A minha vizinha era uma senhora bem-disposta e comunicativa com todos da rua, mas nos últimos meses perdeu o cão e depois também perdeu um dos trabalhos (trabalha nas limpezas), e ficou muito abatida. Recentemente começou a tomar medicação (foi pedir a outro vizinho, pois dizia que estava deprimida, mas a nós vizinhos pareceu-nos exagerado). Todavia parece estar diferente, mas dá ideia de estar sedada… será a medicação uma boa solução para a tristeza?
Cara Daniela, grata pela questão e pela preocupação demonstrada com a vizinha. Naturalmente que recorrer ou não a medicação tem de ser bem ponderado, e em acompanhamento com um médico. De facto, estamos numa era de maior consumo de medicação para questões relacionadas com problemas emocionais, seja prescrita por especialistas como os psiquiatras, por médicos de clínica geral ou mesmo via auto-medicação. Estamos igualmente numa era em que problemas como a depressão crescem exponencialmente (a Organização Mundial de Saúde estima existirem 350 milhões de pessoas a sofrerem de depressão em todo o mundo) e é importante distinguir o que é a tristeza pelas perdas na vida, de depressão em que a pessoa sente que se perdeu a si própria ou o sentido da sua vida. Tal diagnóstico deve ser feito por profissionais da área da saúde mental, pois nem sempre a depressão se manifesta da mesma forma, e os profissionais poderão avaliar com a vizinha a situação específica e com ela decidir a melhor solução. A auto-medicação tem riscos associados e não é recomendável.
Qualquer dor ou desconforto emocional é sinal que algo não está bem e que, naturalmente, é preciso mudar. Se compreendemos que se trata de uma dor que vem na sequência de uma perda ou alteração não desejada de uma circunstância de vida, como a situação que refere, é natural e adaptativo sentirmos tristeza. Nessa altura é tempo de chorar, e reencontrar um significado para esses acontecimentos. A maioria das situações de tristeza é superada de forma natural, sem recurso a medicamentos. Quando a tristeza é muito profunda, pode acontecer uma tendência para pedir uma solução externa que alivie essa dor de forma quase ‘instantânea’ – muitas vezes a opção passa por tomar medicação. Nestas opções podemos estar a evitar ou bloquear um processo emocional que precisamos fazer (eventualmente um processo de luto), sendo que a dor virá sempre que pararmos os medicamentos. Noutras situações podemos estar a falar de depressão que é incapacitante a vários níveis: a medicação (prescrita por um médico) em complemento com psicoterapia pode ajudar.
É assim preciso clarificar que há situações que efetivamente necessitam de terapia farmacológica e que tal terá de ser avaliado, no caso, com os profissionais que possam acompanhar a vizinha (seja depressão ou outro problema de saúde mental), pese embora a importância de, em complemento, encontrar estratégias pessoais que permitam encontrar um novo sentido, uma nova forma de pensar, sentir e agir. A depressão não é tratada apenas por medicação, mesmo que o impacto na gestão do quotidiano possa ser minimizado pela mesma, e ser uma opção tomada pelas pessoas com os seus médicos. Há que haver uma decisão dos caminhos a seguir, sempre em articulação com os profissionais.
Muitas pessoas encontram na psicoterapia uma alternativa, predispondo-se a mudar na forma como se encara a vida. Naturalmente que frequentar consultas de psicologia não é uma panaceia, e a duração do processo dependerá de pessoa para pessoa, consoante as questões individuais e circunstâncias. O objetivo passa por ajudar as pessoas a encontrarem uma nova forma de olhar e construírem um significado para as suas vivências que lhes permita viver uma vida gratificante e apreciativa nos bons e ótimos momentos, e de se sentirem capacitadas para integrarem os momentos difíceis e lidarem e superarem as adversidades inerentes ao percurso de vida. Os vizinhos podem aqui ajudar no sentido da vizinha se sentir apoiada, e de inverter uma tendência eventual para o isolamento. Pode ser ainda benéfico na motivação para consultar um psicólogo ou um médico.
As depressões podem ser de diferentes níveis de profundidade, e terem exigências diferentes, bem como terem diferentes formas de se manifestar. Pode-se, em qualquer dos casos, recorrer a um psicólogo clínico no sentido de aprender a lidar com as emoções e gerir momentos difíceis e ampliar momentos de bem-estar que, se considerar pertinente, irá propor o devido encaminhamento para um serviço médico. Todavia, é preciso lembrar que todas as emoções têm de ser vividas e integradas, de modo a poderem ser resolvidas.