O adeus a Maria Barroso

Eterna primeira-dama, atriz e fundadora do PS, Maria Barroso partiu com 90 anos, deixando-nos um legado cultural, político e humanitário inigualável para uma mulher do seu tempo.

Em 1966
07 de julho de 2015 às 13:40 Máxima

Em 1943 diplomava-se em Arte Dramática e mais tarde, em 1951, licenciava-se em História e Filosofia, na Faculdade de Letras de Lisboa, onde se cruzou pela primeira vez com Mário Soares.

PUB

"A Máxima – tal como o disse quando festejava o seu 20º aniversário – tem sido uma revista que, desde o seu aparecimento, tem desempenhado um papel importante no setor da cultura. Até no reconhecimento do valor das mulheres, estimulando-as e atribuindo-lhes prémios que dão a conhecer esse valor, as suas grandes capacidades no mundo da cultura. E esse tão importante papel tem sido constante, não enfraquecendo com o tempo, muito pelo contrário, intensificando-se e contribuindo para o enriquecimento desse setor tão importante da sociedade. A persistência nessa magnífica de dar revelo ao papel da mulher no campo cultural – e não só! – tem sido uma das suas mais importantes contribuições no justo e indispensável relevo a dar-se a esse papel. Por isso, é sempre agradável pegar na revista, folheá-la e lê-la com atenção e até levando-a junto das camadas da população que a desconhecem. Não se trata de uma revista de futilidades, mas de uma revista que se impõe pelos conhecimentos e notícias que transmite e cuja leitora constitui um prazer imenso para quem a lê. Aliás, será justo destacar as ilustres figuras que não só a criaram como aquelas que, fiéis ao pensamento dessas primeiras grandes mulheres, a continuaram e continuam a impô-la a nossa admiração e grande apreço." (Maria de Jesus Barroso Soares, na Máxima nº 301, uma edição comemorativa dos 25 anos da revista).

Só não fez o curso de Direito porque o destino – e a relutância de Mário Soares – assim não o quis. Era uma mulher de ideias fixas, de aspirações inabaláveis e no rosto lia-se-lhe a vontade de que a vida fosse infungível. Maria de Jesus Barroso tinha acabado de completar 90 anos. "Sinto que estou quase a partir, que se aproxima o momento", revelou há meses, numa última entrevista ao jornal i.

Há quem olhe para si por dois prismas: como a mulher de Mário Soares ou a Maria Barroso – mas só o segundo lhe faz verdadeiramente jus. Numa só vida, incrivelmente cheia, conseguiu ser exemplar no papel de atriz, figura política, professora e poeta, além de mãe, esposa dedicada, defensora das causas humanitárias com que se foi cruzando.

Um ano depois de se licenciar em Arte Dramática estreou-se na peça de Jacinto Benavente, Aparências, sob a direção de Palmira Bastos e os aplausos não se fizeram esperar. Além de ter sido atriz na companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, foi uma das primeiras musas de Manoel de Oliveira, nos filmes  Le Soulier de Satin, Amor de Perdição, Benilde ou Virgem Mãe. Os primeiros poemas disse-os ainda no Liceu Filipa de Lencastre e levou-os mais tarde aos grandes recitais do Teatro Nacional onde dava voz aos poetas do Novo Cancioneiro – que enraiveciam a polícia política que cercava as salas – ao declamar eufórica e firme o poema de Sidónio Muralha: "Já não há mordaças, nem ameaças, nem algemas que possam impedir a nossa caminhada, em que os poetas são os próprios versos dos poemas." Foram esses mesmos versos que lhe custaram o fim da carreira de atriz, na altura em que o Estado Novo proibia a liberdade de expressão, mas que lhe valeram a afirmação pública da personalidade firme e o caráter corajoso com que a conhecemos hoje e sempre.

PUB

Foram talvez esses traços que a conduziram inevitavelmente à esfera política. Em 1969 foi candidata a deputada pela Oposição Democrática e quatro anos depois fundava o Partido Socialista. Foi primeira-dama de Portugal uma década (de 1986 a 1996). Neste período empenhou-se em defender os valores da família, da pátria, da liberdade. Nos anos noventa criou o movimento Emergência Moçambique e impulsionou a abertura do ciclo de realizações do Ano Internacional de Luta contra o racismo, a xenofobia, o antissemitismo e a exclusão social.

Escapou à prisão e a sucessivas perseguições políticas, casou com Mário Soares preso, superou o trágico desastre de avião de um dos seus filhos, João Soares, rumou várias vezes ao continente africano para promover, vezes sem conta, a paz e a justiça. Não foi uma vida plena de felicidade, mas fez todos os seus passos valer a pena.

Maria de Jesus Simões Barros imortalizou quase um século com as suas ideias e convicções. E deixou na memória daqueles que nele viveram a recordação de uma mulher dedicada, sonhadora, admiravelmente à frente do seu tempo.

Várias vezes convidada para entregar os Prémios Máxima de Literatura e os Prémios Máxima Mulher de Negócios, Maria Barroso deu algumas entrevistas à revista Máxima que com ela sempre manteve uma afetuosa ligação e profunda admiração, não só pelo seu vínculo à arte e à escrita mas sobretudo pelo seu perfil de mulher pioneira e exemplar.

PUB

Por Rita Avelar

 

1 de 29 / Em 1966
PUB
2 de 29 / Aos 13 anos no Colégio D. António Barroso
3 de 29 / Maria Barroso deu passos na representação nos tempos da universidade, nos anos 40. Aqui no filme "Mudar de Vida", 1967
4 de 29 / Maria Barroso em "Mudar de Vida", de Paulo Rocha
PUB
5 de 29 / Com Mário Soares
6 de 29 / Com os filhos, Isabel e João
7 de 29 / Maria Barroso no documentário de Manoel de Oliveira, Lisboa Cultural
PUB
8 de 29 / Chegada a Santa Apolónia do 'Comboio da Liberdade', 28 de Abril de 1974. Mário Soares à janela com Maria Barroso e Tito de Morais
9 de 29 / No 1º de Maio de 1974 - Palma Inácio, Maria Barroso e Tito de Morais
10 de 29 / No 1º de Maio de 1974
PUB
11 de 29 / Maria Barroso a discursar num comício do PS no verão de 1974
12 de 29 / Em 1976, Maria Barroso com Mário Soares, a votar para as primeiras legislativas
13 de 29 / Maria Barroso, Salgado Zenha e Manuel Alegre nos anos 70
PUB
14 de 29 / Paris, 1981. Mário Soares como secretário-geral do PS chega com Maria Barroso a uma cerimónia no Arco do Triunfo
15 de 29 / Maria Barroso como primeira-dama no Palácio de Belém em Lisboa, 1987
16 de 29 / Com a família
PUB
17 de 29 / Com o Rei Juan Carlos e Sofia da Grécia, em Lisboa, 1989
18 de 29 / Com o Papa João Paulo II durante a visita ao Vaticano em 1990
19 de 29 / Com a família em 1990
PUB
20 de 29 / Com os netos, Maria Mafalda, Maria Inês e Mário Alberto Soares em 1990
21 de 29 / A entregar uma oferta ao Papa João Paulo II, durante a sua visita a Portugal em 1991
22 de 29 / Maria Barroso e Margaret Tatcher
PUB
23 de 29 / Com Mário Soares e com a primeira dama chilena, Leonor Oyarzún, durante a visita oficial ao Chile
24 de 29 / Passeio por praga durante a visita de Estado à República Checa, com Mário Soares.
25 de 29 / Maria Barroso com Pilar del Rio na Fundação José Saramago
PUB
26 de 29 / Maria Barroso, com o marido Mário Soares e Ronald e Nancy Reagan, por ocasião da visita destes a Portugal
27 de 29 / Maria Barroso e Mário Soares, a fotografia escolhida pela Revista Sábado (na edição Nº 583)
28 de 29 / Mário Soares e Maria Barroso
PUB
29 de 29 / Abril de 2015 - Inaugurou em Fafe a exposição 'Símbolos' sobre o seu percurso de vida
PUB
PUB