25 de Abril de 1974. A Moda também foi uma arma
Durante décadas, as políticas de corpo da ditadura encerraram homens e mulheres num figurino austero e pouco expressivo. Com a Revolução de 1974, os corpos libertaram-se e os guarda-roupas foram enriquecidos com novas tendências.

Em Portugal, durante a ditadura, as políticas de corpo vigentes ditavam que o pecado não morasse ao lado. Aos olhos do regime, uma mulher só adquiria significado social se casasse, tivesse muitas crianças e suportasse estoicamente todas as provações que essa vida lhe tivesse de infligir. As viúvas amortalhavam-se em trajes e lenços muitas vezes para o resto das suas vidas (e a Guerra Colonial produziu tantas e tão novas) e os homens tinham de corresponder ao figurino de virilidade e segurança desenhado pelo regime. Afinal, a 5 de maio de 1941, o governo fizera publicar pelo Ministério do Interior o Decreto-Lei n.º 31 247, em que explicitava que "nos termos da Constituição, pertence ao Estado zelar pela moralidade pública e tomar todas as providências no sentido de evitar a corrupção dos costumes." Ao longo de décadas de eficaz doutrinação nas escolas, imprensa, literatura e, claro, nas Igrejas de Portugal metropolitano e ultramarino, a sociedade portuguesa tornar-se-ia aquilo a que o escritor brasileiro Antônio Torres deu o nome de país dos homens dos pés redondos». Era a metáfora adequada para um lugar onde as pessoas se moviam em círculos, sem saírem do mesmo lugar.


Embora a democratização da moda trazida pelo pronto-a-vestir tivesse começado a mudar os hábitos de consumo nas principais cidades do país (sobretudo Lisboa, Porto e Coimbra, onde havia focos de uma juventude universitária) ainda durante a primavera marcelista (1968-1974), foi nos anos que se seguiram à Revolução de 25 de Abril que surgiram as mudanças mais drásticas e profundas. A tal ponto que, devido às suas circunstâncias históricas particulares, Portugal seria atingido, também nesta matéria, por influências de outros continentes que não chegariam, pelo menos com a mesma expressão, a outros pontos da Europa.
De África, com muito estilo
Em meados de 1975 começaram a chegar a Portugal continental milhares de cidadãos portugueses oriundos das chamadas províncias ultramarinas, prestes a tornarem-se países independentes. O clima que encontraram nem sempre foi amistoso, até porque muitos metropolitanos olhavam com desconfiança os hábitos mais livres dos recém-chegados, também em matéria de moda. Com eles, vinham os tecidos em cores vibrantes, a pele mais descoberta, os biquínis em vez dos circunspectos fatos-de-banho, o cinema bem menos castigado pela censura, novas danças, novos sabores e a Coca-Cola, cuja venda estava proibida na "metrópole".


De Angola, cuja indústria têxtil era fluorescente à data da Revolução, chegariam nomes que viriam a dar cartas na Moda em Portugal nos 20 anos seguintes. Foram os casos de Augustus, José Carlos (famoso pelos looks criados para as Doce) e Maria Armanda.
O primeiro abrira atelier em Luanda, depois de ter frequentado um curso de formação na Olympian Fashion School, em Londres e de ter estagiado com Kenzo. Já em Lisboa, abriu a sua primeira loja em 1976, tendo-se destacado, desde cedo, pelo marketing arrojado. Em 1979, por exemplo, surpreendeu o meio ao apresentar uma coleção a bordo de um avião da TAP, ação que o tornou conhecido a nível nacional e internacional.


Também de Luanda, disposta a conquistar as elites de Lisboa, chegara Maria Armanda. Nascida em Pombal, a empresária partira muito jovem para Angola em busca de uma vida melhor. Com uma determinação que nunca a abandonaria, em 1957 abriu uma loja na Rua Salvador Correia, uma das melhores artérias de comércio de Luanda, onde os melhores artigos conquistaram com brevidade a clientela mais exigente. Maria Armanda ia duas vezes por ano às principais feiras de moda internacionais e organizava grandes desfiles nos hotéis Trópico e Continental, dois dos mais luxuosos da cidade. O glamour era tanto que a Guerra, então travada a escassas dezenas de quilómetros, parecia coisa longínqua.

Não contente com isto, Maria Armanda criaria uma fábrica própria - a ELA (Empresa Laboradora de Angola), com centenas de operárias brancas e negras. A marca ELA Fashion chegou a Portugal no ano a seguir à Revolução e Maria Armanda instalou o seu atelier na capital portuguesa. Com um sucesso digno da reputação que deixara em Luanda.
Abra suas asas, com Dancin’ Days
A estas influências tropicais juntar-se-iam, já na segunda metade da década, as que viriam de outro grande país de língua portuguesa, do outro lado do Atlântico. Em 1977, a produção da Rede Globo de Televisão, Gabriela, Cravo e Canela, transmitida pela RTP, tomou de assalto o país. De norte a sul, do Parlamento ao mais remoto monte alentejano, a telenovela brasileira surpreendeu tudo e todos, não apenas com uma nova forma de representar e contar uma história no pequeno ecrã, mas também com outros modos de viver a sensualidade e o corpo.

Mas a adaptação do romance de Jorge Amado (com os decotes generosos da protagonista ou de Glorinha, na janela do coronel que a mantinha) foi apenas o início de uma febre coletiva, que levava frequentemente a desmandos, que incluíam fugas de casa e negligências conjugais. Seguir-se-iam O Casarão, Escrava Isaura, O Astro, Água Viva, todas com um sucesso tal que pôs meio país a discutir apaixonadamente os amores, os desencontros, as vilanias das personagens de cada trama. Isto sem esquecer a pergunta mais formulada nos lares portugueses ao longo do ano de 1979: «Afinal, quem matou Salomão Ayala?" – o grande mistério de O Astro, só desvendado, como era sacramental, no último episódio.

Da paixão ao mimetismo da linguagem, das atitudes e do vestuário das personagens mais carismáticas não demorou muito. Num tempo em que escasseavam as revistas femininas (a mais popular era a Crónica Feminina, muito tradicional nas suas opções) e num país ainda sem indústria de moda digna desse nome, só a televisão tinha capacidade de sugerir consumos à classe média, nomeadamente aos adolescentes.
Em breve, veremos as raparigas das escolas a comprarem réplicas do crucifixo de Escrava Isaura ou do brinco em forma de raio ou da bolsa de franjas usados por uma muito jovem Glória Pires na telenovela Água Viva.
Um breve olhar pelas publicações da época demonstrará que, graças à novela Dancin’ Days, marcas brasileiras como os jeans Staroup entrarão pela primeira vez no nosso país, prometendo aos seus potenciais compradores o charme das noites cariocas. Exibida pela RTP entre novembro de 1979 e julho do ano seguinte, Dancin’ Days, com o selo da Rede Globo, revelou ao nosso país um Rio de Janeiro sofisticado e moderno, com uma atmosfera mais semelhante à do filme Febre de Sábado à Noite (com John Travolta) do que à de qualquer cidade portuguesa.

Com um elenco composto por Sónia Braga, Joana Fomm, Reginaldo Faria ou Antônio Fagundes, revelaria também aos espetadores uma nova geração de atores (Glória Pires, Lídia Brondi, Lauro Corona) que teve grande impacto junto dos adolescentes portugueses e brasileiros. A moda, as atitudes, o vocabulário, a música das Frenéticas (que interpretavam o tema principal da novela) entraram facilmente no quotidiano de escolas, empregos e jantares de família.
A histórica figurinista da Globo, Marília Carneiro, recordaria mais tarde (em várias entrevistas e nas suas próprias memórias, No Camarim das Oito) como o sucesso da telenovela marcou um ponto de viragem para o público e, naturalmente, para todos os envolvidos na produção: "Dancin’ Days foi um divisor de águas na minha carreira. Antes, eu só tinha feito Rebu e Gabriela, meu trabalho tornou-se muito mais reconhecido. Depois foi um momento mágico. O texto do Gilberto Braga era ótimo, uma obra-prima. A classe A começou a acreditar em novelas porque se viram bem retratados ali. Antes, novela era coisa apenas dos empregados. Só se falava nisso!".

Como símbolo de tanta exuberância ficariam as meias de lurex brilhante usadas com sandália de salto alto, imitadas até à exaustão deste e do outro lado do Atlântico, possivelmente contra todas as previsões da sua "criadora": "Vi na capa de um disco o pé de uma mulher usando a meia com salto alto e trouxe para a novela. Não imaginava que ia fazer esse sucesso todo. Até minhas filhas queriam usar, mas eu proibia. Virou um fenómeno, se espalhou da noite para o dia."
Também em Portugal se pode dizer que os exuberantes anos 1980 começaram ao som das Frenéticas. Em horário nobre, as famílias portuguesas serviam, à mesa de jantar, as intrigas amorosas passadas na ultra-moderna discoteca Dancin’ Days. Era tudo lurex, brilhos e noites sem fim: "Abra as suas asas/Solte suas feras/Eu quero ver esse corpo livre, leve e solto."
No final dessa década (em 1988) surgiam no mercado três grandes revistas femininas, em que a Moda desempenhava papel importante: Máxima, Elle e Marie Claire. Alguns jornais e revistas generalistas, como o semanário Independente (no seu caderno 3) ou a revista K, dedicaram uma atenção crescente ao setor, revelando novos modelos, novos fotógrafos e novos criadores. Estava preparado o terreno para a primeira edição da ModaLisboa, em 1991.
