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Reconstrução mamária: de impensável e supérflua à reconquista da autoestima da mulher

Foram quase 100 anos de luta para que socialmente e cientificamente fosse possível alcançar uma reconstrução mamária satisfatória e aceite como parte integral do cancro da mama. Este procedimento permite à mulher viver com qualidade de vida e é fundamental na conquista da saúde mental.

27 de outubro de 2020 às 07:59 Máxima

Durante mais de 100 anos, a amputação da mama foi considerada o tratamento de eleição para o cancro da mama. Esta técnica radical, descrita por Halsted em 1882, envolvia a ressecção da mama e, ainda, de todos os músculos peitorais e gânglios linfáticos axilares – o que levava a um defeito extenso com uma deformidade torácica importante, ausência da mama, apagamento da linha axilar anterior e cicatrizes gigantes.

Nesta época, acreditava-se que a cicatriz conseguia, inclusivamente, bloquear a disseminação do cancro. Portanto, ponderar uma reconstrução era impensável: não só a valorização da imagem corporal e da autoestima eram consideradas supérfluas, como a eliminação de uma grande cicatriz podia oferecer um impacto negativo na cura.


Qualquer mulher que sequer referisse gosto em ver a sua mama reconstruída era considerada ingrata, imatura ou mesmo narcisista


Na década de 80, após um estudo de Atkins, os postulados da ressecção mamária foram revistos e passou a ser aceite pela comunidade médica que a mastectomia poderia ser menos radical, poderia ser possível conservar algumas estruturas garantindo na mesma uma taxa de cura aceitável.

Entretanto, os primeiros estudos sobre o impacto negativo da amputação mamária na saúde mental da mulher datam de 1955. No entanto, a década de 60 – pautada por uma atitude também ela sexista na comunidade médica – não foi muito favorável à reconstrução mamária na mulher, sendo que a mama era considerada "um apêndice dispensável". Qualquer mulher que sequer referisse gosto em ver a sua mama reconstruída era considerada ingrata, imatura ou mesmo narcisista. Portanto, nenhuma seguradora cobria este tipo de procedimentos.


Como era possível continuar a ter qualidade de vida, se, todos os dias de manhã ao tomar banho, a mulher se deparava com um souvenir constante de todo o drama pelo qual tinha passado?


Importância que lhe é devida

Fruto da evolução – não só científica mas também social –, podemos considerar que, apenas nos últimos 30 anos, foi dado o devido destaque à reconstrução mamária: afinal, como era possível continuar a ter qualidade de vida (sobretudo, saúde mental), se, todos os dias de manhã ao tomar banho, a mulher se deparava com um souvenir constante de todo o drama pelo qual tinha passado?

A primeira tentativa de reconstrução mamária por Vincenz Czerny, em 1895, foi às custas da transferência de um lipoma lombar gigante para o lugar da mama. Já no início do século XX, cirurgiões como Verebely e Bartlett recorreram à transferência de gordura de outras regiões do corpo – de facto, cerca de 50% do volume de uma mama normal é constituída por gordura. Mas a reconstrução mamária não pressupõe apenas adicionar volume: é preciso ganhar tecido, ganhar pele que se perdeu.


A radioterapia constitui um dos tratamentos – por vezes necessário – que destroem células malignas e não só – estraga também o genoma das células boas circundantes, dando origem a radiodermatite, ou seja, à inflamação e perda da elasticidade da pele que outrora era normal


Nas mulheres não submetidas a radioterapia, este passo afigura-se, teoricamente, mais fácil: a pele mantém a sua elasticidade e, portanto, pode ser colocado diretamente um balão (expansor). Já nas doentes que foram submetidas a radioterapia, nem tanto. A radioterapia constitui um dos tratamentos, por vezes necessário, que destroem células malignas e não só – estraga também o genoma das células boas circundantes, dando origem a radiodermatite, ou seja, inflamação e perda da elasticidade da pele que outrora era normal.

Técnicas alternativas

Para superar isso, os cirurgiões procuraram, inicialmente, soluções plásticas (flexíveis) perto da região mamária – como o músculo das costas, conhecido por grande dorsal, descrito por Iginio Tansini em 1906, e que só mais tarde é redescoberto, em 1976, por Olivari, à luz do contexto sociocultural da época.

É também nesta altura que é descrito o retalho do abdómen por Carl Hartrampf e melhorado por Robert J. Allen – uma técnica que permite reconstruir a mama com a barriga em excesso. É a primeira vez que uma técnica meramente reconstrutiva oferece como bónus um resultado estético secundário, permitindo à mulher não só ganhar de volta a mama amputada, mas também alcançar um ventre liso. A mulher reconquista a sua vontade, a autoestima, a imagem corporal.

A adicionar a estas técnicas, a necessidade de ganhar volume pode obrigar à utilização de uma prótese mamária. Após ser colocado um balão expansor – que ao longo de algumas semanas é expandido com a infiltração de soro fisiológico através de um portal (como se fôssemos encher uma boia, mas com soro em vez de ar) –, ganhamos espaço e pele mais flexível que permite, a posteriori, que numa segunda cirurgia este balão seja substituído por uma prótese mamária, com forma e dimensões o mais parecidas possível às da mama contralateral.


Atualmente, dispomos de tecnologia de ponta em próteses – como é o caso, por exemplo, das B-lite, desenvolvidas há 10 anos


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Arte de escolher a opção certa

Escolher bem a prótese também tem a sua arte, afinal o espaço que ela vai ocupar não é a mama original, pois perdemos o sulco inframamário, a pele e a forma da mama após a mastectomia. Por outro lado, o volume necessário é muito maior do que num aumento de mama simples, pois precisamos de reconstruir a totalidade da mama.

A ciência também foi obrigada a evoluir desde que foi descrita a primeira prótese de silicone, em 1963, por Thomas Cronin, e utilizada pela primeira vez na reconstrução mamária em 1971. Os primeiros registos referem elevada taxa de complicações (infeção, resultado artificial, contratura, rutura), o que levou os cirurgiões a colocar os implantes atrás do músculo que tinha sido conservado, a esticar a pele com um expansor ou a associar a técnica de retalho (como uma parte das costas ou da barriga já referidos).

Atualmente, dispomos de tecnologia de ponta em próteses, como é o caso, por exemplo, das B-lite, desenvolvidas há 10 anos. Estas próteses, com um peso 30% inferior à custa da tecnologia patenteada de microesferas desenvolvidas para a indústria espacial, acabam por oferecer menos stress sobre os tecidos já enfraquecidos, mesmo quando se utilizam volumes maiores, o que é comum na reconstrução da mama. Além disso, diminuem o risco de queda da prótese com o avançar da idade, as dores de costas e pescoço e o risco de estiramento da mama devido a forças dinâmicas. Um dos detalhes mais interessantes desta tecnologia é o facto de se tratar de uma prótese 100% compatível com a ressonância magnética mamária, o exame preferido no seguimento das doentes submetidas a reconstrução mamária com prótese.

Nos casos em que seja realizada uma mamografia, este gel com microesferas de borossilicato garante maior translucência na imagem relativamente às próteses regulares de silicone. Também garante melhor visualização da cápsula da prótese quando se faz uma ecografia mamária. Este gel especial, arejado, aguenta pressões elevadas como as do mergulho ou das viagens aéreas.


A variedade de técnicas disponíveis permite que a reconstrução mamária seja possível em praticamente todas as mulheres. A chave no tratamento integral desta doença obriga à existência de consulta multidisciplinar


Renascimento da mulher enquanto ser resiliente

Em resumo, desde a introdução da mastectomia radical por Halsted em 1882, a mulher teve de aguardar quase 100 anos para que a evolução social, cultural e técnico-científica permitisse alcançar uma reconstrução mamária satisfatória. Os dogmas e os contextos histórico, psicológico e social exerceram uma influência importante na aceitação da reconstrução mamária como parte do tratamento integral do cancro da mama.

Por outro lado, a evolução científica na oncologia, radiologia, quimioterapia e biologia tumoral permitiram que a mastectomia se tornasse cada vez mais conservadora, poupando pele e até o mamilo. Nos anos 80, a evolução da ciência e a técnica microcirúrgica em cirurgia plástica e da anestesiologia permitiram tempos cirúrgicos mais seguros e prolongados e a possibilidade de colher retalhos de pele e músculo de outras zonas do corpo longe da mama, adequando as soluções a cada pessoa.

Único foco: o tratamento integral de cada pessoa

Atualmente, a variedade de técnicas disponíveis permite que a reconstrução mamária seja possível em praticamente todas as mulheres. A chave no tratamento integral desta doença obriga à existência de consulta multidisciplinar, devidamente organizada e orientada, em que oncologistas, radioterapeutas, anatomopatologistas, ginecologistas, cirurgiões gerais e cirurgiões plásticos devem ter como único foco o tratamento integral de cada pessoa.

A reconstrução imediata da mama garante uma satisfação muito mais elevada do que a reconstrução diferida (uma cirurgia na qual se remove e outra em que se reconstrói a mama).

O alcance precoce de resultados estéticos seguros, livres de doença, é fundamental na conquista da saúde mental, no renascimento da mulher enquanto ser resiliente, que luta pela vida, que luta pelo seu tempo, pela autoestima: que luta por ser inteira outra vez.

Texto escrito por:

Dr.ª Sofia Santareno

Especialista em cirurgia plástica reconstrutiva estética 

Board Europeu de Cirurgia Plástica – FEBOPRAS

Subespecialidade em rinoplastia, cirurgia facial e cirurgia corporal estética

Cédula profissional Ordem dos Médicos 51119