Percebeu que era o centro das atenções dele há um ano, quando começou a frequentar aquele lugar. No primeiro dia gostou de se sentir “flirtada”. No segundo dia correspondeu ao jogo de sedução que continha nitidamente uma mensagem: “Estou interessado em ti.” E uma promessa: “Vamos ver o que é que isto dá.” Entrou no jogo no segundo, no terceiro e no quarto dias. Ao quinto desejou mais e mostrou-o. E, qual o seu espanto!, sentiu que ele se retraía que já não manifestava sinais de desejo. Tentou mais duas vezes e obteve a mesma reacção. Então, desistiu e perguntou-se: “Será casado? Não sei, não traz aliança nem há uma marca dela no dedo, o que não significa que não o seja. Se fosse, eu percebia melhor o recuo, o possível medo de envolver-se”, conta-nos Berta, de 43 anos, professora.
As história repete-se. Tem outros protagonistas, mais jovens, outros contornos e uma componente comum: ele recua no momento em que ela avança, neste caso, ao convidá-lo para tomar um copo de vinho ao fim da tarde, numa esplanada. A protagonista deste caso, Marta, recorda: “Quando ele atendeu o meu telefonema, hesitou. Era como se não me conhecesse. Quando o convidei para sairmos disse que não podia, que estava muito ocupado. Sei perfeitamente quando estou a ser preterida.” Marta, de 34 anos, conheceu Jorge num evento profissional, trabalham ambos na área de marketing, e ele passou o dia a seduzi-la com olhares e palavras, o que por vezes chegou a ser embaraçoso. Quando se despediram, trocaram os números de telefone, falaram na hipótese de tomar “um copo, brevemente”. Ela sabe que ele não é casado, nem se lhe reconhece uma relação mais séria.
Jorge corresponde ao esterótipo do allumeur, um género de homem que tem feito correr muita tinta nas revistas femininas francesas. Como ele há muitos outros que gostam de seduzir, mas que não passam dos gestos e das palavras aos actos. Obviamente, não lhes passa pela cabeça um futuro compromisso. Há uns bons anos, esta definição de allumeur (o que incendeia, excita) não era falada. Correspondia, no feminino, às allumeuses, às mulheres capazes de incendiar uma paixão num homem, mas quando ele está pronto a aceitá-la, elas apagam-na sem remorso.
Quantas mulheres não param de perguntar-se: “Serei eu que interpretei mal os sinais?” Quando elas fazem esta pergunta, a questão está praticamente ultrapassada, e embora não se consiga delinear um perfil preciso do allumeur, não há dúvida de que os novos sedutores não actuam como os de antigamente.
Há umas quantas gerações, talvez até menos, os homens tinham como modelo de referência o sedutor por excelência D. Juan, enquanto o seu comportamento e estratégias de sedução se assemelhava mais às do italiano Casanova, e que tinha à escala nacional a figura do Marquês de Marialva. Mas estes dois últimos eram sedutores, não apenas allumeurs, porque conseguiam passar ao papel de conquistadores e de devastadores de paixões, no mínimo. Pelo menos no que respeita a viver intensamente a aventura amorosa, uma vez que à arte da sedução exercitada com refinamento ou com perversidade sucedia-se pelo menos a aventura de uma só noite (a tão famosa one-night-stand).
O cinema continua a dar, dentro e fora do grande ecrã, exemplos destes. Mas no caso do homem comum, que vive longe dos palcos e sem guião, o comportamento caçador está a mudar. Pelo menos a partir do momento em que lhes é pedido um pouco mais de acção. Sinais dos novos tempos? Medo do compromisso? Tudo isto e muito mais. Quem estuda o comportamento humano adianta, com algum cuidado, que é possível traçar muitos perfis psicológicos.
Quem é este novo homem? Um sedutor mais próximo de D. Juan, que afinal era misógino, seduzia para castigar e os seus gestos de conquista estavam orientados para uma surda vingança sobre as mulheres?
Apesar de ser algo transversal na sociedade, no que respeita a idades, o fenómeno poderá ter mais incidência nas gerações mais jovens, apercebe-se a psicoterapeuta e consultora Clara Pracana. “Há 20 anos, os homens sentiam-se mais na obrigação de conduzir um processo, apesar de sempre ter havido homens que têm medo das mulheres mais assertivas e directas”, diz. O que se passa hoje é que elas estão mais informadas, “têm uma forma de se exprimir e exigir muito diferente, sabem mais o que querem e têm modelos comparativos” porque têm mais namorados. Isso pode intimidar o novo homem que, segundo a psicoterapeuta, “provavelmente tem um tipo de masculinidade mais difusa”, resultante da falta de “um modelo masculino mais afirmativo, daquela força mais tradicional, que até podia ser postiça, mas estava lá na cabeça deles”.
ELES QUEIXAM-SE DELES
Os allumeurs não existem apenas nas relações entre homens e mulheres. O mesmo jogo acontece entre homossexuais masculinos. Nas relações entre estes iguais, os sedutores mantêm o mesmo comportamento: seduzem e quando o outro retribui perdem o interesse. Não se conhece o mesmo comportamento entre as mulheres, o que não significa que não exista.