
Namoro há quatro anos com um colega da Faculdade. No primeiro ano estávamos muito apaixonados e vivíamos muito um para o outro. Aos poucos percebi que ele não gostava das minhas amigas e afastei-me. Depois começou a criticar as minhas aulas de dança e parei. Mesmo quando vou aos fins-de-semana a casa (estudo a cerca de 300 Km de casa), acha que é exagero e até isso comecei a reduzir… não me ouve e diz constantemente que eu não o percebo e que não o amo como ele me ama. Mas amo muito, só que começo a sufocar. Ameaça que acaba a relação muitas vezes (basicamente se não viver em função dele) e sinto-me culpada… sei que no fundo é frágil. Todos dizem que me manipula, mas não consigo deixar de o amar… o que posso fazer?
Cara Anabela, antes de mais parece-me importante refletir sobre a relação e a forma como se sente nessa relação. Talvez essa seja uma questão mais importante do que definir se efetivamente o namorado é ou não um manipulador. Todavia deixarei aqui alguns comentários gerais sobre as relações e eventuais manipuladores, já que a informação que aqui deixa será sempre insuficiente para que possa dar uma resposta específica à questão que coloca.
Uma relação romântica é uma dinâmica co-construída a dois, tendencialmente (ou desejavelmente) baseada no amor, respeito e suporte mútuo. A dinâmica que é criada é assim como uma dança, com avanços e recuos, em que o casal vai encontrando ao longo do tempo um equilíbrio em que há uma satisfação dos dois em conjunto, bem como espaço para cada um crescer e realizar-se. No início do namoro, muitas vezes há uma fase mais apaixonada e de maior fusão, em que ambos sentem que vivem sobretudo um para o outro, embora com o passar do tempo, naturalmente o casal encontra um espaço para manter o namoro, mas sem impedir a relação com amigos e familiares, bem como de seguir os interesses individuais. É esse desenvolvimento individual que vai acabar por enriquecer também o espaço conjugal, evitando a sensação de sufoco ou o cair numa rotina mais fechada.
Por vezes são criadas dinâmicas relacionais em que um dos elementos sente que é manipulado. É importante distinguir manipulação de influência: naturalmente que, num casal, ambos se influenciam mutuamente, consciente ou inconscientemente, nas escolhas e rotinas diárias. Contudo as conversas são abertas e sinceras, sendo a perspetiva de ambos ouvida e os sentimentos de ambos respeitados, de forma a encontrar um acordo. Numa relação positiva, ambos se sentem apoiados nos seus objetivos individuais e de casal.
Quando falamos de um "manipulador", falamos geralmente de alguém que se relaciona centrando-se apenas na sua agenda pessoal, não tendo em conta os direitos e necessidades do outro e procurando conhecer e usar as fragilidades do outro. Muitas vezes considera-se um egoísmo, com estratégias pouco transparentes para que o outro aja da forma que pretende. Há uma necessidade de controlo e poder, com promessas, ameaças ou chantagem (muitas vezes emocional e dissimulada) para chegar onde pretende. Pode chorar ou implorar, e/ou ter um tom mais agressivo. De modo geral, estas pessoas relacionam-se com pessoas "cuidadoras", isto é, que vivem sobretudo para os outros e tendem a fazer tudo para evitar conflitos, mesmo que implique anular a expressão dos seus sentimentos e abrir mão de qualquer limite que considerem razoável ou justo. Da parte dos "cuidadores", quando nestas relações, há muitas vezes sentimentos de culpa provocados e procuram responder a qualquer necessidade levantada pelo outro, acreditando sempre na sua mudança e que podem fazer a diferença na vida do outro. Criam-se assim dinâmicas co-construídas em que ambos contribuem para manter uma pseudo-harmonia, em que o bem-estar está obviamente corrompido, não obstante possa haver uma aparência de equilíbrio. Uma relação positiva é aquela em que ambos se sentem bem por pertencer e valorizados por quem são. Para quebrar esta dinâmica relacional, pode haver decisão de ambos com ajuda de um terapeuta familiar, mas muitas vezes parte do "cuidador" que pode naturalmente redefinir a forma como está na relação: estabelecer limites, não desistir de si e reafirmar o seu próprio valor, evitar cair em discussões de manipulação para falar sobre a dinâmica relacional, de forma assertiva (saindo da passividade e evitando a agressividade).
Sendo ou não este o caso, o importante será refletir sobre as suas aspirações e necessidades, a forma como está na relação e o que pretende da mesma. Quais os limites que sente que estão a ser ultrapassados? Já conversaram sobre possíveis mudanças? O que sente ser fundamental para o seu bem-estar? Já partilhou com o namorado? Pode ser uma ajuda recorrer a um terapeuta conjugal, no caso de querem trabalhar a dinâmica relacional, ou individualmente recorrer a um psicoterapeuta que a poderá ajudar a pensar nestas questões e compreender os seus padrões relacionais e eventuais fragilidades emocionais de forma a encontrar estratégias para melhor lidar.
