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Moda / Tendências

Quando o Arquiteto entra na sala: Álvaro Siza Vieira assina coleção-cápsula da Sharma

Uma jovem marca de joalharia apresentou, no Museu de Serralves, uma coleção de quatro peças inteiramente assinada pelo proeminente arquiteto português.

Foto: DR
09 de dezembro de 2024 às 07:00 Diego Armés

O átrio do Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves está cheio de gente. Estão todos muito bem-vestidos, alguns até engalanados, a ocasião é especial. Trata-se da cerimónia pública de apresentação da primeira coleção-cápsula da Sharma, nova marca de joalharia portuguesa. E essa coleção tem a assinatura muito particular e valiosa do arquiteto Álvaro Siza Vieira.

O sussurro geral e discreto dos convidados presentes compõe-se maioritariamente da questão que causa maior expectativa: será que o Arquiteto vem? Siza Vieira, apesar da idade provecta, é uma pessoa muito ocupada. Além disso, nem sempre tem disposição para estas coisas em público, é muita gente, muitas perguntas, fotografias, flashes, microfones e câmaras de filmar. Todos o abordam, todos o querem cumprimentar. Convenhamos, uma pessoa, aos 91 anos, nem sempre tem feitio para tanto protocolo e salamaleque.

Foto: DR

É curioso, mas certamente não casual, que se tenha escolhido para lugar da cerimónia um sítio dentro de um edifício desenhado precisamente pelo Arquiteto. Álvaro Siza Vieira coleciona, fruto da vasta, prolífica e brilhante carreira, numerosos prémios e distinções. À cabeça destes, o Prémio Pritzker, atribuído pela Fundação Hyatt, e que é amiúde descrito como "o Nobel da Arquitetura", só para que se tenha, entre os leigos em arquitetura, uma ideia mais precisa da dimensão e da importância do prémio. Felizmente, para Portugal e para o público português, essa é uma descrição que tem vindo a tornar-se anacrónica, precisamente porque existe o Arquiteto Siza, que popularizou o Pritzker entre os portugueses, que agora sabem perfeitamente do que se trata, sem precisarem de bengalas nem analogias para compreenderem do que se fala quando se fala do Pritzker.

No entretanto, preenchendo o compasso de espera enquanto a pergunta "será que o Arquiteto vem?" continua a circular sorrateiramente de boca em boca, dão-se os últimos retoques para a apresentação da coleção. Testam-se os microfones e ensaiam-se as luzes, pulem-se as vitrines e instruem-se as manequins que, elegantes e alvas nos seus vestidos brancos, carregam com leveza os anéis e os brincos, os colares e as pulseiras que a Sharma imaginou e Siza Vieira concebeu. Está tudo a postos, mas o início da sessão está atrasado. Vai-se arrastando o começo porque há sempre a esperança de que o Arquiteto surja.

Foto: DR

E eis que a sala se torna mais vazia no centro, quando as pessoas se afastam de maneira afinada para as margens do átrio que Siza desenhou - alto, amplo, desafogado e branco, luminoso como a contemporaneidade, retilíneo como o futuro era imaginado nos anos 90, quando o Arquiteto lhe definiu as linhas. O movimento coordenado das pessoas, todas muito elegantes, abrindo espaço para o centro das atenções, deve-se precisamente à entrada do autor de tudo isto, desde as joias às paredes. Álvaro Siza Vieira chega e é imediatamente recebido por Brigitte Costa e Bruna Cabral, a dupla de fundadoras da Sharma, que substituem de imediato a expressão ansiosa dos rostos por uma nova, agora repleta de felicidade e também de um certo alívio. "O Arquiteto conseguiu vir" e quase correm para ele. Vem vagaroso, embora dispense artefactos de auxílio, não há bengalas nem muletas. Há só lentidão, o que não só se compreende como, acima de tudo, se respeita.

A gravidade de Siza Vieira não é exatamente igual àquela que gere e coordena o universo e que faz os corpos celestes atraírem para si outros corpos mais pequenos. Quem rodeia o Arquiteto não se aproxima dele implacável e vertiginosamente. Pelo contrário, as pessoas abrem alas porque não há outro remédio quando se está na presença de tamanha figura, de tão imponente vulto das artes e da cultura portuguesas. O que é sugado de imediato são os olhares, a atenção: todos se focam em Siza. Este, acompanhado por Brigitte Costa e Bruna Cabral, senta-se num cadeirão. Conversa primeiramente com elas. Depois, as câmaras e os holofotes começam progressivamente a aproximar-se e a mirá-lo. Há que recolher as provas irrefutáveis de que o Arquiteto esteve presente, é preciso documentar. Siza Vieira encara a situação com evidente indiferença: não se rala. Está ali porque é visivelmente comprometido com o desafio que a Sharma lhe lançou, e ainda porque parece manter uma relação de cordialidade e amizade com Brigitte e Bruna.

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Começa a cerimónia propriamente dita. Brigitte Costa e Bruna Cabral falam, à vez, sobre a coleção-cápsula ali apresentada. Manufaturada em ouro de 19 quilates e diamantes incolores e negros, a coleção é composta por colar, brincos, pulseira e anel, e chega ao mercado numa edição limitada simbolicamente a 91 conjuntos - tantos quantos os anos do autor no momento da criação, os tais 91 de Siza Vieira (entre dentes, ouve-se que está "muito bem conservado", especialmente tendo em conta que "é um fumador compulsivo, está sempre a fumar"; e ainda "quem nos dera a nós chegar àquela idade assim tão bem").

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As oradoras falam da Sharma, a jovem marca que foi lançada há pouco mais de um mês e que nasceu da paixão das duas amigas pela joalharia. Nenhuma trabalhava na área, vêm de meios distintos, mas encontraram na ideia a oportunidade para acrescentarem à vida profissional uma face que não existia até há pouco tempo. Serão lançadas novas coleções a cada dois meses, sempre em edições limitadas. As coleções-cápsula nascerão dos desafios lançados a criadores portugueses, tal como sucedeu com Siza. Serão convidados nomes do design e da moda, do cinema, da televisão e da arquitetura, entre outras áreas. Bruna Cabral aproveita para fazer uma revelação: as duas próximas coleções-cápsula serão assinadas por Alvaro Siza Vieira, filho, e Henrique Siza Vieira, o neto do Arquiteto. Isto é novidade, ainda não se sabia. Ninguém, além dos intervenientes, tinha esta informação.

Entre as várias particularidades da Sharma merecedoras de destaque, sublinha-se ainda a intenção de produzir todas as peças com matéria-prima e mão-de-obra exclusivamente portuguesas. As coleções serão preferencialmente vendidas em plataformas de e-commerce ou através do site da marca, além de algumas - poucas, muito poucas - parcerias com hotéis de charme e museus, em Portugal e no estrangeiro. Quanto a esta coleção, composta por quatro peças e assinada por Siza Vieira, tem mais uma particularidade: quando foi encomendado um colar ao Arquiteto, Siza apresentou dois desenhos à Sharma. "Um mais simples, outro que garantiu ser muito complexo e difícil de concretizar", revela Bruna Cabral. A marca aceitou, então, o desafio de Siza e optou pelo segundo desenho, o tal "mais difícil", concretizando a peça. Cada um dos 91 conjuntos da coleção custa 30 mil euros.

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Brigitte Costa e Bruna Cabral agradecem a todos, e em especial ao Museu de Serralves e, por último e acima de todos, a Álvaro Siza Vieira. Os convidados aplaudem, com elegância e entusiasmo. O Arquiteto, sentado, aceita com paciência benevolente que as câmaras e os microfones se aproximem de novo. Responde a algumas perguntas. Sorri. Não se percebe bem o que diz, há muito ruído.

Os acepipes aguardam - agora, diz-se "finger food" -, assim como os vinhos do beberete. Iniciam-se as conversas, os sorrisos multiplicam-se. Os mais curiosos e convertidos às redes sociais aproximam-se da pequena montra onde as joias estão expostas. Fotografam-nas em abundância. Ocasionalmente, há quem as contemple. O átrio ganha a vida própria das salas repletas de gente. E então dezenas de indivíduos, em grupos pequenos ou um pouco maiores, retomam as suas atividades distraídas. Enquanto isso, Álvaro Siza Vieira retira-se com discrição, sem bengalas nem muletas, no seu passo vagaroso, mas ainda firme. Por hoje é tudo.

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