Jogos de violação, incesto e abuso de menores: a IA está a tornar-se assustadora para as mulheres
Se as ideias da manosfera têm vindo a recrutar cada vez mais rapazes, dando lenha a um movimento anti-feminista, a IA tem revelado um potencial infinito para exponenciar comportamentos misóginos online.

Em abril deste ano, a plataforma de videojogos Steam viu-se forçada a remover um jogo na sequência de uma onda generalizada de indignação pública. Chamava-se No Mercy e encorajava os jogadores a tornarem-se "o pior pesadelo das mulheres", nunca aceitando "um não como resposta". Na sinopse, liam-se ideias como "contacto sexual sem consentimento", "dominação masculina" e incentivos ao incesto: "Se a tua mãe destruiu a tua família, tens um novo papel: não de resolver a situação, mas de tomá-la como tua. Descobre os seus segredos obscuros, domina-a e torna tuas todas as mulheres."
Embora profundamente perturbador, o conceito não é novo. Em 2019, um jogo chamado Rape Day apareceu com a premissa de "abusar verbalmente, matar e violar mulheres". Mas não chegou a ver a luz do dia. A onda de críticas que chegou à Valve, dona da Steam, levou a empresa a considerar que o jogo representava "custos e riscos desconhecidos". Que é o mesmo que dizer, como ofereceu um utilizador do X: "Íamos publicar o Rape Day se desse, mas podemos ser processados."
Em 2018, um grupo de hackers entrou no sistema do jogo infantil Roblox e encenou uma violação de grupo ao avatar de uma menina real, de 7 anos, que jogava online no iPad da mãe. Questionada pela filha sobre o que se estava a passar no jogo, Amber Petersen, horrorizada, fez várias capturas de ecrã que mostravam a personagem da sua filha a ser violada por duas personagens masculinas.
Se as ideias da manosfera têm vindo a conquistar um número crescente de rapazes jovens, polarizando homens e mulheres, dando lenha ao movimento anti-feminista, a Inteligência Artificial tem revelado um potencial infinito para exponenciar comportamentos misóginos online. "As mulheres estão em risco de serem arrastadas de volta para a idade das trevas pela mesma tecnologia que promete catapultar os homens para um futuro novo e brilhante", escreve no The Guardian Laura Bates, fundadora do movimento feminista britânico Everyday Sexism Project.
Através do Llama, um software aberto de Large Language Model, um programador que se apresenta à imprensa apenas como Lore construiu o Chub AI, um site de subscrição que permite cometer atos ilegais e violentos a bots de IA. Nele, um bordel instalado num "mundo sem feminismo" emprega meninas menores de idade, de 15 anos para baixo. Entre as empregadas estão Olivia, de 13 anos, com o cabelo apanhado em tranças, vestida numa bata de hospital, e Reiko, mais uma personagem que incita ao incesto, descrita como "a irmã mais velha despassarada que está constantemente a ter acidentes sexuais com o irmão mais novo".
Em março do ano passado, a UNESCO publicou um estudo que mostrava que os Large Language Models (modelos de IA com técnicas de aprendizagem e de geração de informação, como o ChatGPT) revelam "tendências preocupantes", sexistas, inclinadas para os papéis tradicionais de género, mas também indícios de homofobia e estereótipos raciais. "As mulheres foram descritas como trabalhando em papéis domésticos bastante mais frequentemente do que os homens", lê-se no documento.
É difícil não temer pelo futuro das mulheres quando se considera o que a IA está a fomentar junto de homens revoltados, frustrados, sentados em casa à frente de um ecrã. Basta ligar as notícias e ver o que se tem passado na vida real, no nosso país. São, a mulher que foi morta por Jair, seu ex-companheiro, em Oliveira do Bairro; o julgamento do homicídio de Mónica Silva, conhecida como a grávida da Murtosa, alegadamente morta por um homem que não queria assumir o bebé; a mulher que foi esfaqueada 150 vezes num parque de estacionamento pelo homem que conheceu no Tinder e mais tarde rejeitou; o britânico de 60 anos que esta quinta-feira tentou matar a namorada, atirando-a ao Tejo. Ela não sabia nadar.
Com o masculinismo a ganhar expressão nas redes sociais e na cultura dos jovens, campanhas anti-aborto a passar em canais de sinal aberto, a extrema-direita cada vez mais poderosa no Ocidente, e a violência contra mulheres a ser normalizada pela tecnologia, devemos começar a temer de verdade pelos direitos tão duramente conquistados?

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