinta anos), mas que habitualmente prefere evitar as entrevistas... precisamente por ainda haver muito ruído e especulação em torno do seu ofício. "Nas minhas mãos (e esta é uma questão importante porque, como sabe, a Astrologia não está corporizada e, por isso, cada um faz a avaliação consoante a sua cultura e nível de entendimento), uso-a para tentar criar uma pessoa suficientemente parecida consigo, que estimule o seu interesse, a sua curiosidade e nos leve a criar um ambiente de reflexão, uma especulação que se quer saudável. Isso vai fazer-nos viajar num território misterioso, que é o da própria subjetividade. É algo de natureza quase oceânica e que exige de nós uma grande humildade, mas que simultaneamente é fascinante." Por esta altura, confesso, o meu coração – dividido entre a pertinência jornalística e a mais banal curiosidade – já tinha acelerado. De um lado, as perguntas mais básicas: a Astrologia tem uma base científica, mas pode ser considerada uma ciência? Uma pessoa com a mesma data e local de nascimento tem o mesmo destino? E, do outro, a tentação de espreitar o futuro, na esperança de que a visão nos devolva alguma coisa de radioso. Mas, por essa altura, já o especialista tinha olhado o meu mapa e percebido que saber ouvir é uma das minhas qualidades. Foi o que fiz.

Pelo caminho, poderemos ser surpreendidos com informações que, no plano mais imediato, podem ser difíceis de gerir (... e não falo necessariamente de previsões, mas de uma eventual explicação sobre determinado traço de personalidade ou de um acontecimento longínquo que poderá justificar um certo padrão comportamental).

O objetivo, repete uma e outra vez Armando Gouveia, é que tais informações sejam consideradas possibilidades, pontos de partida. O astrólogo, conhecido pela sua predilecção por metáforas (para ele só assim faz sentido falar de Astrologia), compara o seu métier a um martelo: tão depressa pode ser uma ferramenta de construção como, quando mal usado, se pode tornar uma arma de arremesso: "A ideia não é tomar à letra aquilo que se vai dizer mas sim usá-lo como pretexto de reflexão, até porque a informação da Astrologia não é determinista. Creio que já ultrapassamos essa fase: há muita segurança nas informações que nos dá, um elevado grau de fiabilidade, mas depois há sempre espaço para a vontade individual. O que a Astrologia apanha são as leis do espaço e do tempo – não abarca tudo. Por outro lado, quanto maior for a consciência espiritual de uma pessoa, menos ela está sujeita às leis do espaço e do tempo. Assim se explicam os diferentes níveis de interpretação."

Se a Lua afeta as marés porque é que não te afeta a ti? A pergunta foi-me feita em tempos e deixou-me a pensar. E se a Lua me afeta, o que me leva a crer que os planetas não possam exercer o mesmo tipo de influência? É o tipo de perguntas eternas, que dividem céticos e crédulos, sem aparente consenso à vista. Longe de querermos determinar quem está certo ou errado, socorremo-nos dos especialistas para tentar chegar a bom porto: "Sabemos que uma atitude de flexibilidade é positiva no sentido em que mais do que dizermos o que é e não é verdade, sabemos aquilo que nos faz sentido e por isso acreditamos, sem termos de criticar outros por terem perspetivas e crenças diferentes. Beneficiamos mais com a diferença do que com a imitação e a limitação de liberdade de pensamento." Liberdade. A palavra avançada pela psicóloga é, curiosamente, a mesma que, depois de muito procurar, Maria Pereira encontra para melhor ilustrar a sua história: "Na vida carregamos sempre uma mochila. Ao longo do caminho, vamos deixando parte do conteúdo para trás, resolvemos questões e largamos medos, mas também vamos metendo coisas novas lá para dentro. Este processo de reflexão e autoconhecimento por um lado traz aceitação, mas, acima de tudo, dá-me liberdade."

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