Ryan Gosling - Candidato à sedução
Não é fácil para Ryan Gossling largar as personagens que habita. Como não será fácil para o público esquecer o seu nome.

Ryan Gossling é o actor de quem se fala. E falar-se-á ainda mais quando surgir o cartaz do filme The Ides of March, com estreia marcada para 10 de Novembro, em que o seu rosto é dividido ao meio com o de... George Clooney a segurar uma edição da revista Time com o título Será este o novo Presidente? A figura impressiona e sugere diversas leituras. Desde logo, o lado de mestre e discípulo político sugerido no filme. Esta combinação entre os dois actores é de resto sublinhada pelos colegas que apontam o musculado actor canadiano como um galã predestinado ao mesmo magnetismo de Clooney, que também realiza o filme.
Gossling é um sedutor nato. Mesmo (ou talvez) porque sempre recusou uma carreira facilitada. Começou por cativar-nos da forma mais improvável no papel de um judeu assumidamente nazi (no impressionante The Believer), conquistando depois o público feminino no eterno romântico O Diário da Nossa Paixão (2004), baseado no best-seller de Nicholas Sparks. O intenso olhar deste loiro de olhos azuis confirmou-se o ano passado no ecrã no longo romance com Michelle Williams em Blue Valentine – Só Tu e Eu.
Mesmo com uma carreira feita no cinema independente, Gossling conta já com uma nomeação ao Óscar, no papel de professor toxicómano em Half Nelson, e arrisca-se a sê-lo de novo este ano no papel deste candidato político envolvido num irresistível jogo de sedução durante a campanha para a eleição do candidato à Presidência do Partido Democrata americano.
Hoje, Gossling tem o privilégio de recusar papéis de super-herói e até de escolher o realizador e cast. Isso aconteceu ainda este ano com o filme Driver, de Nicolas Winding Refn, onde contracena com Carey Mulligan, apresentado em Cannes, e que nos deu a oportunidade de o voltar a encontrar.
Sorridente, envergando uma camisa de alças, que revela o seu porte atlético, barba por fazer e óculos de massa, Gossling cumprimenta-nos com um aperto de mão vigoroso. É difícil não notar as tatuagens coloridas e até a preferência por usar sapatos italianos sem meias. Um homem de contrastes, em que o seu sorriso de criança esconde, afinal de contas, uma infinidade de personagens. A entrevista decorreu em tom descontraído, com as ondas calmas da baía de Cannes em banda sonora. Foi aí que ficamos a saber que a sua invejável forma física se fica a dever ao... bailado. E que as tatuagens de um lobo e um coração em sangue nos bíceps foram inspiradas numa... história infantil. Falámos ainda da sua banda musical e abordámos até o problema de fala que teve antes de se converter no mais creditado actor da sua geração. Apanhamos então o actor num momento feliz, uma espécie de ritual de passagem entre o relativo desconhecimento e... a total consagração.
Antes de mais, deixe-me dizer-lhe: você pode não ser um super-herói, mas vê-se que se mantém em impressionante forma física.
Obrigado.
Dedica muito tempo a fazer musculação, é?
Eu não faço musculação. Faço bailado.
Bailado?! A sério? Não me diga?
A sério. Apenas faço bailado. E alguma ginástica.
Na verdade, desconhecia em absoluto que se podia ficar com esse físico fazendo apenas bailado... Mas acha que a dança o ajuda também do ponto de vista psicológico a criar uma certa estabilidade?
Eu acho que a representação é um pouco como dançar. Como comecei cedo a treinar bailado, tudo acaba por ser mais fácil. No fundo, é uma actividade muito intensa que mexe com todos os músculos. Nesse sentido, é bom para tudo.
Acha muito pessoal se lhe perguntar o significado das suas tatuagens?
É sobre um livro que a minha mãe me costumava ler. Representa um lobisomem a largar um coração ensanguentado. E um fantasma a visitar o seu próprio esqueleto.
Parece macabro. Que história era essa? Parece terrível para uma criança...
É a The Giving Tree... Não conhece?
Pois, não pertence à minha cultura... Mas fale-me então da oportunidade que teve em contracenar e ser dirigido pelo George Clooney em The Ides of March?
Foi óptimo. À hora do almoço já tínhamos acabado o nosso dia de trabalho. Ele não faz mais do que dois ou três takes e sabe exactamente o que quer. Três semanas depois de termos terminado já ele tinha feito a sua montagem final.
Como é o George no set? É um tipo sério?
É determinado e não perde tempo. Foi um prazer trabalhar com ele.
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Do que trata o filme?
É baseado numa peça intitulada Farragut North, de Beau Willimon, sobre as Primárias democratas. Ele é o candidato democrático e eu sou adido de imprensa. Pelo meio, evoluem várias histórias paralelas. Entram ainda a Evan Rachel Wood, o Philip Seymour Hoffman e o Paul Giamatti, entre outros.
Entretanto, participou também em Amor Estúpido e Louco. Quer descrever um pouco essa sua personagem?
É um filme com três relações amorosas que se relacionam entre si. Eu tenho também algumas cenas com o Steve Carrel. Foi muito divertido.
A verdade é que o Ryan começou por interpretar um nazi em The Believer e foi depois um herói romântico em O Diário da Nossa Paixão. Parece estar muito satisfeito com a sua carreira, com o rumo que tem levado, concorda?
Sim, não me posso queixar.
Não é um pouco difícil por vezes ter de recusar todos os grandes projectos que lhe apresentam? Como o Lone Ranger, por exemplo... É verdade?
É verdade. Eu queria fazer uma versão gay do Lone Ranger mas não me deixaram. É verdade...
[Risos] Realmente, O Diário da Nossa Paixão é um filme que marcou a sua carreira, quer queira quer não. E impôs também uma ideia de galã. Sente isso?
Eu fiz esse filme, não fiz? Não o posso negar. E sei que é um filme que me irá perseguir, o que lhe posso dizer? Mas não podia continuar a fazer esse tipo de filmes.
Teve a sua afirmação há já mais de uma década, mas a verdade é que, apesar do poder que já tem, prefere muita vezes fazer filmes menos óbvios...
Já me têm oferecido fazer vários filmes de super-heróis. Mas, por exemplo, Drive é para mim um filme de super-heróis. E um filme que eu queria fazer.
É verdade que quando era ainda adolescente teve problemas de concentração e de leitura?
Sim, tinha a ver com a memória. De certa forma tinha de tocar em algo tangível para me recordar. É algo que fui fazendo ao longo da minha carreira, tocando em certos objectos durante os ensaios para me lembrar de um dado diálogo ou de alguma acção.
Em Drive oscila entre o tipo muito cool, mas que acaba por revelar-se numa rota de violência. Esse percurso era algo que lhe agradava? Será esse um processo para se transformar também numa espécie de lobisomem como na sua tatuagem?
Sim, é um pouco isso [risos]. Sempre consideramos que a personagem carregava uma grande carga de violência dentro dele. Era uma personagem obscura. De certa forma queria encontrar algum bom para poder escoar essa violência. Queria usá-la para o bem e não para o mal.
Nesse filme, a Carey Mulligan é o seu interesse romântico. Acha que ela tinha medo de andar de carro consigo?
Não, a Carey não tem medo de nada.
A verdade é que neste momento não se livra de ser considerado, pelo menos no universo feminino, como um dos actores com mais charme da actualidade.
Obrigado.
Em Blue Valentine construiu com a Michelle Williams uma verdadeira relação tão íntima que vai um pouco para além do que é costume. Como foi que se desenvolveu esse trabalho?
Foi pura química... O Derek [Cianfrance, o realizador] trabalhou nesta história durante imensos anos e a própria Michelle envolveu-se durante seis. Eu, por exemplo, estive quatro anos com o filme. Vivíamos juntos e não sabíamos nada do filme até estar pronto. Filmávamos durante longas horas, mas sem ter a noção exacta da narrativa como se vê no filme.
É na verdade um filme muito íntimo. Foi complicado fazer as cenas de sexo com a Michelle?
É um filme romântico, não é? Por isso, as cenas de sexo fazem parte dele. A ideia era que existissem tantas cenas íntimas como cenas de conflitos. Estarmos nus um em frente ao outro não era tão complicado como as cenas mais emotivas que tínhamos de fazer. A ideia do realizador era que estivéssemos bastante desconfortáveis. No entanto, este nível de intimidade seria impossível de atingir se não fosse um filme independente. A ideia era pode desafiar as pessoas, bem diferente se fosse um blockbuster.
Isso significa que não estava a ver-se interpretar um super-herói, por exemplo?
Antes de mais, não é nada de muito extraordinário. Isto porque interpretamos contra um ecrã verde. Mas, mesmo assim, tenho de considerar que acaba por ser um desafio contracenar com algo que não está ali. Um dia, alguém terá de ser nomeado a um Óscar por isso...
Foi com alegria a descoberta de representar diante de uma câmara?
Acho que todas as pessoas deveriam experimentar. Muitas pessoas deveriam ter aulas de representação em vez de sessões de terapia. Por vezes, achamos que uma personagem é muito diferente de nós, mas poderá ensinar-nos bastante sobre nós próprios.
Como é que está a sua carreira musical? Vai editar um novo disco?
Estamos a trabalhar num segundo álbum.
Acha que a música lhe dá algo que lhe falta na representação e na dança?
É um pouco isso. A verdade é que tínhamos escrito uma peça de teatro, um pouco no estilo de Robert Wilson, mas como se ele estivesse ainda na primária... Mas como era muito elaborada e uma produção cara, não conseguimos arranjar dinheiro. Foi aí que pensamos em fazer um musical. E como fazer um disco não é caro, tentámos traduzir as ideias todas para música. Só que não sabíamos tocar instrumentos e passámos um ano a aprender. Depois de fazer o disco iniciámos uma digressão. Foi aí que nos tornámos numa banda, o que não estava nos nossos planos. Entretanto, surgiu uma outra ideia para um filme, mas uma vez mais, como era cara de mais, fizemos um disco. Mas há ainda muitos pormenores para afinar.
Depois de dar vida a personagens tão intensas e complexas, até que ponto é para si fácil ou não seguir em frente e abandonar esse passado?
A verdade é que não é nada fácil. É um pouco como estar envolvido numa relação amorosa com uma ex-amante. Seja ela boa, má, curta ou longa. De certa forma, permanecem sempre um pouco no nosso coração. Não é algo de que nos consigamos livrar.
