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Hindi Zahra: "Trabalhei dez anos para juntar dinheiro e produzir o meu próprio álbum (...) sou livre"

Oriunda de uma família que viveu no deserto e com raízes marroquinas, a franco-marroquina Hindi Zahra entoa ritmos vindos de paragens como o Brasil, Cabo Verde, Índia ou Irão.

03 de maio de 2019 às 07:00 Rita Silva Avelar

Além de cantora, Hindi Zahra também é atriz (surge no filme The Cut, de Fatih Akin, 2014, por exemplo) e multi-instrumentista. Compõe, edita e canta e, entre outros prémios, foi distinguida como Artista Revelação nos prémios Prix Constantin 2010. Com concertos marcados em Portugal para 25 de maio no Theatro Circo, em Braga, e no dia seguinte no Cineteatro Capitólio, em Lisboa, Hindi Zahra revela à Máxima o que a inspira.

Quais são as suas primeiras referências?

Eu cresci numa família tradicional marroquina, mas ao mesmo tempo muito atípica: o meu pai estava no meio militar e a minha mãe era cantora e também era atriz. Os meus tios também eram músicos. Não me lembro de existir um dia, em casa, sem música.

Tornar-se artista foi, portanto, algo natural?

Para ser honesta, não. Para o meu pai era importantíssimo que eu estudasse, já para mim a música era um sonho. Cresci a pensar que era normal que todas as famílias tivessem músicos. Mas quando fui para França percebi que não e comecei a ir a casa de amigos que me pediam para cantar e me diziam que a minha música era especial. Não é fácil decidir ser artista. Eu tinha um diploma em Finanças, sabia que podia ter um trabalho nessa área. Fui estudar para provar ao meu pai que podia ser uma pessoa normal, para que ele soubesse que podia ter qualquer trabalho, mas a música era uma obsessão.

O que é que a música a faz sentir?

Eu comecei a cantar de forma improvisada aos oito anos e acho que a vida acabou por decidir por mim. Aos 17 anos fui cantar na Fête de la Musique e quando, nessa primeira vez, subi ao palco e comecei a cantar, senti que aquele era o meu destino. Encontrei-me entre amadores e já era profissional, sem estudar música.

Como é que nasce o primeiro álbum Homemade?

Trabalhei dez anos para juntar dinheiro e produzir o meu próprio álbum. Tive dois trabalhos durante uma década para juntar dinheiro mas também para ganhar experiência, tocava em clubes e as pessoas começaram a descobrir-me. Depois descobri um booker, o Ethiéne, e mesmo antes do primeiro álbum, ele disse-me que íamos começar a fazer solos, desde concertos a casas de amigos. Nessa altura coloquei a minha música na Internet e comecei a receber críticas de vários meios de comunicação. Era mesmo aquilo que eu queria: saber se as pessoas gostavam da minha música.

De que forma é que essa independência a moldou como artista?

Eu queria ser a proprietária da minha arte, da minha música, e fundei esta editora para poder ter a minha própria música. Continua a ser estranho [para as outras pessoas] que uma mulher que vem de África queira fazer isso. Não entendo quando alguém tenta mandar na criatividade dos outros. Eu sou livre.

Sente que a indústria da música pressiona nesse sentido?

Sim, é o ritmo da "fábrica" da música. Tudo tem de ser massivo, em grande escala e rápido. Para que "o" possamos jogar fora e comprar novas coisas. Para mim, ser detentora da minha música também significa que eu controlo o tempo, o meu tempo. Eu venho do deserto e quando se está lá não se corre, anda-se.

Essa noção do tempo influenciou o seu ritmo musical?

É o tempo da natureza, a natureza é lenta. Quando se leva a vida de forma calma, o tempo estica. Hoje em dia as pessoas fazem tudo tão rápido que o tempo passa a correr, claro. Tem tudo a ver com contemplação.

O disco Homeland é autobiográfico…

No outro dia falava com um amigo que vê a música da mesma forma que eu. Há um sítio no oceano aonde ninguém vai, porque é demasiado escuro, porque é impossível: a pressão é forte, não há luz. Mas os peixes são luminosos. Eles tornam-se luz, são como estrelas, produzem um químico que os torna como lâmpadas. O que eu digo ao meu amigo é que a arte é a luz na obscuridade. É isso que eu quero fazer nesse novo álbum: descobrir como é que vou até à minha obscuridade para pôr luz nela, e para a exportar para a música, para a pintura, para o meu expressionismo.

Como é que descreveria a sua sonoridade?

Eu quis expressar a música nómada de uma forma muito subtil, muito subconsciente ? queria expressar o conceito de viagem. E eu acho que há duas formas de viajar neste mundo: para fora, pelo mundo e com toda a gente; e para dentro de nós próprios, porque há um mundo infinito dentro de nós. Eu quis expressar essas duas formas de viagem, porque ambas são formas de descobrir a luz na obscuridade.

Rita Silva Ave

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