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Este Natal vai ser diferente!

André comeu noodles, no México, e Cláudia passou a noite de 24 de Dezembro sozinha, num comboio, a caminho de Banguecoque. Há mil e uma maneiras de viver o Natal. Não é só quando um homem quiser, mas também onde se desejar. Contamos-lhe histórias de consoadas “fora da caixa” e algumas sem presentes.

24 de dezembro de 2017 às 07:00 Dulce Garcia

"Todos os anos, por esta altura, quando me pedem que escreva alguma coisa sobre o Natal, reajo de mau modo. ‘Outra vez, uma história de Natal! Que chatice!’ ? digo. As pessoas ficam muito chocadas quando eu falo assim. Acham que abuso dos direitos que me são conferidos. Os meus direitos são falar bem, assim como para outros não falar mal." Estas linhas foram escritas por Agustina Bessa-Luís, em 1978. Estamos em 2017 e não queremos que o Natal seja uma chatice. Por isso, vamos contar-lhe histórias diferentes de pessoas que passaram ou que vão passar a noite da Consoada de uma forma distinta da tradicional. A nova mobilidade social (muito acentuada com a emigração jovem), a reorganização dos agregados familiares (os meus, os teus e os nossos) e a valorização do papel dos amigos fazem com que muita gente troque a habitual ceia à volta da mesa, com toda a família reunida, por programas alternativos. Uns sentem pena de quebrar o vínculo, outros agradecem a oportunidade de virar as costas a um ritual que só lhes traz stress. Nada é como antes e até a cara enfadada dos mais jovens quando recebem um par de meias da tia-avó se presta, hoje, a outros rituais: é bem capaz de ir parar ao Instagram ou virar um Snapchat divertido. Seja como e onde for, o importante é ter uma noite feliz.

 

A palmeira de Natal

O que é que fazem um português, um mexicano e dois japoneses, que vivem em Singapura, a jantar em Playa del Carmen, no México, em 24 de Dezembro? Celebram a noite de Natal. André, de 39 anos, aterrou a 9 de Outubro de 2016 naquela localidade da Riviera Maya, para onde foi trabalhar para uma multinacional de base de dados. O antigo jornalista ainda estava a gozar o clima tropical e as praias da Caraíbas quando, num passeio à 5.ª Avenida, uma artéria gigantesca cheia de bares, lojas e restaurantes, começou a ver palmeiras cheias de luzes. "Parecia a Baixa de Lisboa, mas em versão tropical com palmeiras, em vez de pinheiros, e pessoas com sandálias e gorros de Pai Natal... Não imaginava que já estivéssemos tão perto da data", conta André que admite ter vivido esta quadra num clima de liberdade inesquecível. "Talvez este ano seja diferente porque já tenho a noção das estações. Mas o ano passado tudo era demasiado irreal... Celebrar o Natal de calções e de chinelos, a caminho da praia... é demais."

Ainda guarda na memória a sensação de "desapego" à celebração. "Nunca tinha estado tão despreocupado. Esqueci totalmente os presentes. Não comprei nada e não ofereci nada a alguém. Tive um certo medo de passar uma vergonha porque não conhecia os hábitos locais, mas as pessoas da minha idade ou mais novas não trocam presentes e se o fazem é dando algo feito em casa, uma peça de artesanato, um espanta-espíritos. Apesar de haver muitas cadeias [de lojas] norte-americanas e muitos centros comerciais, eu não encontrei o típico consumismo a que estava habituado, seja por tradição ou por falta de dinheiro." André decidiu sair de Portugal, em busca de melhores condições de trabalho, e o seu primeiro pensamento foi instalar-se na Ásia. Mas um amigo mexicano que conheceu através de uma experiência de couchsurfing (género de férias em que o proprietário da casa oferece o sofá) desafiou-o a experimentar a Riviera Maya e a dividir um apartamento com ele. André diz que não se sente defraudado: "Temos o calor, as ilhas, um mar incrível... É o paraíso e mais perto do que a Tailândia." No dia 24 de Dezembro de 2016 estava de folga e ficou incumbido de tratar das compras para a ceia. Dirigiu-se a uma cadeia de lojas local e deparou-se com vários daqueles perus que se vêem nas mesas americanas do Dia de Acção de Graças. "Eu não sabia qual era a tradição. Eu vi que havia bacalhau, mas a um preço exorbitante e, por isso, optei por levar um peru recheado e um bolo típico mexicano que é o Pastel de Tres Leches." O amigo com quem partilhava a casa tinha convidado dois japoneses, de Singapura, que quiseram contribuir. Por isso, ao jantar, e além do peru, comeram noodles e tortilha japonesa. Estavam cerca de 35 graus centígrados de temperatura, uma humidade terrível e o ar condicionado ligado no máximo. Para refrescar, beberam vinho, cerveja e tequila. A meio da noite chegaram mais convidados: uma sevilhana, um madrileno e outros dois ou três mexicanos. Resultado: a casa parecia a Assembleia das Nações Unidas. Como trabalhava no dia seguinte, André foi deitar-se cedo, mas os companheiros continuaram a festejar. "Levaram uma enorme pinhata cheia de doces para o meio de uma avenida, perto de casa, penduraram-na numa árvore e começaram a parti-la. Ainda hoje não percebi se aquilo é tradição ou se foi um devaneio que lhes deu..." Lembra-se de ter ligado para a mãe, que estava a celebrar o Natal em casa com o namorado e a avó, sentada a uma mesa onde, em vez de três, pareciam esperar-se 15 convivas por estar "cheia de doces de ovos, bolo-rei, arroz-doce, broas, sei lá!, uma loucura de comida como se ainda estivéssemos todos em casa", recorda André. Nostalgia? Garante que não sentiu nem uma pontinha. "Não sei se por ainda estar muito eufórico com a minha nova vida, mas eu não senti quaisquer saudades… Nada. Nem do frio, nem do consumismo, nem da chuva ou mesmo de ir buscar o bolo-rei para levar para casa. O que eu experimentei foi uma liberdade indescritível. Aqui, como é um lugar com muitos turistas e expatriados, está tudo aberto e há um clima muito mais divertido e colorido." No dia 25 quis fazer algo diferente: "Fui dar um mergulho à praia." Este ano as coisas vão ser diferentes. "Vou passar o Natal com o meu namorado que tem a família longe. Ainda não planeámos nada, mas, em princípio, fazemos um bom jantar e depois vemos a Netflix."

 

A Ásia não pode esperar

Cláudia, de 40 anos, lembra-se de gostar do Natal quando era criança, mas também quando a filha, hoje com 14 anos, era pequena. O divórcio, porém, veio alterar esse sentimento: "Separas-te e começas a ter de ‘dividir’ a criança. A noite de Natal é [passada] com um e o dia de Natal com o outro. E passa a ser um enorme stress." Tudo lhe parece confuso e exasperante: "As pessoas correm de um lado para o outro, pressionadas com a compra de presentes. Para mim, não faz sentido. Devemos presentear as pessoas, sim, mas não numa data marcada. Cláudia começou a desejar fugir de Lisboa e a sonhar com uma temperatura muito diferente daquela que, por essa altura, se faz sentir em Lisboa. E a Ásia pareceu-lhe o paraíso. O primeiro Natal longe da família aconteceu em 2015, numa viagem que a levou a conhecer o Laos, o Camboja e a Tailândia. A noite de 24 de Dezembro passou-a a viajar de comboio para Banguecoque. Dormiu e leu e diz que não sentiu qualquer falta do calor de uma lareira, da mesa da consoada ou, simplesmente, de companhia. "No sudoeste asiático vemos muita gente a viajar sozinha, muitas mulheres e miúdas. Nunca nos sentimos verdadeiramente sozinhos porque as pessoas vão falando umas com as outras nos comboios, nos hotéis e no caminho." E se os pais aceitaram, com naturalidade, este plano de fuga ? "Não são religiosos, o que ajuda. Percebem que podemos estar juntos em muitas outras alturas" ?, a filha portou-se como gente grande. "Ela dá importância ao Natal e gosta de estar, aqui, com o pai e com o irmão pequeno", relata Cláudia. Além disso, sublinha, "quando viajo e a deixo com o pai sei que vai ter um Natal tradicional e que isso lhe dá muito prazer. Talvez um dia queira vir comigo", admite. Não será agora. Neste Natal, Cláudia vai viajar para a Malásia. A filha fica com o pai em Lisboa. E em matéria de presentes, como é? "Trago-lhe um presente quando volto. E, logo a seguir, ofereço-lhe mais um porque faz anos."

 

Uma história de filme

Luísa Costa Brito, de 41 anos,"menina de boas famílias" nascida em Coimbra no rescaldo do 25 de Abril, foi criada e educada pela mãe e pelos avós maternos, após o divórcio dos pais. O pai, um homem que corresponde "ao arquétipo do burguês machista e pai de família à antiga", levou pouco menos de dois anos a voltar a casar e a ter filhos (dois, um rapaz e uma rapariga). Nessa altura, deixou de a contactar em absoluto.Embora vivessem todos na mesma cidade, ocultou dos segundos filhos a existência de um anterior matrimónio e de Luísa, conseguindo silenciar o resto da família. Luísa sabia da existência da irmã e do irmão através da mãe e dos avós. Os amigos até a advertiam, meio a brincar, que deveria ter cuidado nas relações sexuais, não fosse repetir, no século XXI, o incesto de Os Maias. Nunca teve interesse em procurar o pai e os irmãos, tão-pouco em tentar saber quem eram através das redes sociais. Há pouco mais de um ano, devido à doença grave do pai e à necessidade de tratar de questões jurídicas e financeiras do mesmo, os irmãos de Luísa descobriram, através de uma certidão, que o pai havia sido casado e que tinha uma filha. E confrontaram-no com essa descoberta, o que criou um enorme mal-estar entre todos. À luz dessa informação perceberam, finalmente, o que uma tia mais velha, que todos, por conveniência, diziam estar louca, havia insinuado quando, em tempos, insistira que deveriam descobrir mais sobre o pai. Feita a descoberta, os irmãos conseguiram chegar ao paradeiro de Luísa através das informações de uma prima direita que sabia onde Luísa trabalhava. O final parece decalcado de um filme de Hollywood: através de um simples telefonema, Luísa conheceu os irmãos e reencontrou o pai, a quem perdoou. Já órfã de mãe, divorciada e sem filhos, Luísa irá ter, este ano, um Natal muito diferente. Até agora, os natais eram comemorados em casa de uma família amiga. Para manter a tradição, passará o dia 25 com esses amigos, mas, desta vez, a Consoada será feita em sua casa, na companhia do pai, da madrasta e dos irmãos.

 

Eu, tu, eles e o outro

Paulo, de 45 anos, e Rita, de 44, namoravam desde a faculdade e pareciam um casal feliz. Tiveram dois filhos, perseguiram carreiras intensas e nem mesmo quando se separaram deixaram de ser amigos. A ele ter-lhe-á custado um pouco mais ver a antiga mulher apaixonada por outro, a refazer a sua vida e a fazer planos para ter mais um bebé. Mas não se deixou arrastar por sentimentos negativos. No primeiro Natal após a separação, já com Tomás (o namorado de Rita) na equação, o antigo casal decidiu atender aos pedidos dos filhos e Paulo passou a Consoada em casa da ex-mulher. Ainda hoje, seis anos volvidos, recorda essa noite com alguma estranheza, mas com uma sensação de prova superada. Para o jantar foram convidados os pais de Rita, com quem Paulo tinha uma excelente relação. Mais tarde, apareceu Pedro com o filho deste. "Custou-me vê-los tão enamorados, claro que sim. Ainda por cima, eu estava sozinho. Mas a minha principal preocupação, nessa noite, foi contribuir para manter o clima pacífico." Em nome disso, ignorou uma ou duas ameaças de birra do filho mais novo e um comentário menos simpático do sogro que parecia mais desconfortável do que ele com a presença do novo amor da filha. Na hora de abrir os presentes, Paulo teve a surpresa da noite: a ex-mulher e o namorado compraram-lhe um presente em conjunto ? um voucher para um curso de mergulho, uma das suas paixões mais antigas. "Eu, obviamente, não tinha levado nada para o Pedro e senti-me um bocadinho constrangido." Com o tempo e por causa do comportamento rebelde do filho mais velho, que desencadeou alguns problemas na escola, tornou-se próximo do seu ‘rival’. Ao ponto de começarem a sair juntos, uma ou outra vez, para conversar. Três anos depois, Rita separou-se de Pedro. No Natal que procedeu esse corte e porque ainda estava sozinho, Paulo voltou a passar a Consoada com a mulher, os sogros e os filhos. A coisa mais estranha? "Senti falta do Pedro. É curioso como as coisas mudam e, por vezes, muito rapidamente." E mudam tão depressa que, no Natal seguinte, Paulo estava noivo de Margarida. Rita ainda perguntou se o casal não quereria passar a noite de Natal em casa dela. "Apesar de se dar bem com a minha ex-mulher, a Margarida disse logo que não. As mulheres são muito mais complexas do que nós nestas questões", conclui Paulo.

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