O que dizem os astros?

Porque é que as novas gerações estão a procurar na astrologia a resposta para as suas dúvidas e problemas? Deixámos o ceticismo de lado e fomos investigar.

14 de setembro de 2017 às 07:00 Carlota Morais Pires

Acabei de sair da minha primeira consulta de astrologia e liguei a um amigo. Afinal, o Leão no meu mapa astral vem explicar as minhas questões com o ego, todas elas muito pouco típicas de uma Aquariana, que é sempre livre e despreocupada. Ele ri-se do outro lado: "Não sei como é que acreditas nestas coisas." Mais tarde, enquanto jantávamos, queixa-se de viver rodeado de Balanças e de "pessoas de ar", isto é, descomprometidas com tudo em geral e habituadas a viver com a cabeça nas nuvens.

Passado um dia, e porque era o início do mês, a minha irmã ligou-me a perguntar se tinha lido o que a Susan Miller previa para setembro – para mim, supostamente, vai ser um bom mês para começar a organizar-me financeiramente. Não somos as únicas com uma óbvia obsessão pela app do Astrologyzone (para leigos, o site da Susan Miller, uma das astrólogas mais relevantes agora) – no meu grupo de amigos a dependência é generalizada. Imagino uma senhora de 50 anos vestida com um tailleur Chanel, com o cabelo armado, colares de pérolas e ar sábio, sentada numa biblioteca a traçar riscos a lápis num sistema solar a régua e esquadro. Por alguma razão confio no que diz, mesmo que racionalmente consiga perceber que ninguém pode adivinhar concretamente o futuro. E sei que não sou a única – também as pessoas à minha volta encontram justificações para tudo na sintonia (ou caos, não raras vezes) do alinhamento de planetas correspondente à hora em que nasceram.

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Porque é que procuramos tantas respostas para as nossas vidas na astrologia? "As pessoas que marcam consulta comigo vêm sempre motivadas por alguma crise, por algum acontecimento que as forçou a procurar um reajustamento", conta a astróloga Karina Almeida. São sobretudo mulheres entre os 27 e os 50 anos que a procuram mas, nos últimos anos, também os homens querem aprender mais sobre eles próprios e a influência dos planetas nas suas vidas. "Há cada vez mais pessoas com vontade de dar um passo diferente e que procuram na astrologia o autoconhecimento, não importa tanto a idade ou o género, mas as gerações mais novas questionam-se mais", explica. "Enquanto vivíamos uma era ligada sobretudo ao desenvolvimento das crenças religiosas, eram poucas as pessoas que questionavam as crenças e os valores que lhes eram impostas. As novas gerações, curiosas e perspicazes, têm vontade de saber mais, de questionar, de pôr tudo em causa e procurar conhecimento", diz Karina. "Está também relacionado com a era de Aquário em que vivemos agora, e que nos leva a procurar a nossa individualidade em vez de nos alinharmos com o que a sociedade espera de nós."

"Adoro astrologia e não quero saber se é ou não precisa. É divertido, não prejudica ninguém e, como qualquer Leão orgulhoso, há poucas coisas que me dão mais prazer do que ler textos sobre mim na Internet", diz Callie Ahlgrim num texto que assina para o blogue norte-americano The Man Repeller. A jornalista, que também escreve o seu próprio blogue sobre os signos e as suas características, parece conseguir resumir a forma como os millennials, isto é, as gerações de 2000, olham para a astrologia. É descomplicado e, acima de tudo, é curiosa a forma como tudo parece fazer sentido quando olhamos para nós próprios e para as características dos nossos signos.

Mais desalinhados com a realidade parecem estar os horóscopos – como é possível existir uma previsão de futuro que sirva a um grupo tão alargado de pessoas tão diferentes? "Estudo astrologia evolutiva e, embora admire o trabalho de muitos astrólogos que escrevem horóscopos, sinto que as previsões mensais são muito limitadas. É muito mais complexo que isso: temos signos diferentes nos nossos mapas e essa individualidade é generalizada num horóscopo, que acaba por ser vago e pouco preciso", esclarece a astróloga.

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A astrologia também abraça outras esferas e disciplinas. Procura alargar-se, estende-se à psicologia e à sociologia, analisa a forma como nos comportamos isoladamente e com os outros. Obriga-nos a olhar para dentro, a questionar o que fazemos e, a partir desse prisma, pode ser uma ferramenta de autoanálise que as novas gerações estão a procurar para conseguirem resolver mais facilmente os seus problemas. "Não faz sentido desresponsabilizar-nos das nossas ações para culpar os astros", ri Karina. E isto vale mesmo quando Mercúrio está retrógrado. "Nós somos absolutamente responsáveis pela nossa vida e pelo nosso destino, por escolher o caminho A, B ou C. Mas se nos conhecermos melhor, podemos fazer escolhas mais acertadas e compreender mais facilmente a origem dos nossos problemas e a melhor forma de os resolver. O melhor exercício é estudar, pensar e questionar tudo, sempre."     

"Somos curiosos, principalmente em relação ao que não conhecemos. Queremos saber os possíveis motivos de estarmos aqui, neste planeta, neste corpo, porque somos quem somos, se existe algo para além de nós ou se existe algo depois de morrermos e o quê. Podemos procurar respostas para estas questões existenciais em diversos períodos da nossa vida mas é sobretudo na adolescência e início da fase adulta que nos esforçamos para dar sentido ao nosso eu", explica a psicóloga clínica Jordana Pinto Cardoso. "Penso que quem procura respostas na astrologia irá à procura de uma forma de se conhecer melhor, de soluções para os seus problemas, de uma espécie de ferramenta para se sentir mais em controlo em relação aos desafios que poderão surgir", continua a psicóloga. Mas, como também esclarece a astróloga Karina Almeida, é importante não atribuir a outros a responsabilidade sobre os nossos próprios problemas.

"Será que percebo e aceito a volatilidade das coisas à minha volta e em mim, que tudo surge e tudo desaparece em algum momento – sejam emoções, pensamentos, relações, empregos e a própria vida? Delego totalmente no exterior (noutra pessoa, entidade ou fenómeno) o poder que tenho sobre a forma como lido com as situações que vão surgindo? Acredito que tenho recursos dentro de mim para lidar com os desafios ou estou à espera que algo exterior surja ou resolva as situações por mim?", questiona a psicóloga. Estas são as pistas para compreendermos realmente se procuramos na astrologia uma ferramenta para nos conhecermos melhor ou apenas uma forma de nos desresponsabilizarmos do que acontece nas nossas vidas. Mas a vontade de fazer perguntas já é um (bom) primeiro passo. "Acredito que hoje temos mais liberdade para questionar do que algumas gerações anteriores a nós e do que outras culturas contemporâneas, e basta pensar na Inquisição, nas ditaduras ou no autoritarismo na educação. Por outro lado, também podemos viver tempos em que sentimos uma grande vontade de acreditar em alguma coisa e explorar isso – e é muito saudável termos um ambiente seguro à nossa volta que nos permita questionar e expressar as nossas dúvidas e inquietações sem julgamentos."

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