Atual
Estarão os homens a enfrentar uma crise da masculinidade?
Numa sociedade que valoriza cada vez mais a sensibilidade e a cooperação, atributos masculinos outrora importantes como a autoridade e a virilidade são agora questionados. Muitos adaptaram-se, outros deixaram de saber quem são.

Durante muito tempo o arranha-céus da identidade masculina foi sendo construído em cima da vida pública e profissional dos homens. É claro que eles sempre tiveram uma vida privada e familiar, mas ela só os definia na medida em que eram os provedores e os decisores. E quanto mais provedores e decisores fossem, mais fortalecidas saíam as características masculinas em que se reviam: a força e o poder. E isto tanto era válido para o camponês como para o homo sapiens no topo da pirâmide social.
Depois – felizmente – num movimento que só pecou por tardio, vieram as sufragistas e o controlo de natalidade, a igualdade de direitos e o acesso das mulheres à educação, a sua entrada no mundo do trabalho e, com tudo isto, a renegociação de poderes antigos e mudanças nos papéis instituídos. E hoje, embora muitos continuem a advogar que ainda não há igualdade para as mulheres, outros tantos defendem que começa a não a haver para os homens. Que em muitos aspetos são eles o elo mais fraco numa sociedade cada vez mais feminilizada.
"Alguém que persegue uma posição que não corresponde à sua essência fragiliza-se."
Nuno, um lisboeta de 38 anos, encarna na perfeição estes dilemas e sente que a sociedade é hoje muito mais tolerante em relação às mulheres do que aos homens. Não tem dúvidas que para muitos homens urbanos, em certos meios, ter um pénis é condição suficiente para ser sempre culpado de alguma coisa. E exemplifica: "É perfeitamente legítimo e aceite que uma mulher me recrimine se eu deixo umas meias fora do sítio, mas se sou eu a chamar-lhe a atenção para um desleixo em casa, já estou a ser machista. Se uma mulher comenta o corpo de um homem, acha-se normal, se eu comento o físico de uma mulher, já estou a objetificá-la."
Vale a pena pensar no que nos trouxe aqui e porque é que muitos homens se sentem assim. O psiquiatra Pio Abreu já fez a sua reflexão e, a esse propósito, escreveu um livro que talvez exprima opiniões pouco consensuais sobre o tema ? e que pode pôr as femininas mais acérrimas de cabelos em pé, fica o aviso. Chamou-lhe A Queda dos Machos e, ao longo de 20 cartas escritas a amigas, discorre como, no seu entender, muitos dos problemas das sociedades contemporâneas se fundam no esvaziamento da identidade de género dos homens heterossexuais. Que é como quem diz, os homens estão a deixar de saber como ser homens. Os argumentos são mais centrados na biologia não só porque é médico como porque entende que de reflexões das ciências sociais já o tema está carregado. De resto, para Pio Abreu, como facto mais importante na origem deste fenómeno do esvaziamento da identidade masculina está "uma cultura difundida pelas universidades de letras, onde dominam as mulheres, e se pode notar, por vezes, algum ressentimento contra os homens, como se eles fossem os culpados de todas as desgraças da humanidade". Acrescenta ainda que uma das provas disso é que "toda a gente fala em feminismo e nos direitos das mulheres, homossexuais e outras minorias. E a palavra que, para os homens, corresponde ao feminismo é o machismo, que se tornou hoje uma palavra proibida".
Guerra e paz
O psiquiatra brasileiro Luiz Cuschnir estuda e escreve livros sobre este tema há mais de 30 anos. E defende que, olhando para trás, a situação para os homens já foi pior. Nos anos 90, a guerra dos sexos era um vespeiro bastante mais perigoso do que agora e os homens, garante, estavam à beira de um ataque de nervos, atordoados com a revoada feminista, infelizes e vulneráveis. "Nessa época, os homens estavam despreparados em relação à mulher, aos seus avanços nos diversos âmbitos da sociedade e reagiam mal a isso tudo." O psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, criou mesmo, na altura, uma unidade no Instituto chamada Gender Group que faz psicoterapia em grupo focada na resolução das questões de género e de relacionamento entre o homem e a mulher. O projeto, que ainda se mantém, é uma forma de ajudar homens e mulheres a gerir os conflitos que surgiram depois da intensa transformação dos seus papéis sociais.
"É muito mais o que une homens e mulheres do que aquilo que os separa."
Para Cuschnir, hoje, essa vulnerabilidade masculina é sempre permeada pela necessidade de ser alguém que não se é verdadeiramente. "Alguém que persegue uma posição que não corresponde à sua essência fragiliza-se." E isto, na sua opinião, acontece sobretudo quando tentam ser politicamente corretos para não serem considerados machistas.
Nuno pega neste barrete e enfia-o com o maior à-vontade possível. "Faço constantemente cedências para não ficar mal visto. Não faço e digo o que penso, mas antes aquilo que acho que esperam de mim. Claro que isto é uma coisa que toda a gente faz um pouco, mas tenho noção que o faço muito mais no que toca ao relacionamento com as mulheres e para não criar fúrias relacionadas com questões de género. Mas isso é uma coisa que não mata, mas mói", confessa. Talvez por isso é simpatizante do movimento masculinista (masculista, em português do Brasil) que incita os homens a lutarem também pelos seus direitos, assim como fazem as mulheres. A socióloga e investigadora Margarida Mesquita, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), ao contrário de muita gente, não condena o movimento nem se assusta com a sua existência, mas chama a atenção para o facto de, à semelhança do que acontece com alguns movimentos feministas, estes serem grupos cujas posições e objetivos não são unânimes, sendo algumas correntes mais radicais do que outras. "Pessoalmente, considero que se ser masculinista significa promover o debate e agir no sentido de tornar a sociedade mais equitativa e, por isso, socialmente mais justa entre mulheres e homens. Então serei, eu própria, masculinista do mesmo modo que sou feminista. Numa sociedade socialmente mais justa ganhamos todos, não só homens e mulheres como também as crianças." Até porque, acrescenta, do ponto de vista ideológico é muito mais o que une homens e mulheres do que aquilo que os separa.
Mas continua a separar, claro. E a socióloga frisa que não "desconsiderando as diferenças biológicas entre homens e mulheres, as representações e expectativas ? que vão por sua vez condicionar os comportamentos e práticas ? são fundamentalmente construídas socialmente e culturalmente transmitidas".
Boys will be boys…
Pio Abreu defende que se trata apenas de aceitar que a condição masculina é diferente da feminina. "Os homens precisam das mulheres e as mulheres dos homens, exatamente pela complementaridade das suas maneiras de ser e de ver as coisas. Saber que o outro é diferente de nós permite compreendê-lo e aceitá-lo, usando mesmo as capacidades que ele tem e nós não." E, questionado sobre se frases que podemos encontrar no livro como "quis a natureza que onde um se impõe pela força a outra impõe-se pelo agrado" ou "onde uma procura sentimentos o outro procura a lógica" não serão ideias preconceituosas, defende que "a pergunta veicula aquilo que é suposto pelas feministas: temos de moldar os homens à nossa maneira para eles serem sempre muito dóceis em casa e cuidarem dos filhos como nós. Mas esse é um grande engano porque os homens não mudam assim, a não ser por estratégia temporária; se, de facto, mudarem, ficam feridos na sua identidade e acabam nos psiquiatras".
Será que somos nós que nos tornámos demasiado sensíveis? Que lhes impomos demasiado a nossa visão da vida e do mundo? Luiz Cuschnir acha que "hoje há uma população de mulheres jovens com muita dificuldade em encontrar parceiro, por se considerarem atitudes machistas quaisquer diferenciações do que é masculino e do que é feminino. Como se diferença fosse igual a desvalorização". Pio Abreu admite que os homens possam fazer o que as mulheres fazem, mas garante que nunca da mesma maneira. E o autor de A Queda dos Machos vai mais longe: "Embora as mulheres possam sonhar com isso, depressa se cansariam de um homem igual a elas, obediente e que fizesse tudo o que elas fazem e da mesma maneira."
Quem não está connosco está contra nós?
Para o homem, na relação com o sexo feminino, havia sempre uma coisa que resultava: o cavalheirismo. Agora nem isso os safa. Visto pelas feministas mais radicais como uma noção que oculta em si a ideia da noção de fragilidade ou incapacidade da mulher, se um homem avança para abrir uma porta pode bem ouvir um "sou perfeitamente capaz de abrir a porta sozinha" azedo. Os elogios e galanterias também não estão a salvo, pelo menos não em todos os contextos. (Não estamos a falar dos piropos de rua.) Nos Estados Unidos, alguns bem-intencionados têm sido chamados ao departamento de recursos humanos da empresa para serem aconselhados a não voltarem a elogiar o vestido ou o penteado de uma colega de trabalho. A noção de assédio sexual parece ficar cada vez mais alargada.
Por outro lado, há muitas coisas novas que se lhes exigem: espera-se que sejam belos e o conceito de metrossexualidade, nascido em meados da década de 1990, veio criar-lhes exigências em termos de aparência a que nunca tinham estado sujeitos, espera-se que se envolvam igualmente no mundo doméstico e dos cuidados aos filhos e nunca a sua performance sexual foi tão escrutinada. Há quem lhes chame novos papéis e se sinta confortável ou mesmo satisfeito com eles, há quem lhes chame exigências e se sinta pressionado a ser aquilo que não é. E isso levanta uma hipótese final, que leva a um paradoxo bem interessante: assim como as mulheres foram castradas pela diferença excessiva, estarão agora os homens em maus lençóis porque desejamos que eles sejam demasiado iguais a nós?
Por Sofia Teixeira
*Originalmente publicado na Revista Máxima, edição nº340

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