O meu filho assumiu a sua homossexualidade, há cerca de um mês. Não foi surpresa para mim e, apesar de algumas preocupações, estou com ele para o que vier e sem problemas com a sua orientação sexual. Apenas o meu marido estava em negação… e continua. O clima está tenso e tem havido discussões como nunca vi ou esperei. Até em relação a mim… chegou a dizer que a culpa é minha… Como sair deste turbilhão? Não quero perder a minha família…
Cara Arminda, grata pela partilha deste momento delicado na família. O conhecimento da homossexualidade de um filho não raras vezes traz algum choque. Pais e irmãos sentem-se abalados, tal como o próprio filho que revelou a sua orientação sexual. Frequentemente a crise familiar acontece. Deixarei aqui alguns comentários sobre o processo de coming out em família, considerando possibilidades de reequilíbrio.
Em muitas famílias, o momento de revelação da homossexualidade de um filho passa por tensão e conflitos, por vezes com corte relacional. Contudo, na maioria dos casos, depois de uma fase de choque, a aceitação vai acontecendo com o tempo, mesmo que em algumas famílias a aceitação plena nunca venha a suceder. Trata-se de um processo de luto sobre expectativas criadas para esse filho, baseadas nas crenças culturais que ainda dominam centradas na heterossexualidade e mesmo numa lógica binária de género. Este processo de luto oscilará entre fases de negação, zanga, tristeza até, idealmente, à aceitação plena. Os conflitos podem ser com o jovem, mas também ter repercussões no casal (quando os pais estão juntos) ou na relação entre os pais, agravando eventuais conflitos já existentes (quando separados).
É importante sublinhar que a homossexualidade (como outras orientações sexuais) não é uma escolha, nem uma doença e tão pouco fruto de erros da parentalidade. É também sabido que sempre existiu ao longo da história da humanidade e nas diversas culturas. Os determinantes da nossa orientação sexual ainda são pouco consensuais, pese embora se considerem como multifatoriais, isto é, entre fatores biológicos, psicológicos e sociais que se tocam num processo de grande complexidade, tal como a nossa identidade em geral. Não obstante, nas culturas ocidentais, a homossexualidade ainda é vista com preconceito e muitos pais passam por sentimentos de culpa ou vergonha, bem como medos pela felicidade do seu filho, temendo que sofra mais, se desligue da família ou tenha dificuldades na sua integração social. Note-se que existem ainda muitos estereótipos erradamente construídos de que gays e lésbicas são anti-família, desligados ou que não querem uma relação estável e duradoura. As aspirações sobre a vida familiar variam de indivíduo para indivíduo, e encontramos essa variação em pessoas com diferentes orientações sexuais.
Apesar de muitas famílias sofrerem com a revelação da homossexualidade de um filho, pode ser um fator muito protetor para a/o jovem, se os pais conseguirem estar disponíveis para a/o apoiar. Repare-se que nem todas as pessoas revelam a sua orientação sexual, quando não heterossexuais, por temerem rejeição, o que pode levar a menos proximidade e intimidade na relação familiar. Quando a revelação acontece é também um sinal que a/o jovem acredita nesse suporte e que para ela/e é importante a transparência e essa proximidade com os pais. Ainda, relembrar que o coming out não é um evento, mas sim um processo: não só com o próprio, como com amigos, colegas e, naturalmente família, para além da sociedade em geral. Este processo também irá acontecer na família e será tanto mais positivo, quando refletido e participado por todos em família: quem sabe? Como irão lidar socialmente? A quem irão revelar? Como se irão apoiar na dúvidas, medos ou tristezas? Como se irão reforçar e celebrar enquanto família?
Pode ser sempre de grande ajuda procurar informação em conjunto e mesmo conversar com outros pais que já passaram por este turbilhão e que entretanto conseguiram encontrar um equilíbrio, aceitando e apoiando o filho em questão. A AMPLOS, a título de exemplo, é uma associação de mães e pais que se apoiam, lutam contra a discriminação dando informação e apoio, e definindo estratégias para ajudar os filhos, contribuindo para uma sociedade inclusiva. Se as tensões e conflitos se mantêm pode ainda ser de grande ajuda recorrer a um terapeuta familiar que vos poderá ajudar a ultrapassar esta fase, numa lógica de promoção de resiliência familiar e aceitação mútua. A família pode sempre sair reforçada de um momento de crise. Vale a pena tentar.