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Alain de Botton: Remédio espiritual e profano

Após ter refletido sobre os mistérios do amor, o consolo da filosofia, a arte de viajar, este original ensaísta explora uma outra via para a nossa felicidade: a religião, mesmo que sejamos ateus, como coach de vida.

Alain de Botton: Remédio espiritual e profano
Alain de Botton: Remédio espiritual e profano
03 de abril de 2013 às 06:30 Máxima

Em Inglaterra, o novo livro de Alain de Botton está prestes a tornar-se o seu maior êxito, embora o autor de A Arte de Viajar (D. Quixote) já tenha tido muitos. Mas desta vez, aos 42 anos, o elegante e mordaz filósofo envolve-se numa cruzada no mínimo ambiciosa. E se, propõe no seu Religião para Ateus (D. Quixote), as nossas sociedades se inspirassem nas religiões para repartir no bom sentido? Explicações.

Assume-se como ateu e, no entanto, admirador das grandes religiões: não acha que é uma posição difícil de manter?

Penso que ser ateu não significa detestar a religião. Pode não se acreditar em Deus e, simultaneamente, ter interesse pela história, sociologia e psicologia das religiões. Antes de mais nada, são sistemas culturais evoluídos que podem ensinar-nos certas coisas essenciais de que nós, pessoas modernas, nos esquecemos. Mas, hoje em dia, a ideia dominante é que, se se é verdadeiramente adulto, não se acredita: a religião é para as crianças ou para aqueles a quem falta coragem. Ainda por cima, tem-se a tendência de pensar que se nunca começarmos a interessar-nos pelas questões religiosas podemos progressivamente acreditar e, portanto, é perigoso! Ora, eu não acredito em Deus e há imensos aspetos das religiões que me irritam, a começar pela submissão das mulheres. Mas gosto da Missa do Galo no Natal na igreja: temos a beleza arquitetural do lugar, a estupenda música, a atmosfera de exaltação. A maior parte das pessoas a quem explico isto compreendem espontaneamente do que se trata.

BIOGRAFIA RESUMIDA

1969 - Nasce em Zurique

1993 - Após ter terminado os estudos em Filosofia, publica o seu primeiro livro, Petite Philosophie de l'amour (Flammarion).

1997 - Publica Como Proust pode mudar a sua vida (D. Quixote).

2008 - Inaugura The school of life, em Londres.

2009 - Lançamento de Living Architecture, inspirado no seu livro Arquitectura da Felicidade (D. Quixote), com vista a conceber casas inovadoras.

2012 - Publica Religião para Ateus (D. Quixote).

1969 - Nasce em Zurique

1993 - Após ter terminado os estudos em Filosofia, publica o seu primeiro livro, Petite Philosophie de l'amour (Flammarion).

1997 - Publica Como Proust pode mudar a sua vida (D. Quixote).

2008 - Inaugura The school of life, em Londres.

2009 - Lançamento de Living Architecture, inspirado no seu livro Arquitectura da Felicidade (D. Quixote), com vista a conceber casas inovadoras.

Qual é essa coisa essencial de que o mundo moderno se esqueceu?

É a nossa vulnerabilidade comum. Somos todos um pouco loucos e um pouco frágeis, ao acreditarmos nas pulsões emotivas que nos impedem de ir atrás do que verdadeiramente queremos. E agrada-me o facto de todas as religiões nos lembrarem as “crianças”. Não é por mal: elas dizem-nos, à semelhança da psicanálise, que se pode ser adulto e, ao mesmo tempo, habitar em nós a criança que fomos. Só que esta realidade foi apagada pela ideologia moderna: hoje somos pressionados para sermos fortes, eficientes, autónomos. Deixando-nos assim com uma série de perguntas sem resposta sobre a nossa evidente fragilidade.

Daí a sua proposta de reforma do ensino?

Sim, porque já não se ensina a sabedoria. Os cientistas sabem que têm de aprender com as gerações anteriores: não se pede aos estudantes de química que redescubram tudo de novo. Mas quando se trata das grandes questões do senso comum, como viver, como amar, como morrer, a ideia é que, enquanto adulto, cada um encontre as suas próprias respostas. A sociedade não tem de se imiscuir. Quando pensamos nisso, é loucura deixar-nos sós face a aprendizagens tão essenciais!

Não é esse o caso da religião...

Pois não é. A religião não esquece que temos necessidade de ajuda para avançarmos na existência. Os seus inúmeros rituais são, aliás, mecanismos de ajuda espiritual para nos fazer lembrar essas verdades simples: a tolerância, o perdão, a coragem, que, por preguiça ou angústia, tendemos a esquecer. No mundo laico, apenas temos a psicanálise para responder a essa necessidade. Mas isso apenas abrange uma privilegiada minoria. A religião, pelo contrário, toca toda a gente, em todos os momentos importantes da vida: a entrada na idade adulta, o casamento, o nascimento dos filhos ou o luto.

 

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Não é à literatura, às artes e à filosofia que compete transmitir-nos ensinamentos de vida?

É precisamente essa a grande ideia que surgiu no século XIX: a cultura vai substituir a religião na educação moral do homem. Exceto se nos apresentarmos no departamento de literatura ou de filosofia de uma universidade e declararmos “estou aqui para aprender a viver, a amar, a morrer”, depressa nos enviarão para o hospital psiquiátrico! “Aqui estuda-se o conceito de intencionalidade em Quine ou a influência das teorias de Séneca no teatro do século XVII!”

Paradoxalmente, a maior parte dos grandes artistas do século XX cultivavam uma intenção espiritual...

O mundo cultural laico é frio. Num museu, dizem-nos a data de um quadro e os materiais utilizados para a sua realização. Lembro-me de, quando era novo, estar a ver uma exposição de Rothko na Tate Gallery sem saber o que havia de pensar dela: eu não era fiel às minhas próprias impressões. Anos mais tarde, li uma entrevista em que ele dizia: “Eu quero que as pessoas possam entrar em diálogo com a sua tristeza, com a nossa tristeza comum, ao olharem para os meus quadros.” Mas isso a galeria não nos vai dizer! Demasiado simples! Demasiado kitsch! E, no entanto, as religiões sabiam que a arte é também um meio de elevação moral: dirige-se a todo o nosso corpo e não apenas à nossa razão. Os quadros do Renascimento exprimem por sentimentos simples o que devemos amar e o que devemos recear e isso não os impede de serem obras de arte de grande complexidade.

Acha, então, que os museus deviam ser revitalizados?

Na verdade, por que não dividir as obras por salas de grandes estados essenciais: a galeria do autoconhecimento, do amor ou do sofrimento? O diretor de um museu de Toronto contactou-me recentemente no sentido de organizar uma exposição de acordo com este princípio didático. Vamos ver o que podemos fazer em conjunto.

O seu primeiro êxito chamava-se Como Proust pode mudar a sua vida. Hoje diz-nos que os livros não bastam.

Sim, foi uma certa impaciência para com o mundo intelectual que me inspirou esse ensaio. Continuamos a achar que se o mundo vai mal é porque ainda não tivemos uma boa ideia. Mas isso não é verdade: existem excelentes ideias nos livros. Simplesmente não são postas em prática. Temos, estupidamente, um problema de organização. O que nos falta não são ideias, mas sim o que as pode sustentar. E sobretudo organização.

Em que é que está a pensar?

Hoje em dia, as únicas organizações capazes de nos juntar são as grandes marcas comerciais. A psicanálise, por exemplo, é bem mais importante do que os cabeleireiros. E, contudo, os cabeleireiros têm um peso comercial infinitamente maior. Talvez pudéssemos inspirar-nos em certos movimentos religiosos, como os Jesuítas que souberam traduzir uma grande ambição prática de difundir as suas ideias na criação de escolas, no tornarem-se precetores junto das famílias importantes da Europa, em viajar pelos quatro cantos do mundo. Seriam também necessários movimentos proeminentes da sociedade civil que permitissem àqueles que procuram uma resposta espiritual ateia apoiarem-se mutuamente.

Ao ouvi-lo temos a impressão de nos encontrarmos num novo começo.

Sim. Algumas pessoas podem acreditar que é o fim da História, mas a civilização laica tem dois séculos. Estamos apenas a começar. E inspirando-nos nas grandes experiências do passado, compete-nos inovar no domínio das instituições sociais. Ainda podemos inventar muita coisa.

 

Fotografia de Jean-François Robert

Tradução de Ana Isabel Palma da Silva

Exclusivo Madame Figaro

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Nasceu em Zurique há 42 anos.
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