Mas quem pensa que é só no momento irresistível da traição que se colocam escolhas e dilemas, engana-se. Depois, vem outra questão crucial: contar ou calar.
“O casamento tem muitas vantagens, mas o erotismo não é uma delas.” A afirmação, dura como um soco no estômago, é de Susan Squire, autora de I Don’t, uma história do casamento, e pode servir como resposta às perguntas: porque traímos? Porque somos traídos? “O casamento envolve rotina e a rotina mata a paixão”, afirma a impiedosa autora, admitindo que poucos aguentam viver sem a excitação da aventura e da novidade. Faz sentido. Inúmeros estudos internacionais mostram que entre 30 a 60% dos homens e 20 a 50% das mulheres são infiéis pelo menos uma vez na vida. A propósito da disparidade de números entre os dois géneros, a antropóloga Helen Fisher comentou com humor que ou existia um número de mulheres sexualmente hiperactivas para entreter todos os infiéis ou andava meio mundo a enganar o outro: os homens exagerando nas suas proezas; as mulheres fingindo-se mais recatadas do que aquilo que são. E, muitas vezes, elas são como os homens. No livro The Evolution of Desire, o psicólogo norte-americano David Buss, autor de vários estudos sobre a influência da biologia no comportamento sexual dos humanos, diz que as mulheres também estão programadas geneticamente para serem infiéis. Só que, mais uma vez, as suas motivações são diferentes das masculinas – eles traem por uma questão de reprodução, elas por motivos de segurança.
Várias pesquisas mostram ainda que a infidelidade masculina vai aumentando ao longo dos anos, enquanto as mulheres apresentam uma distribuição mais curvilínea, sendo a faixa entre os 30 e os 40 anos a mais perigosa. Curiosamente, cerca de 80 a 90% das pessoas recém-casadas mostra-se completamente contra qualquer tipo de infidelidade, mas, com o decorrer do tempo, vai ficando cada vez mais tolerante à ideia.
Como não há anjinhos, vamos admitir que qualquer pessoa pode ser infiel. Foi isso que fez Mira Kirshenbaum, psicóloga e terapeuta norte-americana, autora do livro When Good People Have Affairs (Quando as Boas Pessoas Traem) e ela própria vítima de um caso extraconjugal do marido. Mira admite ter ficado destroçada com a traição, mas quis entender as razões do sucedido e percebeu que afinal o acidente não fazia do seu amado um monstro. Mais: concluiu que, apesar do sucedido, queria manter o casamento.
A psicóloga é muito clara face à grande questão que se coloca a todos os traidores: devo ou não contar? “Não”, diz Mira. “Se quiser reconstruir o casamento, revelar a traição só vai atrapalhar.” E dá um exemplo de como esta necessidade de transparência pode ser egoísta e cruel: “Um casal deve ser franco, mas existem certos segredos que devem ser mantidos. Imagine que um homem fantasia com a Gisele Bündchen enquanto faz amor com a mulher. Que bem é que isso fará à parceira se ele fizer questão de lho contar?”, interroga-se.
A psicóloga clínica Shoshana Bennett tem a mesma opinião: “A traição pode até ser boa para o casal, mas apenas se o outro não souber o que aconteceu. Se a pessoa quiser recuperar a relação, o melhor é esquecer o que se passou, não contar nada e fazer tudo para restabelecer a intimidade.”
A especialista também defende que a maior parte das confissões de traição são atos egoístas. “As pessoas acabam por contar mais por razões egoístas do que por pensar que o outro tem o direito de saber. Normalmente, fazem-no para aliviar a sua própria culpa.”
Teresa, 38 anos, separou-se por causa de um excesso de franqueza do namorado. Viviam juntos há dois anos e depois de uma grande discussão resolveram separar-se durante algum tempo. Ele telefonava-lhe, mandava-lhe mensagens e presentes. Ela mantinha-se mais ou menos à distância, mas gostava da corte.
Até que numa segunda-feira chuvosa – ela sublinha o estado do tempo como se fosse sinal de mau agoiro – ele ligou-lhe, aflito, a pedir-lhe que se encontrassem porque precisava de lhe falar. Marcaram numa pastelaria, sentaram-se para tomar um chá e ele detonou a bomba: “Disse que não aguentava mais, que precisava de me contar que tinha passado a noite com outra mulher.” E deu detalhes: “Reforçou que ela era bonita, que tinha sido muito bom, mas que tinha passado o tempo todo a pensar em mim e que agora tinha a certeza de que era a meu lado que queria ficar.”
Teresa ficou tão chocada que não conseguiu abrir a boca. Mas à medida que o tempo foi passando, foi ficando cada vez mais indignada.
“Como é que alguém pode ser tão insensível e tão egoísta ao ponto de contar uma coisa daquelas à pessoa que ama, só para se sentir melhor? Tudo o que ele queria era deixar de se sentir culpado: nem uma vez pensou no mal que aquilo me fez.”
Depois desse dia, só voltaram a encontrar-se dois meses depois. Jantaram, desculpou-se, mas Teresa não conseguiu perdoar. Acha que só o fez, realmente, quando também ela dormiu com outro homem. “Não foi nada de especial, mas encarei como uma espécie de carta de alforria. E estive quase a ligar-lhe para dizer: ‘Ouve, fui para a cama com outro tipo e não foi mau de todo. Era só para ficares informado.’”
A maioria das relações sobrevive a um affair. Quem o diz é o terapeuta familiar José Gameiro, a quem a experiência profissional diz que a rutura é mais provocada por elas quando fruto do desgaste progressivo da relação, e iniciativa deles se descobrem uma infidelidade. “É mais complicado para eles perdoarem.” Um terço dos casais que recebe procura-o devido à descoberta de um caso extraconjugal. “Quando são eles é pior, isso põe em causa a sua masculinidade.
O terapeuta admite que “a maior parte das pessoas não conta ao parceiro”, muito menos logo após a traição. Há quem o faça algum tempo depois, mas “a maioria das pessoas que aqui vem foi apanhada”.
Foi o que aconteceu a Filipe. Uma, duas, três vezes. O gestor, de 46 anos, não consegue manter-se fiel a Rita, de 44, que vive num sobressalto constante com sms, e-mails e chamadas telefónicas. A publicitária sabe que não devia submeter-se a tal humilhação, mas diz que o que sente por ele é superior ao seu orgulho ferido. “Não sei se é amor, se é doença, mas sei que das duas vezes em que nos separámos fiquei desolada.”
A psicóloga e terapeuta Cláudia Morais vê na traição um sinal de mal-estar. Muitas vezes, a relação oficial não é satisfatória e, não sendo capaz de lidar com essa frustração, um dos membros do casal volta-se para fora e quebra o laço que o unia ao parceiro. “Em vez de se virar para dentro – fazendo, por exemplo, uma terapia, analisando a relação ou discutindo os problemas com o outro – volta-se para o exterior.” Neste caso, o traidor acredita que vai ser salvo por uma terceira pessoa. Envolve-se com ela, as coisas não funcionam e recomeça tudo outra vez. Com uma nova parceira ou regressando à anterior. Parece não fazer grande sentido, mas é muito comum. Apesar de criticado. “E porque raio é que a sociedade há de considerar aceitável que alguém acabe com um casamento, enfrente um divórcio e envolva as crianças nesse processo doloroso, só para ter sexo com alguém que, em breve, também se tornará um parceiro monótono?”, questiona a cáustica Susan Squire.
Homens e mulheres traem. Eles procuram sexo. Elas procuram sexo e afeto. Nesse sentido, as suas aventuras são muito mais perigosas. “Para muitos homens, ter uma relação fora do casamento não implica acabar com o casamento, somente se a mulher o descobrir e forçar a separação. Para elas, não é preciso haver essa descoberta”, explica a psicóloga Cláudia Morais, contando que muitas mulheres que traíram o parceiro procuram-na por não se sentirem bem com a vida dupla que levam porque, entretanto, envolveram-se emocionalmente com o amante. Por outro lado, como são bastante mais atentas aos pormenores, elas escondem melhor uma relação extraconjugal.
Marta, 35 anos, apaixonou-se completamente por um colega de trabalho. Casada e mãe de dois filhos, não viu outra alternativa senão contar ao marido. Ele saiu de casa, ela foi viver a sua paixão. Mas o encanto durou pouco tempo. Separada do seu amante, Marta pediu ao marido que voltasse, jurou que se enganara e garantiu que continuava a amá-lo. Ele aceitou e estão juntos de novo há três anos. Mas ela diz que ele nunca mais recuperou a confiança nela – nem em si próprio. “Ficou mais introspetivo e desconfiado. E isso faz-me sentir mal.”
“Quando há uma traição e as pessoas ficam juntas é porque querem mesmo ficar juntas. O processo de reabilitação do casamento não é nada fácil”, diz José Gameiro, admitindo que também a curiosidade das mulheres faz a diferença. Elas querem saber tudo sobre aquela por quem foram trocadas. Massacram o parceiro com perguntas, zangam-se e violentam-se, como se fosse impossível evitar essa dor. Mas uma vez ultrapassada a fase do horror, a relação até pode sair beneficiada. “Porque elas encaram a coisa como uma competição, parece que ficam mais soltas”, diz José Gameiro.
- Porque somos traidores?
Vários especialistas falam em três tipos de infidelidade. A psicóloga Mira Kirshenbaum enumera dois. Confira-os a todos.
- Contra a rotina
Neste caso, a pessoa adapta-se à relação oficial e a tudo o que isso implica, mas começa a sentir falta de alguma emoção. Muita gente vira-se para a Internet, considerada um facilitador de relações extraconjugais. A pessoa nem sequer precisa de sair de casa para encontrar novas formas de prazer.
- Para afirmar a sexualidade
A rotina pode fazer muito mal à libido, como diz Susan Squire. Há quem só se dê conta da monotonia sexual em que vive quando ouve contar a terceiros as suas maravilhosas aventuras entre lençóis. É comum que uma mulher se sinta frustrada e desprezada pelo parceiro se ouvir da boca de uma amiga o quanto o parceiro desta a elogia e lhe dá prazer. Neste caso, ela pode procurar recuperar a chama da relação ou, não sentindo que isso é possível, tentar seduzir outro homem para recuperar a sua feminilidade.
- Síndrome de Madame Bovary
É assim apelidada por alguns especialistas em homenagem ao livro de Gustave Flaubert. Neste caso, a traição resulta de uma insatisfação afetiva permanente, com algum nível de fantasia à mistura. A pessoa compara a sua relação com as dos livros e dos filmes e anda permanentemente à procura de um amor romântico que não existe.
- Traição por dúvida
Muito comum nos homens de meia-idade. Mira Kirshenbaum diz que estas pessoas veem na relação extraconjugal uma forma de provar a si próprias e ao mundo que ainda são atraentes, divertidas, interessantes e sexualmente ativas. Se conseguirem esconder a traição e manter o casamento, refere a especialista, provavelmente este vai melhorar. Porque se regressa à relação com a autoestima em alta.
- Traição nostálgica
Muito comum nas mulheres, segundo Kirshenbaum. Como normalmente elas têm menos experiências amorosas e sexuais, chegam a uma fase em que sentem que perderam alguma coisa. Na maior parte das vezes, estes affairs são meras experiências sem futuro.
- Os homens...
Estudos indicam que a infidelidade masculina vai aumentando ao longo dos anos.
A psicóloga norte-americana Shirley Glass, especialista em infidelidade e autora do livro Just Friends: Rebuilding Trust and Recovering You Sanity After Infidelity, escreveu que a maioria dos homens (80%) não imagina que a mulher está a viver um romance conjugal, ao contrário delas que, em 90% dos casos, têm razões para desconfiar. Têm mais oportunidade para trair, não só pela disposição genética como por questões culturais, sociais e até económicas. As mulheres até têm menos tempo para trair do que os homens (ocupam-se mais da família e da casa).
- … e as mulheres
Segundo uma pesquisa norte-americana, 76% das mulheres casadas fantasiam com outros homens e mais de um terço diz que se apaixona frequentemente por outros indivíduos. No livro Betrayal, Trust and Forgivness, a psicóloga canadiana Beth Hevna, que há 25 anos estuda a infidelidade, afirma que, na maior parte dos casos, as mulheres que traem sentem-se ignoradas, desprezadas e distantes dos maridos. A maior parte das traições femininas ocorre entre os 30 e os 40 anos.