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Está escrito nas estrelas?

Falar da Astrologia como tendência poderá provocar alguns revirares de olhos ou até sonoras gargalhadas. Sim, não há muito de novo no tema, exceto talvez o interesse crescente e porventura mais desassombrado. Rita Lúcio Martins foi averiguar (e, pelo caminho, fez o mapa astral).

Foto: Unsplash
08 de maio de 2020 às 07:00 Rita Lúcio Martins
A culpa é do mercúrio retrógrado", dizia uma das minhas companheiras de viagem, no lobby do hotel. As outras, dispostas num semicírculo, acenavam, em sinal de concordância. Mercúrio o quê? Estava em Madrid, numa viagem de trabalho, acompanhada por um grupo bem diversificado de jornalistas, homens e mulheres. Comentávamos as sucessivas confusões e mal-entendidos relacionados com a viagem. Uns não tinham recebido o cartão de embarque, outros confundiram a hora ou o local do ponto de encontro. Nada de grave, mas o suficiente para vários impasses e compassos de espera que, naquele instante, foram rapidamente explicados como falhas de comunicação resultantes da localização atual dos astros. A sério?, questionei-me.
 
Sempre tive alguma curiosidade em relação à Astrologia, mas nunca me debrucei seriamente sobre o assunto. A coisa foi-se esgotando nas previsões mal amanhadas dos horóscopos ou nas reações de perplexidade sempre que alguém esboçava alguma teoria mais rebuscada sobre o assunto. O que é certo é que, nos últimos tempos, e sempre que a Astrologia vinha à baila, eram cada vez mais as pessoas que, com um ar completamente natural e quase blasé, comentavam os alinhamentos dos seus mapas astrais ou as conclusões retiradas dos tête-à-tête com tarólogos, mães de santo ou especialistas em leitura de búzios. Então o que é feito daquela pontinha de vergonha em admitir uma espiritualidade menos convencional? E o preconceito dos céticos por tudo o que é alternativa ao racionalismo puro e duro? Na verdade, se olharmos bem, ele ainda lá está. Mas vai havendo cada vez mais espaço para alternativas que contribuam para caminhos que, ainda que pouco óbvios, nos possam ajudar a encontrar as tão ansiadas respostas preci(o)sas. E é assim que vou parar ao consultório de Armando Gouveia.
 

Confrontado com a pergunta sobre quem são os seus clientes, Armando Gouveia adianta que há de tudo um pouco. Homens e mulheres, de diferentes faixas etárias, pessoas que o consultam com regularidade, uma vez por ano ou apenas ocasionalmente. Já a psicóloga Filipa Jardim da Silva adianta uma possível explicação para o aparente (ou declarado) maior interesse feminino sobre estes temas: "Tendencialmente as mulheres desenvolvem-se com maior tolerância no que diz respeito à sua emocionalidade e com maior abertura em temas que remetem para a saúde psicológica e bem-estar, em relação aos homens, também eles mais racionais. Nesse sentido, acabam por cultivar maior interesse por temas menos lineares, interesse, esse, partilhado muitas vezes em grupo, o que poderá justificar a sua maior adesão a estes temas."

Não. Não há incenso a queimar nas prateleiras, música esotérica a soar das colunas, nem cortinas de fitinhas coloridas e serpenteantes a separar as salas. Podia bem estar no consultório do meu otorrino que, na verdade, nem fica assim tão distante daquela rua da capital. Um apartamento normal, com uma sala de espera vulgar, a anteceder uma consulta que, para mim, era novidade. Minutos depois ali estava ela, no centro da mesa: a minha carta astral. "O que faço é utilizar a informação astrológica que me permite fazer apenas - e só – uma caricatura da realidade", explicava-me mais tarde Armando Gouveia, um profissional que me foi muito bem recomendado (dedica-se à Astrologia há mais de trinta anos), mas que habitualmente prefere evitar as entrevistas... precisamente por ainda haver muito ruído e especulação em torno do seu ofício. "Nas minhas mãos (e esta é uma questão importante porque, como sabe, a Astrologia não está corporizada e, por isso, cada um faz a avaliação consoante a sua cultura e nível de entendimento), uso-a para tentar criar uma pessoa suficientemente parecida consigo, que estimule o seu interesse, a sua curiosidade e nos leve a criar um ambiente de reflexão, uma especulação que se quer saudável. Isso vai fazer-nos viajar num território misterioso, que é o da própria subjetividade. É algo de natureza quase oceânica e que exige de nós uma grande humildade, mas que simultaneamente é fascinante." Por esta altura, confesso, o meu coração – dividido entre a pertinência jornalística e a mais banal curiosidade – já tinha acelerado. De um lado, as perguntas mais básicas: a Astrologia tem uma base científica, mas pode ser considerada uma ciência? Uma pessoa com a mesma data e local de nascimento tem o mesmo destino? E, do outro, a tentação de espreitar o futuro, na esperança de que a visão nos devolva alguma coisa de radioso. Mas, por essa altura, já o especialista tinha olhado o meu mapa e percebido que saber ouvir é uma das minhas qualidades. Foi o que fiz.

 
Antes da consulta fiz o meu trabalho de campo. Falei – formal e informalmente – com os mais diferentes tipos de pessoas que, em comum, têm a Astrologia. Percebi que uns recorrem a estas consultas em momentos conturbados, como na sequência de um divórcio, enquanto outros gostam de saber o que dizem os astros na hora de apostar numa mudança profissional, havendo ainda lugar para quem, na tentativa de encontrar respostas essenciais, não renega ajudas e saltita entre a cadeira do psicólogo e a do astrólogo com naturalidade e desenvoltura. "Sempre tive um lado espiritual muito presente, ainda que o tenha ignorado durante muito tempo. Hoje já não o faço", confessou-me André Matias, um bem-sucedido homem de negócios, na casa dos 40. "Há uns anos senti que precisava de uma mudança, nomeadamente a nível profissional, e decidi consultar uma astróloga. O meu objectivo nem era fazer perguntas, apenas ouvir o que ela tinha para me dizer. E a verdade é que foi muito straight to the point. Ouvi várias coisas que, na altura, foram difíceis de compreender mas que, com o tempo, foram fazendo sentido. Desde então passei a fazer estas consultas (com diferentes profissionais) uma vez por ano. Procuro informações úteis, que me preparem para o que está para vir, sem que isso acarrete qualquer tipo de ansiedade, até porque não faço depender qualquer decisão disso. É preciso manter alguma lucidez. Para mim, aquilo que a Astrologia me dá são essencialmente guidelines. Hoje em dia tudo convida à dispersão e a Astrologia convida-me a inverter esta tendência, a olhar para dentro." Filipa Jardim da Silva concorda: o desconforto pode ser um gatilho que gera uma procura de soluções mais abrangente. Por isso, defende a psicóloga clínica da Oficina de Psicologia, "o maior acesso a informação diversa e uma mentalidade mais aberta e flexível, em que a saúde da mente e a saúde emocional surgem cada vez com mais destaque a par da saúde física, poderão permitir uma maior atenção a temas relacionados com a espiritualidade".
 
Se abertura é uma palavra essencial para abordar esta dinâmica, lucidez será um termo incontornável para a compreender. "É importante que todos os caminhos que possamos seguir para potenciar o nosso bem-estar físico e psicológico sejam escolhidos de forma informada e se revelem fidedignos e sustentados, junto de profissionais sérios e credenciados nas suas áreas", explica a psicóloga Filipa Jardim da Silva. O bom casting, chamemos-lhe assim, revela-se tão importante como na seleção de qualquer outro profissional a quem confiemos o nosso bem-estar: é preciso haver confiança, respeito e empatia. No caso da Astrologia, acaba por funcionar a referência pessoal: "O passa-palavra, a recomendação por parte de amigos ou familiares… Embora eu acredite que devemos confiar em nós próprios e estar atentos às coincidências da vida", confidenciava-me Maria Pereira. Depois de algumas consultas de Astrologia (que no início foram algo enigmáticas, mas que acabaram por se revelar muito úteis), esta diretora de marketing de 43 anos ouviu falar de leitura de búzios. Levada pela curiosidade, marcou consulta, mas, com a mesma velocidade, acabou por desmarcar. "A verdade é que ainda há um grande preconceito em torno destes temas e, apesar de me considerar uma pessoa aberta, talvez ainda tivesse algumas reticências. Mas uma semana depois de ter desmarcado, num sítio onde nem era suposto estar, uma pessoa que mal conhecia e altamente improvável falou dessas tais consultas de búzios. Acredito muito nessas sincronias. Quando estamos sintonizados, a vida dá-nos sinais e acho que foi isso que aconteceu. Remarquei a consulta e não só saí de lá com a confirmação de muitas das coisas que me haviam sido ditas nas tais consultas de astrologia como percebi que tinha imensa vontade de aprender mais sobre o assunto." A curiosidade é um dos efeitos secundários mais prováveis, sobretudo para quem adota uma postura de abertura. Sendo a Astrologia uma exploração a dois, é fácil compreender que uma pergunta leve a outra.
 
"Vamos entrar num território não cartografado, tentar trazer informações para depois analisar, tornando assim mais fáceis as nossas viagens interiores. Quando a pessoa se conhece melhor é suposto tomar decisões com mais segurança, ter mais nitidez nas suas avaliações", avisou-me Armando Gouveia. Maria Pereira concorda e acrescenta: "Aquilo de que falamos nas consultas é essencialmente de tendências. Acredito que temos as respostas dentro de nós, mas há fases tumultuosas em que não as conseguimos perceber. É nestas ocasiões que uma consulta de tarot ou de Astrologia pode ser especialmente útil, mas apenas se for conduzida por um bom profissional, que dará perspetivas e caminhos, mas deixará sempre as decisões do lado da pessoa."

Pelo caminho, poderemos ser surpreendidos com informações que, no plano mais imediato, podem ser difíceis de gerir (... e não falo necessariamente de previsões, mas de uma eventual explicação sobre determinado traço de personalidade ou de um acontecimento longínquo que poderá justificar um certo padrão comportamental).

O objetivo, repete uma e outra vez Armando Gouveia, é que tais informações sejam consideradas possibilidades, pontos de partida. O astrólogo, conhecido pela sua predilecção por metáforas (para ele só assim faz sentido falar de Astrologia), compara o seu métier a um martelo: tão depressa pode ser uma ferramenta de construção como, quando mal usado, se pode tornar uma arma de arremesso: "A ideia não é tomar à letra aquilo que se vai dizer mas sim usá-lo como pretexto de reflexão, até porque a informação da Astrologia não é determinista. Creio que já ultrapassamos essa fase: há muita segurança nas informações que nos dá, um elevado grau de fiabilidade, mas depois há sempre espaço para a vontade individual. O que a Astrologia apanha são as leis do espaço e do tempo – não abarca tudo. Por outro lado, quanto maior for a consciência espiritual de uma pessoa, menos ela está sujeita às leis do espaço e do tempo. Assim se explicam os diferentes níveis de interpretação."

Se a Lua afeta as marés porque é que não te afeta a ti? A pergunta foi-me feita em tempos e deixou-me a pensar. E se a Lua me afeta, o que me leva a crer que os planetas não possam exercer o mesmo tipo de influência? É o tipo de perguntas eternas, que dividem céticos e crédulos, sem aparente consenso à vista. Longe de querermos determinar quem está certo ou errado, socorremo-nos dos especialistas para tentar chegar a bom porto: "Sabemos que uma atitude de flexibilidade é positiva no sentido em que mais do que dizermos o que é e não é verdade, sabemos aquilo que nos faz sentido e por isso acreditamos, sem termos de criticar outros por terem perspetivas e crenças diferentes. Beneficiamos mais com a diferença do que com a imitação e a limitação de liberdade de pensamento." Liberdade. A palavra avançada pela psicóloga é, curiosamente, a mesma que, depois de muito procurar, Maria Pereira encontra para melhor ilustrar a sua história: "Na vida carregamos sempre uma mochila. Ao longo do caminho, vamos deixando parte do conteúdo para trás, resolvemos questões e largamos medos, mas também vamos metendo coisas novas lá para dentro. Este processo de reflexão e autoconhecimento por um lado traz aceitação, mas, acima de tudo, dá-me liberdade."

*Originalmente publicado na edição de Julho de 2016 da Máxima
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