Mia Tomé, atriz. “Exigem-te muitas vezes a perfeição, pedem-te para teres determinado peso”
Estrela da nova peça de Luísa Sequeira, 'Rosas de Maio', que estreia no Teatro Rivoli, no Porto, a 11 de novembro – a atriz fala sobre as suas causas, o amor pela representação e a luta pela aceitação dos corpos femininos.

Recordada recentemente pelo The Economist, a obra Novas Cartas Portuguesas - o histórico livro que, em 1972, desafiou a ditadura e internacionalizou Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, para além de lhes valer o apoio de Simone Beauvoir ou Marguerite Duras – é o ponto de partida para o espectáculo de Luísa Sequeira, Rosas de Maio, que tem como protagonistas a própria encenadora, Carolina Rocha e Mia Tomé. A atriz fala-nos do desafio, mas também das suas causas.
Como recebeste a notícia de que irias fazer este trabalho? Enquanto feminista, de que modo te tocou o desafio, interferiu na forma como o abraçaste?
Estava a subir a rua do Carmo quando a Luísa [Sequeira] me telefonou, fiquei extremamente feliz com o convite. Trabalhar num espetáculo que tem como base As Novas Cartas Portuguesas?! Mas é claro! Estou desde 2020 a criar um projeto dedicado a Natália Correia, que foi quem teve a coragem de publicar esse mesmo livro em 1972, de repente tudo fez ainda mais sentido. Na época, dezenas de mulheres apoiaram esta causa, Simone de Beauvoir, Adrienne Rich, Gilda Grillo, foi uma enorme onda feminina que lutou pela liberdade das 'três Marias', não podia sentir-me mais grata por estar em cena a relembrar estes episódios.

É um espectáculo sobre, feito e realizado por mulheres. Isto mexeu com a dinâmica? Como foram ensaios?
É verdade, feito e realizado por mulheres, não deixa de ser algo que me deixa satisfeita, afinal, nas últimas décadas quantas mulheres encenaram nas salas dos teatros municipais e nacionais? Os números falam por si, a igualdade de género ainda não é um elemento totalmente adquirido. Mas deixem-me relembrar-vos que a nossa equipa também é constituída por homens, é uma honra trabalhar com estes artistas inspiradores. Os ensaios têm sido um lugar de partilha muito rico, onde todas e todos temos espaço para questionar.
Qual é a dinâmica de trabalho da Luísa? O que aprendeste neste trabalho?
A Luísa é uma mulher do Cinema, muito do processo de criação passa pelo arquivo visual. Este espetáculo vem na sequência do filme a que também dei voz, O que Podem as Palavras, uma pesquisa de quase dez anos, em que a Luísa entrevistou as autoras das Novas Cartas Portuguesas e em que trabalhou com Ana Luísa Amaral. Ter acesso a este material, a documentos que defendem as autoras e que chegaram de várias partes do mundo como os Estados Unidos, França, Paquistão - é uma aprendizagem arrebatadora sobre liberdade e união.
Como foi dar voz aos textos destas poderosas e marcantes mulheres?
É arrepiante evocar estas memórias, mas também triste pensar que estas mesmas palavras, não assim há tantos anos, foram censuradas e proibidas. Estas palavras que eu hoje digo livremente em cima de um palco levaram três mulheres aos tribunais nos anos 70. É sobre isso que quero refletir, é sobre isso que quero que o público pense, não podemos voltar a esse lugar de censura e de julgamento, é preciso salvaguardar os nossos direitos.
Ao longo destes anos, alguma vez sentiste discriminação por seres mulher? Ou discriminação no geral?
Adorava dizer que não, mas aconteceu, infelizmente em algumas circunstâncias profissionais a misoginia falou mais alto. Falo no universo das desconsiderações, mas também relativamente às pressões físicas a que nós mulheres estamos sujeitas. Exigem-te muitas vezes a perfeição, pedem-te para teres determinado peso, certas formas de estar, mas o que realmente importa é que sejas saudável fisicamente e mentalmente, o importante é que sejas profissional. Os números das calças ou da balança há muito que não deviam ser uma questão.

O que gostavas que o público retivesse desta criação artística?
Que ainda temos um longo caminho a percorrer até que a igualdade seja uma realidade, mas depende de todas e de todos nós que ele se faça mais depressa. As 'três Marias' provaram o sabor da força coletiva, e de como isso de alguma forma pode mudar o mundo.
A 11, 12 e 13 de novembro no Teatro Rivoli, no Porto. Bilhetes a €9

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