´Sete personalidades de diferentes áreas viajam no tempo e regressam ao local onde cresceram. Um passaporte carimbado com memórias intimistas, aromas inesquecíveis e sensações partilhadas em exclusivo com a Máxima.
Viagens na minha terra
21 de outubro de 2014 às 06:00 Máxima
Ana Cristina Oliveira, Lisboa
O meu roteiro…
Batata Doce
“É um pequeno restaurante em Santos-o-Velho, onde se come as melhores pataniscas de bacalhau. É aí que os vizinhos da zona se juntam e conversam sobre jazz e leem poesia às quintas-feiras.”
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Sr. Abílio “Também em Santos, é simples, modesto e bairrista. Para mim, tem os melhores caracóis de Lisboa.”
Sr. Vinho “É a melhor casa de fados de Lisboa. O serviço é excelente e amigável. Um must para jantar com amigos estrangeiros, para sentirem o que o fado provoca na alma.”
Basílica da Estrela “É sempre impossível não entrar quando se passa por este marco de Lisboa.”
A pé… “Comece no Jardim da Estrela e desça até ao Largo do Rato, ao Príncipe Real e ao Chiado. Depois, há duas opções: rumar à Baixa ou ao Cais do Sodré. Neste passeio pode encontrar todo o tipo de lojas, miradouros, cervejarias e cafés de renome.”
É modelo e atriz e reside atualmente em Los Angeles. Na moda, foi capa de grandes revistas e conheceu a ribalta graças a um mediático anúncio da marca Levi’s. Na representação, foi protagonista de Odete, de João Pedro Rodrigues, e participou nas superproduções internacionais Taxi, Miami Vice e CSI: Miami.
“Estou há cerca de vinte anos nos Estados Unidos e consigo ver coisas positivas em ambos os países. Em Los Angeles, nos negócios não és inferior por seres mulher e ninguém se sente ofendido quando o tema é dinheiro. Por outro lado, o que faz falta é a convivência e o prazer de jantar ou almoçar fora para aproveitar a companhia dos outros. Mal pedes a sobremesa, chega a conta. Tudo tem um limite de tempo.
Apesar de estar completamente integrada, há cerca de dois anos comecei a sentir falta de tudo o que é ‘nosso’. Mesmo sem conseguir encontrar a couve certa em Los Angeles, já tentei fazer caldo verde. E ainda há pouco tempo dei por mim a pesquisar no Google ‘sardinhas assadas’, o que me transportou logo aos Santos Populares. Talvez seja por isso que assim que chego à Lapa, onde é a minha casa de família, subo a rua para comprar um frango assado. Em Portugal, sinto o conforto da vizinhança que nunca muda, do saber que há coisas que serão sempre estáveis e de que os meus bons amigos estarão sempre à minha espera.”
Cleia Almeida, Coimbra
Recém-mamã, é uma das atrizes mais conceituadas da sua geração. O seu curriculum inclui peças de teatro de Tchekhov, Shakespeare e Gil Vicente e, no cinema, participou em obras como Noite Escura e Sangue do Meu Sangue, de João Canijo. As telenovelas Dancin' Days e Sol de Inverno também fazem parte do seu percurso.
O meu roteiro… As universidades “O movimento estudantil e todo o ambiente universitário é realmente digno de observar.”
Restaurante Zé Manel dos Ossos “Ideal para comer ossos, um petisco local.”
Ponte de Santa Clara “Faça o trajeto e não perca o rio de vista.”
A Escola da Noite “Assista a uma peça desta que foi a primeira companhia de teatro profissional onde trabalhei e passei momentos maravilhosos.”
A pé… “Visite a Sé Velha e passeie pela Baixa!”
Restaurante Zé Manel dos Ossos “Ideal para comer ossos, um petisco local.”
Ponte de Santa Clara “Faça o trajeto e não perca o rio de vista.”
A Escola da Noite “Assista a uma peça desta que foi a primeira companhia de teatro profissional onde trabalhei e passei momentos maravilhosos.”
“Foi com 17 anos que deixei Coimbra e a expectativa não podia ser maior. Vinha para Lisboa para estudar, mas a integração acabou por ser um pouco mais difícil do que esperava. As distâncias são muito maiores e fazia-me confusão que as pessoas não se falavam nos transportes públicos. Na minha cidade, quando se apanhava um autocarro havia sempre, pelo menos, dois conhecidos.
Ao chegar ao Conservatório de teatro, cheguei a perguntar porque é que não se usava batina. Em Coimbra, toda a vida roda em torno da universidade, das tunas, das queimas das fitas e do fado que tanto me emociona e é tão diferente do que se canta em Lisboa… Os meus próprios pais conheceram-se na faculdade e o meu pai fez serenatas à minha mãe.
Da minha infância lembro-me também das idas ao restaurante Safari, dos passeios no Jardim da Sereia e das idas ao café com o meu pai, onde todos nos reuníamos para conversar. Sempre no mesmo sítio, ao contrário de Lisboa, onde um dia é num café e no outro dia é noutro.
Hoje, continuo muito ligada ao meu pai e nunca cortei laços com Coimbra. Quando tenho saudades, pego no carro e lá vou eu. Já faço a A1 de olhos fechados…”
Vicente Alves do Ó, Sines
O meu roteiro…Pastelaria Veladoura “É a ‘Brasileira’ de Sines, com os melhores pastéis de nata.”
Trinca Espinhas “É um restaurante em São Torpes onde tudo é delicioso. Polvo, camarão tigre, dourada ao sal…”
Centro Cultural Emmerico Nunes “Foi onde trabalhei e fiz teatro.”
Ilha do Pessegueiro “É um local misterioso e absolutamente fascinante.”
É autor, argumentista, professor e realizador de obras cinematográficas como Florbela e Quinze Pontos na Alma. O seu mais recente livro, Florbela, Apeles e Eu acaba de ser lançado pelas Edições Chá das Cinco.
“Curiosamente, sou da teoria que as pessoas não deveriam crescer nas grandes cidades. A falta aguça a vontade e engenho e, de facto, Sines fazia-me dar muito mais valor ao que alcançava. Podíamos brincar até à noite na rua sem problemas de segurança, mas só tínhamos cinema ao fim de semana, teatro uma vez por mês e havia uma livraria onde não chegavam todas as novidades. Isso fez com que desde miúdo a Biblioteca Municipal e o Centro Cultural passassem a ser as minhas casas favoritas.
Não cresci numa família ‘tipo’ e nunca tive regras rigorosas. Todos os rituais que vivi ao crescer foram criados por mim. A minha mãe era uma católica não praticante, mas tornei-me praticante a partir dos oito anos e ia à missa sozinho, ao domingo, às onze da manhã. Sempre tive uma enorme liberdade, poucos horários e isso fez-me crescer sem ser um carneirinho. E essa foi a maior dádiva da minha mãe. O único costume que tínhamos era ir ao sábado de manhã à pastelaria, onde eu podia comer o que me apetecesse. Todos os pastéis de nata e bolas de Berlim, sem restrições.
Sines tem uma baía e posso dizer que cresci na praia, tanto no verão, como no inverno. As minhas memórias são neste sítio onde namorei, onde estive com os amigos… Era para aí que fugíamos e era essa linha do oceano que nos fazia ambicionar outras coisas, era uma fuga daquela realidade pequena onde vivia.
Além do espaço físico, tenho saudades da sensação de sair depois do jantar e chegar ao café onde ia sempre e onde estavam todos os meus amigos. Fazíamo-nos companhia uns aos outros, mas também nos educávamos. Tinha um grupo muito heterogéneo, mas que se influenciava através das leituras, do cinema e das próprias ambições. Essa ideia de conforto é algo que não existe em Lisboa.
Comecei a sentir alguma claustrofobia depois dos 20, quando os meus amigos começaram a ir para a capital. Foi aí que senti que Sines não me poderia dar o que eu queria. Aos 27 anos, mesmo com a vida organizada, parti para Lisboa, em busca do sonho do cinema.”
Gabriela Canavilhas, S. Miguel e Flores, Açores
O meu roteiro…
Lagoa das Sete Cidades “Mas a zona junto à água! Quando era pequena lembro-me de o acesso ser difícil, mas a neblina constante confere uma magia única, como um Éden.”
Caloura “É uma zona na costa sul de S. Miguel. O acesso ao mar é maravilhoso e há uma encosta de vinhas onde se produz um vinho único.”
Furnas “São muito importantes para os micaelenses. O cheiro intenso, o calor e o vapor que paira no ar marcaram a minha infância.”
Igrejas “Há inúmeras espalhadas pelas várias freguesias, com basalto nas fachadas, e o seu aroma a criptoméria e incenso. Aos 15 anos tocava nas missas e, num domingo, chegava a correr cinco igrejas, estilo tournée.” [Risos]
A Colmeia “Agora é um conceituado restaurante e hotel, antes era o Conservatório onde me iniciei na música. Ainda hoje, fecho os olhos e sinto o cheiro a madeira antiga e das teclas de marfim do primeiro piano onde aprendi.”
Com um curriculum vastíssimo, é uma das mais brilhantes pianistas portuguesas, tendo sido responsável pela Orquestra Metropolitana de Lisboa e diretora artística e fundadora do Festival MusicAtlântico, nos Açores. Depois de ocupar o cargo de ministra da Cultura é, atualmente, deputada do Partido Socialista.
“Uma frase de Raul Brandão dizia que ‘o que as ilhas têm de mais belo e as completa é a ilha que está em frente’ e, nos Açores, isso faz todo o sentido. A noção de arquipélago só se tem quando se sai de S. Miguel e o facto de ter aí sido educada marcou-me, não pelo isolamento mas por me fazer sentir cidadã do mundo, algo comum aos açorianos. Como não havia televisão lia bastante e a música e a pintura moldavam a minha mente. A vida num local mais isolado pode ser aproveitada e a distância do continente deu-me um mundo imenso.
Apesar de se sentirem grandes diferenças entre ilhas, há pontos em comum que unem todos os açorianos, especialmente a forte ligação à religião e ao Espírito Santo. Pequenas tradições, como a matança do gado, onde se toca uma música de sonoridade celta e se enfeitam as vacas, são de uma enorme riqueza. Uma das características que também me marcou é a natureza fortíssima dos Açores. Diz-se que o Homem é individualidade e circunstância, mas é também geografia e natureza. A nossa resistência às dificuldades diárias – o mar violento, as chuvas intensas, a força do vento e um passado de corsários e piratas – torna os açorianos muito resistentes.
Talvez por isso nunca tenha perdido o diálogo com as minhas origens. Mesmo em Paris, ou num destino tão longínquo como a Ásia, não deixo de me sentir açoriana. Isso fez-me ter o sentimento de missão que me levou a promover vários eventos culturais e, mais tarde, dedicar-me à política. Havia um enorme atraso e foi durante os dez anos em que dirigi o Festival MusicAtlântico que se compraram os primeiros pianos, que se ouviu pela primeira vez uma ópera ou se tocou a sinfonia n.º 9 deBeethoven ou o Requiem de Mozart. Fico feliz por ter participado na criação de um novo espírito crítico.”
Rui Massena, Vila Nova de Gaia e Porto
O meu roteiro…
Praia do Atlântico, Valadares “Está cheia de pocinhas, onde se encontram peixes e caranguejos. É maravilhoso para ir com os filhos.”
Academia de Música de Vilar do Paraíso “É um edifício extraordinário, moderno, onde se estuda música e se constroem relações humanas ímpares.”
Afurada “Oferece bom peixe grelhado com vista para a foz do rio Douro. É muito relaxante.”
Parque Biológico de Gaia “É um espaço que privilegia o contacto com a natureza.”
Passeio marítimo de Gaia “São quinze quilómetros de costa em passadeira de madeira, construída com as traves que suportavam os carris do comboio.”
É um dos mais reconhecidos maestros e compositores nacionais, tendo sido o primeiro português a dirigir no histórico Carnegie Hall, em Nova Iorque. Além do repertório clássico, já colaborou com nomes contemporâneos como Da Weasel e Expensive Soul.
“Nasci em Mafamude, Vila Nova de Gaia, e da minha cidade natal recordo o nevoeiro matinal, o perfume intenso a mar das praias em julho e agosto, o rio Douro visto do Mosteiro da Serra do Pilar e a companhia do meu avô Massena. Foi no Norte que comecei a estudar música, com o compositor César de Morais. Passados dois anos, aconselhou-me a ir para a Academia de Música de Vilar do Paraíso, onde conheci o prazer de tocar em conjunto e construi a ideia de que a música sem as pessoas não tem importância nenhuma. O primeiro concerto a sério foi no Coliseu do Porto, na festa final da Academia. Não me lembro o que toquei, mas foi a quatro mãos.
Em casa, semanalmente, os meus pais recebiam amigos e havia reuniões dançantes. Alguns tocavam, conversava-se muito e, apesar de detestar que o meu pai me pedisse para tocar, lá mostrava o rapaz as suas habilidades.
Sendo de Vila Nova de Gaia, o Porto representava passar a ponte. Era o Coliseu, o Rivoli, o Estádio das Antas, onde ia religiosamente com o meu pai… Hoje é aqui que vivo e acredito que a cidade oferece o cosmopolitismo das grandes urbes europeias, junto com um temperamento moderado dos climas do Norte da Europa. A cidade é vibrante no seu património histórico, bem como na vivência artística quase subversiva e não institucional dos seus artistas. O meu recanto favorito? Gosto muito do Café Velasquez, nas Antas. E, obviamente, a minha casa.”
Andreia e Alice Contreiras, Loulé
O nosso roteiro…
Ilha do Farol “Fica entre Faro e Olhão e é onde passávamos férias até aos 14 anos. Não perca o excelente restaurante À do João.”
Pego do Inferno “É uma cascata em Tavira que nos deixou maravilhadas quando a visitámos pela primeira vez.”
Ponta da Piedade, Lagos “Aconselhamos a travessia de barco pelas praias. É muito bonito.”
Zona antiga de Albufeira “É onde íamos almoçar e passear com os nossos pais ao domingo. Traz-nos excelentes memórias.”
São irmãs gémeas e trabalham como modelos em Nova Iorque, maioritariamente em dupla. Já foram fotografadas para títulos como Vanity Fair e Harper’s Bazaar e emprestaram a imagem a marcas como ModaLisboa, Ana Salazar, Simons ou Target.
Andreia Contreiras
“Crescemos numa aldeia a sete quilómetros de Loulé e o facto de vivermos no campo fez com que tivéssemos sempre muita liberdade. A nossa infância foi maravilhosa e lembro-me de brincarmos muito na rua e de andarmos de bicicleta. Vivíamos com os nossos pais e avós e éramos uma verdadeira dor de cabeça, sempre a aprontar. Por vezes, decidíamos fugir de casa e ‘acampávamos’ debaixo da árvore mais próxima. O verão era a nossa época favorita, sinónimo de praia e longos almoços em família.
Quando saímos do Algarve para morar em Lisboa, a diferença foi tremenda. Na nossa terra natal podíamos confiar em toda a gente, as pessoas eram mais simples e sem a mania das grandezas. Tivemos de nos adaptar. Depois, começámos a viajar e o choque foi ainda maior, mas a experiência de correr o mundo é boa porque nos faz crescer. Na minha adolescência era muito tímida e tinha até vergonha de dizer ‘bom dia’. Lá fora, quer queiramos quer não, somos obrigadas a desenrascar-nos e o mundo ganha outra perspetiva.”
Alice Contreiras
“Ainda hoje é no Algarve que estão os nossos melhores amigos, que conhecemos desde a escola. Sempre que podemos reunimo-nos com eles num pequeno café em Loulé, onde íamos depois das aulas. É, decididamente, um lugar onde ainda gosto muito de estar com a minha irmã. O cenário algarvio é o oposto de Nova Iorque, onde vivemos desde 2009. Esta cidade é completamente diferente de todas as outras, com uma cultura distinta da Europa. A integração foi fácil, pois com o apoio da minha irmã não me senti tão longe de casa, e o Skype dá uma ajudinha. Falamos com a nossa mãe todos os dias e, sempre que há um trabalho na Europa, tentamos ir a casa. Como cozinhar não é o nosso forte, quando sentimos muito a falta de casa vamos a New Jersey, onde há uma enorme comunidade portuguesa, com restaurantes ótimos. Dá para enganar a fome… E a saudade.”