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Saiba tudo sobre a mais recente conquista da marca italiana.
06 de janeiro de 2017 às 12:23 Máxima
Embora já pertencesse ao Ministério da Indústria Francês, a Schiaparelli acaba de ser coroada pela Federação francesa de Alta-Costura (Fédération Française de la Haute Couture). Desde 2014 que desfila as coleções de alta-costura nas semanas da moda e, agora, passou de marca convidada para residente. A propósito desta conquista, relembramos o artigo "Shocking Factor" da jornalista Carolina Carvalho, originalmente publicado na edição de Outubro passado. (Re)leia-o aqui.
Curioso pela constatação de que a distância que separa o prêt-à-porter da alta-costura afinal não é assim tão grande, Andrew Bolton decidiu não só aprofundar a questão como partilhá-la e o resultado foi a exposição Manus x Machina, Fashion in an Age of Technology. Já era considerado um visionário, mas esta foi a sua primeira exposição no cargo de curador responsável do Costume Institute do Metropolitan Museum de Nova Iorque, que ocupou no final de 2015. Na teoria era uma grande exposição de moda, na prática foi um desfile de exuberância que, em cerca de 170 peças, provou que, mais do que opostos, o trabalho manual
e as máquinas completam-se.
A moda, como a arte, constrói a sua história com jogos de opostos e conflitos de forças. De cada vez que as máquinas têm um momentode evolução, elevam-se simultaneamente os valores da tradição. Tal como durante a revolução industrial nasceu o movimento Arts & Crafts, também agora, em plena revolução tecnológica e de massificação, se procura o conforto da tradição e da personalização. Assim como nesta estação as heroínas futuristas da Louis Vuitton contrastam com peças Miu Miu que parecem ter sido decalcadas de um padrão de William Morris. Este jogo de contrastes é a teoria que confirma na prática a mudança nas tendências. Flores, folhos, riscas e muito brilho podiam ser o refrão que marcou o ritmo da última primavera/verão e continua a marcar este outono/inverno. A moda está decidida a fechar a crise no armário e parece ter trocado o "less is more" pelo "more is more", com coleções que exibiram opulência através da riqueza dos materiais e das memórias que revisitaram. Como explica Susana Marques Pinto, stylist e professora na escola de moda Pulp Fashion, "assiste-se a uma época em que cada peça pode conter várias histórias e épocas e tendências, como oposto a uma só. Impossível não aproveitar elementos únicos e profundamente inspiradores. O revisitar é uma atitude muito válida e há coisas que seria triste ficarem numa gaveta. Ao revisitar, associando a isso a contemporaneidade, obtém-se resultados incríveis". Nos últimos anos já vimos a década de 1960 ser explorada quase ao ponto de os vestidos trapézio serem obrigatórios, enquanto a de 1970 sobrevive à passagem das estações, mesmo sem recorrer às calças à boca-de-sino. Para este outono/inverno 2016/17, as propostas são muito ecléticas e as inspirações chegam de várias direções, algumas levam-nos até aos anos 30 e 40 num salto no tempo tão grande que tudo o que parecia inovador na altura já foi baralhado e redistribuído desde então. Mas é quase inevitável não pensar que Elsa Schiaparelli anda por aí, ou melhor, o seu legado. Como explica Susana Marques Pinto, "também o facto de a moda estar neste momento particularmente ‘rica’ no que respeita a materiais, detalhes, forma, cores, styling, há muita fantasia, padrões, bordados, pelo que seria muito provável utilizar elementos deixados por uma das mais emblemáticas designers de sempre".
Nascida em Roma em 1890, Elsa Schiaparelli viveu nos Estados Unidos e, em 1920, chegou a Paris e embarcou no alucinante contexto cultural que se vivia na cidade das luzes. Ficou conhecida como a rival de Gabrielle Chanel, mas felizmente havia em Paris espaço e movimentos artísticos suficientes para as duas e ambas deixaram um trabalho inesgotavelmente inspirador. Schiaparelli era mestre na arte do tromp l’oeil, cuja tradução nos diz que é uma técnica que "engana o olho" e é, na verdade, uma espécie de efeito especial muito querido à moda que, com bordados e aplicações, permite criar ilusões. No verão passado, Alessandro Michele, a mente criativa ao leme da Gucci, experimentou e o público gostou. Lembra-se dos bordados em lantejoulas que desenhavam folhos e laços? Neste inverno, também a Tommy Hilfiger apostou nesta técnica. Foi, aliás, assim que Schiaparelli se fez notar. Como destaca Susana Marques Pinto, "a peça que a catapultou para o sucesso terá sido uma camisola em malha, com um laço utilizando essa técnica, que a Vogue classificou de obra-prima". E Susana lembra ainda o uso do fecho éclair e, claro, o rosa-choque. A criadora assumiu para si a autoria do Shocking Pink, uma cor arrojada (e libertadora!) para a década de 1930. Hoje, usamo-la sem medos ou preconceitos e foi até assim queKarl Lagerfeld abriu o desfile outono/inverno da casa Chanel.
As parcerias entre casas de moda e artistas plásticos, como as da Louis Vuitton, que já nos habituou, com os seus acessórios, a transformação de obras de museu em roupa, como Raf Simons fez na sua primeira coleção de alta-costura da Dior, ou mesmo a utilização
do corpo quase como uma tela que os bordados vão envolvendo, como Sarah Burton fez em algumas propostas Alexander McQueen deste inverno, revelaram-se sucessos no seu tempo, mas não foram inéditos. Na verdade, estes exemplos remetem-nos para o legado de Schiaparelli e, quase em jeito de lição de história da moda, Susana Marques Pinto explica-nos: "Foram inúmeras as inovações introduzidas por esta muito extravagante, pioneira, carismática e moderna designer, no que diz respeito à sua postura e trabalho. Pelo facto de ela se relacionar com muitos artistas plásticos da época, entre os quais Salvador Dalí, Man Ray e Jean Cocteau, a roupa por ela concebida traduziu pela primeira vez muitas das correntes artísticas de então, principalmente o cubismo e o surrealismo (chapéu sapato, luvas com unhas, vestido lagosta, insetos gigantes bordados, sapatos com ‘cabelo’). Um dos seus objetivos ao desenhar roupa passou também por deixar de modelar o corpo, para criar efeitos surpresa, que as artes vanguardistas defendiam." Neste inverno, a transição da roupa de dormir para a rua e a utilização das camisolas de malha como território de exploração não se assumem como novidades, mas também contribuem para dar sinais de um fervilhar de influências dentro dos ateliês.
Numa altura em que a exuberância está, literalmente, na moda, seja na riqueza das coleções ou na necessidade de "aparecer" que as redes sociais tanto aumentaram, impõe-se a criatividade. O verbo "postar" é dotado de velocidade e alcance como nenhum
outro, por isso voltamos ao jogo de forças opostas para referir que muitos criadores de moda exploram técnicas tradicionais com novas abordagens. Isto implica conhecer o trabalho dos artesãos, mas também os antigos arquivos de moda e estes já não estão apenas em cofres bem guardados. A tendência dos museus nos últimos anos para exibir exposições de moda eleva o estatuto do criador a artista, mas também a peça de vestuário a obra de arte e apresenta ambos a um público muito mais vasto que vai além da elite da indústria da moda. Depois de durante anos o legado Schiaparelli ter estado em livros e espólios de museu, em 2006 a casa renasce e em 2012, o mesmo ano em que o Costume Institute a põe "em diálogo" com Miuccia Prada com a exposição Impossible Conversations, a casa Schiaparelli ganha nova vida com o toque mágico de Farida Khelfa e recomeça a apresentar coleções de alta-costura, no calendário oficial de Paris.
Elsa Schiaparelli foi a primeira mulher criadora de moda a ser capa da revista Time em agosto de 1934. Vinte anos depois decidiu fechar a casa de moda para se dedicar à sua autobiografia: Shocking Life. Não deu um filme, mas deu inspiração de sobra para muitos criadores e muitas interpretações como se pode ver, até hoje. Até a mais recente rainha pop star da Disney, no filme Frozen, se chama Elsa, mas talvez isso já seja levar a inspiração Schiaparelli um pouco longe demais.
*Originalmente publicado na edição de Outubro de 2016 [337]
1 de 37 /Schiaparelli | Alta Costura para Outono/Inverno 2016-2017