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Sexo, desejo e vida amorosa

O homem não é mais do que um animal erótico? Sexualmente, todas as mulheres tendem para uma revelação quase mística? Refletimos sobre o desejo, o desamor, a separação...

Sexo, desejo e vida amorosa
Sexo, desejo e vida amorosa
13 de março de 2016 às 07:00 Máxima
No seu ensaio Le Sexe ni la Mort [O Sexo nem a Morte], André Comte-Sponville mostra-se desolado por os artistas não se interessarem senão por histórias de amor que acabam mal. Véronique Olmi, escritora, não lhe dará razão com o seu novo romance, que nos fala sobre uma paixão adúltera. 

Véronique Olmi1 - Interesso-me pelo amor que dura, mas as situações de crise, do ponto de vista romanesco, são mais reveladoras. Nesses momentos, são o passado e os desejos de cada um que são invocados. As crises amorosas explicam o resto da existência.

André Comte-Sponville2 - O momento de crise é o quê? É a crise inicial, apaixonar-se. E a crise última, a separação. E, entre estes dois momentos de crise, temos o quê? Temos a vida afetiva real, que dura cinco, dez, 30 anos e, por vezes, dura até à morte. É uma vida que não é feita de momentos cruciais, mas de quotidiano. Agora, eu não tenho nada contra os romances de amor, mas eu não gostaria que, por força de celebrar a paixão, deixemos passar a ideia de que a vida em casal é uma longa praia entediante que se estende entre a crise inicial e a crise final.
'A relação de confiança é, talvez, a virtude mais erótica Véronique - Se, no meu romance, falta amor, é porque o protagonista mente a si próprio. Quando nos curvamos sob o peso de um segredo demasiado pesado, não podemos construir uma relação com outra relação.
André - A nossa experiência amorosa diz-nos que há sempre em nós o desejo de nos prolongarmos, durarmos como casal. O paradoxo é que temos consciência de que isso não durará sob a forma de uma paixão inicial. Portanto, seja porque façamos de conta que ainda estamos apaixonados como no livro de Albert Cohen Belle du Seigneur, ou seja porque inventemos uma outra forma de amar, que não é mais do que o que os gregos chamavam de eros, a paixão amorosa que apenas se sustenta da ausência, da falta do outro, mas antes a “philia”, que traduzimos, de forma simplista, por “amizade”, e que deverá ser entendida como o amor daquele ou daquela de quem não se sente a falta, que partilha a minha vida e cuja existência me alegra. Montaigne lamentava não ter conhecido com uma mulher uma amizade profunda como a que o ligava a La Boétie. Ele tinha razão: fazer amor com o seu melhor amigo, o que pode haver de mais maravilhoso? Estes casais felizes existem. No fundo, eu gosto mais dos casais do que de histórias de amor.
À semelhança do herói de Véronique, não haverá muitos homens que se dividem entre um ideal viril, o qual é suposto subscreverem, e um sofrimento que vem da infância e que eles não são capazes de nomear?

Véronique - O que eu sei é que prefiro, nos dias que correm, ser uma mulher. As mulheres ganham, de dia para dia, mais espaço, seja no universo familiar, seja no profissional. Suporta-nos uma energia formidável. Para os homens, é mais difícil. Pedimos-lhes, ao mesmo tempo, que sejam viris e meigos, que nos suportem e nos deixem ser independentes. Se eu fosse um homem de 30 anos, perguntar-me-ia qual era o meu lugar. Em que é que uma mulher precisa de mim? O que é que ela não pode fazer sem mim?

André - Agora que o fosso entre “a mãe e a prostituta” se amenizou, a dificuldade recaiu, de facto, sobre os homens. É necessário ser, ao mesmo tempo, um guerreiro destemido e um príncipe encantado. Muitos homens sentem-se inibidos, na cama, nomeadamente.
Véronique - É um círculo vicioso: quanto mais o homem tem medo da improficiência sexual, mais se arrisca a falhar. Assim, em vez de tomarem como uma afronta pessoal a menor falha dos homens, as mulheres deveriam admitir que a sexualidade masculina é tão complexa quanto a delas.
André - A melhor forma de ajudar um homem é assegurar-lhe que ele é amado, haja ereção ou não. A relação de confiança é, talvez, a virtude mais erótica, ela é a condição para construir o que quer que seja que resulte do erotismo.
Véronique - A confiança permite responder ao que perguntou: “Até onde queres que eu te leve, que eu te surpreenda?” Por isso, é incrível que já não façamos amor da mesma forma, que o sexo se renove de cada vez, uma vez que a sexualidade é algo tão simples como um homem que penetra uma mulher, uma mulher que recebe um homem.
André - Chegamos a esse erotismo quotidiano dos casais dos quais falamos muito pouco e que eu acho que é muito comovente, muito bonito e muito gratificante. Entre a animalidade do sexo e a civilização do casal, há um contraste que faz parte do encanto erótico único de uma vida a dois.
O André defende um erotismo laico enquanto a Véronique invoca um erotismo em termos místicos...

Véronique - A partir do momento em que não seja apenas um encontro de uma noite, o sexo é, de facto, místico, se pensarmos na dádiva total de nós próprios. Evidentemente que falo nestes termos porque sou crente, mas somos mulheres quando fazemos amor, somos uma totalidade e não apenas pedaços. Fazer amor cuida-nos, salva-nos, leva-nos a um mundo onde somos nós próprias novamente.

André - A Véronique é uma mulher, eu sou um homem, a Véronique é crente e eu sou ateu. São dados que podem condicionar a nossa perceção do fenómeno erótico. Também considero que o sexo é uma revelação, mas da parte mais baixa de mim, a mais animal, aquela na qual eu confio menos. Não é uma condenação. O sexo é delicioso, é o que eu vivi de melhor e de mais forte.
Véronique - O que não impede que haja uma dimensão fortemente espiritual no ato sexual. No meu romance La Pluie ne Change Rien au Désir, falo sobre uma redenção pelo sexo, é a história de uma mulher que se descobre a ela própria depois de uma tarde só de sexo passada no quarto de um hotel. É a história de uma ressurreição.
Isto convence-o, André?

André - Acabei de receber uma carta de uma leitora de 93 anos que viveu durante 60 anos com um homem que ela amou, salvo, diz ela, que “o sexo era, para mim, uma maçada”. E acontece que ela encontrou, há alguns meses, um homem da sua idade com o qual ela teve a revelação da intensidade da vida sexual.

Véronique - Que testemunho magnífico! E que vai contra a ditadura anti-idade que ensombra as mulheres.
André - Todavia, isso não impede que, para a maior parte dos homens, as mulheres muito jovens continuem a ser as mais desejáveis.
Véronique - Que os homens olhem para uma mulher jovem e bonita na rua, eu acho normal. Acontece-me a mim, também. Porém, o erotismo de uma rapariga de 15 ou 20 anos é, de certo modo, grosseiro... Balzac fazia o elogio da mulher de 30 anos, que, hoje em dia, será a mulher de 50 anos. E penso que muitos homens preferem ir para a cama com uma mulher que tenha experiência.
André - É necessário distinguir eroticidade, que é inata e provoca o olhar de desejo do homem, e erotismo, que é construído e, como tal, resulta de uma aprendizagem. A vida em casal pressupõe que cada um aceite a fragilidade e o envelhecimento do outro, é por aí que o casal chega à cultura, não sabendo reduzir-se à Natureza.
Véronique - Em todas as idades, temos sempre medo de qualquer coisa! Aos 15 anos, não sabemos onde nos situarmos, pressentimos que a sexualidade irá ser algo complicado, temos complexos. E o medo de uma mulher amadurece, é o que faz com que ela cuide de si, esse pequeno medo faz-nos acordar, estimula-nos.
André - Se os amantes se lembrassem mais frequentemente que eles vão, de uma forma ou de outra, perder-se, estariam mais atentos à sua presença simultânea. Um casal é, por definição, provisório.
Véronique - Cada história de amor é uma joia preciosa. Se vivemos uma história de amor, foi porque estivemos lá. Não podemos, pois, abandoná-la sem nos abandonarmos a nós próprios. É necessário considerar o amor em toda a sua dimensão. Uma história de amor é uma história completa e, por isso mesmo, é já uma história maravilhosa.
"Le sexe ni la mort", André Comte-Sponville
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'Nous étions faits pour être heureux', Veronique Olmi
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 André Comte-Sponville
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Veronique Olmi
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