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Moda

Escultor de sonhos

Depois de dez anos de ausência, mas com uma lista de clientes que abrange extravagantes estrelas da pop ou conservadores membros da realeza, Philip Treacy está de regresso às passerelles. A Máxima conversou em exclusivo com o designer de chapéus e perdeu a cabeça.

Escultor de sonhos
Escultor de sonhos
26 de julho de 2013 às 06:00 Máxima

Foram precisas três semanas e vários e-mails para conseguir que Philip Treacy parasse por momentos os seus afazeres e atendesse o telefone. Depois de ter recentemente riscado da sua lista de projetos o desfile que assinalou o seu regresso às passerelles, após uma ausência de uma década, o criador tinha ainda em mãos os preparativos de uma grande exposição em parceria com a Swarovski e, mais urgente, estava nos últimos pormenores de um chapéu “para uma das maiores celebridades do mundo”, cujo nome não podia revelar, mas que, descobrimos uma semana depois, se tratava de Sarah Jessica Parker, que brilhou com um modelo da marca em forma de crista na gala do Metropolitan Museum of Art que assinalou a abertura da exposição PUNK: Chaos to Couture. Quando se senta num canto do seu atelier e pede para acender um cigarro, Treacy, natural da Irlanda, mas descoberto pela icónica editora de moda inglesa Isabella Blow, desliga e entra em modo de entrevista. É hora de falar de Lady Gaga, do seu jardim e dos muito criticados chapéus que as Princesas Beatriz e Eugénia usaram no último casamento real. Será que ele se está mesmo nas tintas?

Os chapéus deixaram de ser um acessório de integração social. São os rebeldes que os usam.Tem sido muito difícil apanhá-lo. Fez recentemente o seu regresso à passerelle, tem muito trabalho no seu atelier, colabora com outros designers e está a preparar uma nova exposição em parceria com a Swarovski, marca com a qual coopera há vários anos. Como consegue chegar a tudo?

Gosto de trabalhar e tenho trabalho a mais. Não há nada que eu possa fazer, pois esta é a vida de um designer de chapéus no século XXI. Além disso, não me posso queixar porque me foi dada esta oportunidade de mudar a perceção do que é um chapéu. E isto é excitante e interessante. Faço também chapéus para algumas das marcas mais fantásticas do mundo, como Armani, Valentino e Ralph Lauren, e tenho uma clientela muito fora do comum, de Lady Gaga à esposa do Príncipe Carlos. É impossível parar!

O que é que clientes aparentemente tão distantes têm em comum?

Para começar, gostam de chapéus. Depois, querem estar no seu melhor. Acredito que me especializei em criar coisas bonitas, quer seja para uma estreia de cinema, um casamento ou uma festa. E as pessoas respondem e reagem aos meus chapéus! Podem achar que são lindos, estúpidos, horríveis ou fantásticos, mas não deixam de ser provocadores. Esta é uma característica de um chapéu nos dias de hoje, cuja missão principal é decorar a cabeça de quem o usa. Tenha em conta que quando conhece alguém, não conhece os seus pés, mas sim o rosto e a cabeça.

Sente que a perceção do que é um chapéu tem vindo a evoluir?

Os chapéus mudaram de uma forma dramática nos últimos cinquenta anos. Deixaram de ser um acessório de integração social para passarem a ser um símbolo de rebelião. Agora são os rebeldes que usam chapéus.

Além disso, são poucas as pessoas que precisam de um chapéu no seu dia a dia...

É verdade que pode viver toda a sua vida sem nunca precisar de um chapéu. No entanto, a questão é que um chapéu é um fruto do desejo. Quando adquire uma peça Philip Treacy está a comprar um sonho, um momento, e não apenas algo para tapar a cabeça. De qualquer forma, os chapéus não caíram tanto em desuso como se pensa. Os rappers usam bonés, os polícias chapéus de pala, os cozinheiros usam chapéus altos... Obviamente, não se trata do mesmo tipo de chapéus que eu faço, que são pensados para acompanhar as minhas compradoras em momentos-chave da sua vida.

Uma vez que os seus modelos estão sempre associados a “momentos-chave da vida”, sente o peso da responsabilidade quando está a criar?

É uma responsabilidade gigantesca. De momento, preparo um chapéu para uma das maiores celebridades do mundo e sinto esse peso.

Para que se perceba o lado couture e melindroso da sua profissão, quanto tempo demora a produzir uma peça?

É difícil contabilizar, pois pode ser um dia ou um mês.

Custa-lhe ser obrigado a ter de ceder às leis da física? Suspeito que a gravidade não lhe permita materializar sempre as estruturas do outro mundo que imagina...

Eu gosto de fazer tudo o que quero. [Risos] É isso que me motiva. Gosto de conseguir fazer coisas impossíveis. Posso dizer-lhe que este trabalho é muito intenso e difícil, mas é a este tipo de coisas que as pessoas respondem. Vivemos num mundo visual e numa era em que a moda é entretenimento para os olhos. Veja a proliferação das redes sociais, como o Facebook e o Twitter, que comprovam que as pessoas agora só querem imagens. Os meus chapéus são essas imagens fortes.

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Nesse sentido, acontece-lhe olhar para um chapéu e pensa que talvez esteja too much?

Nunca! [Risos] Tem de ter confiança no seu ponto de vista. Trabalhar nesta profissão há vinte anos também me dá alguma segurança.

Como foi regressar à passerelle, como aconteceu este verão, depois de dez anos de ausência? O que o afastou durante tanto tempo?

Tenho tido outros projetos em mãos e sinto que a velocidade desenfreada da moda está a matar os designers. As pessoas estão habituadas a coleções novas de três em três meses, entre as linhas couture, as pré-coleções e as coleções “normais”. Os consumidores esperam muito em pouco tempo, não concorda?

Sim, mas se não houver novidade nas lojas, não há novas compras e entrada de dinheiro...

Claro, mas só tenho um par de mãos e graças a Deus as mulheres mais extraordinárias do mundo encomendam e querem comprar os meus chapéus. Por isso, tenho de os fazer! E foi aí que tive de optar. Ou fazia desfiles ou criava o chapéu que Sarah Jessica Parker usou na estreia de Sex and the City, os chapéus dos casamentos reais ou mais um chapéu para Lady Gaga. Ou seja, eu sempre fiz desfiles bem públicos, não foram é sempre na passerelle. Amo modelos e desfiles de moda, mas, por vezes, também é interessante criar para pessoas reais, que não sejam modelos.

Como explica o conceito do seu desfile? Lady Gaga abriu a apresentação e optou por usar apenas modelos negras, que vestiam os seus chapéus e usavam roupas de Michael Jackson.

Uma mulher branca, quando vem à minha loja, experimenta um chapéu e pergunta-me: “Fica bem?” Uma mulher negra entra na mesma loja, experimenta o mesmo chapéu, olha no mesmo espelho e diz: “Estou fantástica!” Foi esta razão que me levou a dedicar o meu desfile à sensibilidade e à força das mulheres negras. Além disso, conheci uma modelo africana que amo, a Grace Bol, e optei por fazer todo o desfile em torno dela. No que toca à roupa, cheguei a Michael Jackson porque um amigo em Los Angeles estava a vender o seu espólio e deu-me a hipótese de comprá-lo. Sempre trabalhei com Alexander McQueen, que fazia a roupa para os meus desfiles, mas ele está morto. Senti que as peças de Michael Jackson, um expoente de exuberância e entretenimento, se enquadravam perfeitamente no meu conceito.

Este desfile resultou também de uma parceria com a Swarovski, marca com quem também está a organizar uma exposição que abre em XXXXXX. Como tem sido esta colaboração?

Gosto de trabalhar com a Swarovski porque cria os melhores cristais do mundo. Os cristais obrigam-me também a pensar em novas formas de trabalhar os materiais. Isto é muito importante porque, como na cozinha, ninguém quer comer sempre a mesma coisa, preparada da mesma forma, todos os dias.

Os chapéus que as Princesas Beatriz e Eugénia usaram no último casamento real foram muitíssimo criticados. Como reage quando o público não concorda com as suas opções estéticas?

Não me importo. Acredito na democracia e, se não gosta, não gosta.

No entanto, numa entrevista a um jornal britânico dizia, de uma forma mais agressiva, “I don’t give a fuck”...

E a verdade é que “I don’t give a fuck” para cinquenta blogues. “Bloguem” o que quiserem.

Acredita que os blogues de moda têm enriquecido ou empobrecido a indústria?

Penso que são algo positivo, mas são apenas um ponto de vista como outro qualquer, quer tenham dez leitores ou dez mil. Haverá sempre quem gosta do que você faz e quem não gosta.

No que toca à arte, sei que gosta muito do trabalho de Damien Hirst e Andy Warhol, a quem já dedicou uma coleção. Por outro lado, cria também chapéus mais delicados, inspirados em flores. Como coabitam estas referências tão opostas no seu processo criativo?

Tenho a necessidade de fazer coisas diferentes. O chapéu de um membro da família real tem de ser diferente do chapéu da Lady Gaga. Partindo do meu ponto de vista, tenho de conseguir dar resposta a diferentes necessidades dos meus clientes, quer queiram algo clássico ou mais estilizado. Se fizesse só uma coisa já teria o meu negócio fechado.

Mas, no seu âmago, é mais Lady Gaga ou família real?

Gosto de ambos. Dependendo do dia e da pessoa. Acredito que quando desenho um chapéu, este tem de “servir” a personalidade da compradora. Não faço um chapéu louco para Lady Gaga porque sim. Faço porque ela gosta deles assim! Por outro lado, se fosse oferecer esse mesmo modelo a um membro da realeza, faria uma figura bem estúpida, não concorda?

Foi curador de uma exposição intitulada Conversation Pieces. Da mesma forma, quais foram as peças que produziu que considera serem mais propícias a tema de conversa?

Foram tantas! Acredito que os chapéus que fiz para os desfiles de Alexander McQueen foram sempre excitantes, assim como as peças que criei para Grace Jones. Gosto de trabalhar com gente talentosa e artistas fantásticos.

Já falámos muito de Lady Gaga. Muitos meios de comunicação avançaram que a cantora se candidatou a um estágio no seu atelier. Confirma?

É verdade, mas primeiro está a aprender a coser. Não pode trabalhar aqui sem primeiro dominar a agulha. Gosto muito dela porque, além de quebrar barreiras, no fundo, é boa pessoa.

No meio disto tudo ainda arranja tempo para o seu jardim?

Eu adoro jardinagem! Tenho um pequeno jardim em minha casa e planto flores, pois gosto da natureza. É isso que é a vida. Mesmo na altura de relaxar, o meu jardim inspira-me com as suas cores, padrões e formas. Apesar de todos estarmos a tentar criar a perfeição – quer fale de um joalheiro, um pintor ou um designer –, apenas a natureza é a única coisa perfeita no mundo.

Escultor de sonhos
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Rodeado por algumas das suas obras de arte
2 de 6 / Rodeado por algumas das suas obras de arte
Alguns dos chapéus eram compostos por cintilantes cristais Swarovsky
3 de 6 / Alguns dos chapéus eram compostos por cintilantes cristais Swarovsky
Swarovsky primavera-verão 2013
4 de 6 / Swarovsky primavera-verão 2013
Cantora
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Filha de Sarah Ferguson
6 de 6 / Filha de Sarah Ferguson
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