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Naomi Watts: Mãe coragem

Aos 45 anos, prova os limites da emoção na luta pela família e pela sobrevivência em O Impossível, o impressionante filme que reproduz o tsunami na Tailândia, em 2004.

Naomi Watts: Mãe coragem
Naomi Watts: Mãe coragem
11 de março de 2013 às 12:58 Máxima

Preparadas para viver O Impossível? Talvez sim, talvez não. É que esta ida ao cinema não será “um passeio no parque”, como se costuma dizer. Incómoda será a poltrona durante as cerca de duas horas em que esquecemos onde estamos e pairamos diante da tragédia vivida pela espanhola María Belón e o seu filho Lucas naquelas fatídicas férias do Natal de 2004. Entre segundos, passaram de um paraíso tropical em Phuket para o inferno a lutar pela vida. Os espectadores não terão outro remédio a não ser sofrer também, ao lado daquela mãe, interpretada por uma bravíssima Naomi Watts, agarrada à vida e ao filho, à medida que são atirados como lixo pela força das águas; ela que nada sabe do marido, interpretado com aquela dimensão de intensa verdade a que Ewan McGregor nos habituou, e dos outros dois filhos. Filme-catástrofe? Não, reprodução emocionada do drama que afetou centenas de milhares de almas no sudoeste asiático. Em Espanha, onde O Impossível já estreou, tornou-se um tremendo sucesso superando mesmo as receitas de Titanic. Na verdade, no final, até essa comparação se poderá fazer. Mas só no final...

Recuamos agora no tempo, até 2010, quando tivemos a felicidade de representar Portugal na visita ao local onde decorria a rodagem da sequência traumática em que Naomi Watts e Tom Holland (Lucas Belón) são levados pelas águas. Algures num magnífico estúdio em Hollywood? Nada disso. Na verdade, aqui bem perto, na vizinha Espanha, nos estúdios Ciudad de la Luz, em Alicante, onde se encontra o maior tanque para sequências aquáticas da Europa, diante do maior ecrã blue screen que serviu para reproduzir os cenários em redor que agora vemos. O efeito do que vimos e do que vemos no filme é simplesmente brutal. Um impacto comprovado, já este ano, na sessão de gala do Festival de San Sebastian, em que a projeção foi mesmo interrompida para dar entrada a uma equipa de paramédicos que assistiu um espectador que se sentiu mal.

"é a forma como a família é ligada, desligada, perdida, a viver em permanente incerteza."

Apesar do infortúnio, damos mérito ao realizador catalão Juan Antonio Bayona (este é o seu segundo filme, depois de O Orfanato, em 2007) por todo este realismo. E aplaudimos a espantosa prestação de Naomi Watts, devidamente nomeada para o Globo de Ouro. Pelo menos, em matéria de filmes, seguiu-se Two Mothers, um corajoso filme de Anne Fontaine (esteve recentemente em Lisboa), com uma história da autoria de Doris Lessing, sobre duas amigas interpretadas por Naomi e Robin Wright, que se apaixonam, respetivamente, pelos filhos uma da outra, também eles melhores amigos. Pelos vistos, o realismo faz parte do seu trajeto como atriz. Vê-la-emos ainda este ano como Princesa Diana, em... Diana, mas também como Marilyn Monroe, em Blonde. Dará ainda a cara no papel da arqueóloga e viajante Gertrude Bell, ao lado de Robert Pattinson e Jude Law. Já seca e arranjada, a australiana, nascida em Inglaterra e a viver nos Estados Unidos, comenta à Máxima a experiência-limite vivida em Alicante. E a certa altura dirá: “Assim que começava a ação deixávamos de ser atores, sobrevivíamos...”

Como têm decorrido estas quatro semanas em que é constantemente levada pelas águas?

Temos passado horas sem fim dentro de água, sendo levados pela corrente, mergulhados dentro de água, a engolir água... Tem sido intenso. Sem dúvida.

Acabámos de a ver fazer cenas bem dramáticas no grande tanque...

Sim, temos estado a filmar a mesma sequência em que eu e o meu filho somos levados pelas águas. Isto dura há quatro semanas. É algo impressionante, são cenas muito fortes.

 

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Sobretudo quando se está a recriar os efeitos do tsunami na Tailândia... Mas será O Impossível um filme-catástrofe?

Quando se lê o guião é fácil dizer que se trata de um filme-catástrofe. Para mim, é muito mais complexo que isso e vai mais fundo. No fundo, é uma história sobre humanidade. Quando se lê, não pensamos imediatamente que se trata de um filme de ação, mas com uma componente de drama familiar muito forte. Aliás, devo dizer que não estava nada preparada para isto. Quando cá cheguei, disse: “Oh my goodness!”

O que mais a atraiu neste filme? A história?

Sim, foi o guião [de Sergio Sánchez). Percebi logo que estava muito bem escrito. Apanhou os detalhes da realidade, pareceu-me autêntico e verdadeiro. Até porque eu não sou o tipo de atriz talhada para filmes-catástrofe ou de ação. Claro que conhecia o trabalho do Antonio, tinha adorado O Orfanato. Quando os ouvi a falar, emocionados, que queriam tornar o filme o mais real e autêntico possível, percebi que gostavam mesmo do que faziam. Por isso, quis trabalhar com eles.

Imagino que seja um filme exigente do ponto de vista emocional...

No fundo, é a forma como a família é ligada, desligada, perdida - a viver em permanente incerteza. Esses elementos, como o medo, são sempre positivos para evocar emoções. Sabia que seria um trabalho difícil, mas não imaginava quanto.

O facto de se tratar de uma história verídica ajudou-a a encontrar essas emoções?

Por um lado, foi mais fácil, pois temos uma voz de verdade a recordar-nos como foi difícil. Isso dá-nos ideias. Mas ao mesmo tempo é uma pressão porque temos de honrar essa verdade com qualidade; sem explorar, nem deixar de ser realista.

Pelo que conhece do guião estas vão ser as cenas mais difíceis para si?

Acho que estas cenas dificilmente serão superadas. Sobretudo do ponto de vista físico. É que eu já não tenho 25 anos, muito menos os 13 anos do Tom [risos]. Já estou nos meus quarentas... Para mim, não é uma coisa normal ser atirada de um lado para o outro repetidamente durante um mês dentro de água. Mas toda a história está cheia de altos e baixos emotivos. Uma coisa é certa: este foi o filme mais difícil que já fiz.

Qual é a sua memória do tsunami de 2004? Lembra-se onde estava?

Nesse dia, estava nos Estados Unidos. E lembro-me de ter participado numa campanha organizada pelo George Clooney para angariar dinheiro. Por isso, estive sempre muito ligada a esta tragédia. É claro que eram as notícias mais importantes pelo mundo fora.

Conhecia alguém que estivesse envolvido?

Por acaso, uma pessoa amiga não estava exatamente na zona, mas foi lá para tentar ajudar como voluntária. Foi dela que ouvi as primeiras histórias em primeira mão. É claro que agora com toda a pesquisa para o filme, e mesmo anos depois, sinto-me muito ligada ao que se passou.

Pensou no que sentiria numa situação semelhante?

Claro. Quer dizer, sei que ficaria assustadíssima, cheia de medo. Nesse sentido, o documentário que foi feito e está disponível [The Wave that Shook the World] descreve bem o que se passou. Só que aquilo que pensámos que poderíamos fazer, e como afinal reagimos, acaba por ser bem diferente.

E como reage a sua personagem?

Não seria capaz de reagir como a personagem, a Maria. Ela sente-se completamente impotente, totalmente descontrolada. O que é notável nesta personagem é o seu instinto maternal que a faz seguir em frente. Acaba por fazer tudo, mas sempre cheia de dúvidas e incertezas, questionando-se a toda a hora. Mas só deseja proteger o filho.

 

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Sente que a sua proximidade com a Austrália, um país que teve várias vítimas na tragédia, a afetou?

Sim, a Austrália está muito perto da Tailândia e muitos australianos passam lá férias. Eu própria já lá tinha estado algumas vezes. É claro que este drama poderia acontecer a qualquer um de nós. Eles estavam apenas a viver as férias do Natal. Como as pessoas lidam com a tragédia é algo que me fascina.

Falou com alguns sobreviventes?

Sim. Li muito, vi o documentário. Há muito material disponível e muito se escreveu na altura e depois. São elementos que nos ajudam sempre a entrar naquele estado de alma. Também vi o filme Alive (1993) sobre a tragédia de sobrevivência que aconteceu no Chile no início dos anos 70. Ajudou-nos a perceber como as pessoas reagiam em momentos de morte próxima. É aí que se valoriza a vida. E que nos tornamos as versões mais puras de nós próprios, por termos estado tão perto da morte.

Vai trabalhar com o Ewan McGregor. O que acha dele?

É um ator que tem tudo do seu lado. Logo a começar pelo rosto, que emana calor humano. Acho que tenho sorte em poder trabalhar com ele.

Trabalhou com o Tom Holland, ainda uma criança. Acredito que tenha sido emocionalmente intenso...

Sim, mas tentamos quebrar esse momento e esse ciclo. Fazemos uma cena, paramos um pouco, pelo meio contamos algumas piadas. E depois voltámos ao início. Mas é ótimo. Vivemos momentos fortíssimos. É extraordinário perceber como ele tem tanta maturidade. Foi muito fácil trabalharmos juntos. E é bom descobrir esta amizade fora da rodagem e entre uma mãe e um filho no ecrã.

Como conseguiu manter esse nível emocional durante quatro semanas?

Não foi assim tão difícil. Como estávamos rodeados de água, bastava-nos fechar os olhos por um momento para nos apercebermos que não podíamos fugir a esse ambiente. É claro que a música clássica de ambiente que ouvimos sempre durante a rodagem também ajuda. Assim que começava a ação, deixávamos de ser atores e sobrevivíamos. Éramos levados pela corrente, engolíamos litros de água. Falar, por exemplo, era dificílimo. Aí, o Bayona [o realizador] provocava-nos para recuperar a intensidade.

O facto de ser mãe de dois meninos [Alexander ‘Sasha’ Pete, de 5 anos, e Samuel ‘Sammy’ Kai, de 4] ajudou-a a levar essa emoção para o meio de toda aquela água e destroços?

Fazem-me muito essa pergunta, mesmo nos papéis que fiz antes: “O que é ser mãe, fazer o papel de mãe? Como é agora ser mãe?”... Gosto de pensar que a minha imaginação me leva lá. Acho que consigo imaginar o que é ser mãe nessas circunstâncias, como a minha personagem no filme 21 Gramas [2003, na sua única nomeação ao Óscar]. Consigo imaginar isso. O que é difícil de imaginar é a minúcia de todos os dias. Hoje pensamos nas coisas mais importantes. Mas, lá está, claro que ajuda. O medo de perder os nossos filhos é algo que sinto quase todos os dias... Isto para dizer o quanto me preocupo com eles e com a segurança deles.

Ainda que naqueles momentos se confrontasse também com a sua própria sobrevivência...

Claro. As descrições de tudo aquilo que me sucede são absolutamente horríficas. Só que enquanto nós podemos voltar para casa e pedir serviço de quarto, aquela gente não pode... No início percebemos como tudo isso seria complicado. E seriam apenas alguns minutos de filme. Muita gente esteve debaixo de água muito tempo, sendo levada aos solavancos, chocando com objetos, cortando-se. É claro que a minha dupla conseguia fazer tudo, e eu não podia... No entanto, quase tudo o que aqui fizemos são atos de duplo. Não é representação.

Conseguiu relaxar aqui em Alicante? Ir à praia, por exemplo?

Sim, nos fins de semana. Mas como tenho os meus dois filhos ainda pequenos, não tenho assim tanto tempo livre. De maneira que era quase um alívio voltar ao trabalho segunda-feira de manhã [risos]. Mas tenho de reconhecer que agora está a tornar-se um pouco mais fácil.

 

Fotografias: Greg Williams/August/AIC

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